sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Dos 3 anos

Sempre se tratou de sentar na cadeira e escrever. Não importava o jeito, contanto que fosse bom, prazeroso e em busca de certo estilo. Escrever uma história é organizar uma narrativa, e uma narrativa, é, basicamente, contar. E, ao fazer isso, você gera tudo: tempo, receios, certezas, esperança. Por isso a ficção é vida. E vice-versa. Literatura é uma arte – e talvez a mais nobre de todas – também porque espelha todas as vicissitudes do ser humano, as modificando, criando algo novo. E é arte também porque as ferramentas para se escrever são acessíveis a qualquer pessoa. O que você precisa? Uma caneta, um papel, e pronto. Um teclado, um programa de Word e pronto. Levando em conta que a pessoa já saiba escrever, ler e etc, é claro.

Daí depende do tempo em que se investe nessa ação prazerosa e ardilosa que é escrever. Na realidade, se você gosta de escrever, você tem que escrever sempre. É necessário que essa vontade esteja em sua mente todo o tempo. Se realmente quer fazer isso da sua vida, você, nem notará que realmente pensa em como narrar uma história enquanto está dirigindo o carro, ou tomando banho. Haverá cenas da sua vida que ficarão na sua memória e que servirão como alimento para as possíveis futuras ficções. Assim como tudo que você lê, que você devora.

Entretanto, não acredito que um escritor tenha que viver algo para escrever sobre esse algo. É isso que difere um escritor de um jornalista. Esse último realmente necessita presenciar um acontecimento para escrever tal reportagem, precisa recolher dados, respeitá-los. Há certas regras que não podem ser modificadas no discurso jornalístico, mesmo que você seja o mais vanguardista de todos.

Sinto que fugi um pouco do assunto. Na realidade, gostaria de falar que só agora começo a entender o que é realmente o Contagens. Depois de três anos escrevendo vários tipos de texto.O Contagens não é um blog de um cara que gosta de escrever. O Contagens também não é um blog de um estudante de jornalismo que quer exercitar a escrita. O Contagens é o blog de um cara, que estuda jornalismo, e que precisa escrever ficção. Um cara que realmente quer ser escritor e também jornalista.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Melhor longe

Ela me disse que eu iria adorar Londres, que estava na minha cara. Falou também que o tempo em Paris era louco. E que o jeito de ganhar os franceses era não falar em inglês com eles. Me deu, ainda, algumas dicas sobre o meu cabelo, disse que eu precisava urgentemente de um hair design, que todo mundo estava consultando essas pessoas e que elas realmente saberiam o que fazer comigo. Falou que isso seria a cura para as minhas dores de estômago. Ficava me perguntando por que razão eu não havia a visitado na Europa, embora ela soubesse que essa não era uma oportunidade viável para mim. Fazia cara de magoada, como se ela realmente estivesse magoada. Dobrava os olhos para baixo e levava junto as bochechas, como se tudo fosse cair. Mas apenas por alguns segundos. Em seguida já erguia todo corpo novamente, falando sobre os inúmeros passeios em vários, vários museus. E tudo que eu teria perdido em não ter ido vê-la. Lá embaixo, perto do esôfago, os ácidos irritadiços queimavam as peles a todo vapor. E eu - que a princípio me conhecia tão bem - implorava para que Regina fosse logo embora dali.

domingo, 12 de dezembro de 2010

Vozerio

Agora, é verdade:

eu já ouço a voz

novamente.

Aquela voz que me encobrira os dentes.

Que me cerrava a boca e

fazia-me tremer, trancar

os pulsos com rigidez.

Sim, é verdade

que eu já ouço

essa voz mais uma vez.

É, ficou claro que entre momento e outro...

até podia se tratar de ilusão.

Mas isso, amigo, é só insensatez.

E, você sabe, é o nosso jeito.

Essa vontade de não ter defeito.

Voz que dorme voraz debaixo do leito.

Você sabe que ela não é ilusão.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Meu pequeno frasco

Queria descrever Eliana como alguém que sempre usou aquele vestido azul com as duas alças compridas sem decote – tudo que ela mostrava era o espaço bonito que ficava entre os seus seios e o pescoço. Queria descrever ela assim porque é uma das lembranças mais remota que tenho na minha cabeça sobre ela. Faz parte da época em que costumávamos passear apenas nós no sítio do tio João, meu tio, irmão do meu pai, ambos já falecidos. Queria falar de Eliana assim, mas tenho medo de começar a descrevê-la e limitar ainda mais meu pensamento. Sou do tipo que guarda as coisas em pequenos frascos; gosto mais das frases curtas que explicam grandes coisas, de uma ideia “menor” para uma ideia “maior". Conceitos, não? Por isso acho melhor falar sobre a expressão incutida em seu sorriso, espécie de droga que se desdobrava de trás para frente, e que fazia os músculos do rosto dela se estremecerem e ficarem todos empolgados por aqueles pequenos segundos de orgasmo facial. Tipo de droga porque – desculpe o trocadilho clichê – me viciava. E eu poderia ficar horas tentando encontrar alguma pista que explicasse o porquê daquela expressão. E até hoje passo horas tentando entender como eu nunca consegui esquecer isso.

domingo, 5 de dezembro de 2010

Com o par quebrado

Voou com guarda chuva para cima de mim.

Secou os lábios levemente molhados

na minha camiseta primeira vez

usada;


Ninguém mais sabia o que dizer

àquela altura da noite.

Tirou os sapatos de salto alto verdes escuro


(com a maior classe do mundo)


E me disse tchau. Leve com a mão.

Ela me disse tchau.


E foi caminhando de pé no chão

segurando o par quebrado

até virar a esquina.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Para passear amanhã

- Ah, quase me esqueci...esse é o novo estagiário,

- Renato, prazer.

- Prazer, Sílvia.

- Então, Laís, o Renato é inteligente?

- Boa pergunta..acho que ainda vamos descobrir..

- Você é inteligente Renato?

- Gosto de pensar que sim...

- Me lembrei agora, Silvia, que ainda não o levei para passear, para conhecer todo o ambiente..

- É verdade, ainda não fomos..

-Vamos fazer assim, eu vou ficar te observando e fazer um relatório depois de um mês para ver se você é inteligente.

- Ok, então, Sílvia.

- Renato, vamos passear amanhã, tá?

- Vamos

- Outra coisa, não adianta ter só um rostinho bonito como o seu..e um corpo legal para trabalhar aqui, viu. Você tem que ter cérebro.

- Eu tenho cérebro e...

- E tem que saber ouvir..ok? Laís, será que eu posso levar ele para passear amanhã?




domingo, 28 de novembro de 2010

Três momentos em Ipanema

Momento 1



“Quando eu morrer eu quero ser atirado nessas pedras, quero que o vento leve as minhas cinzas para que se espalhem pelo oceano de Ipanema. E que lá embaixo, lá no fundo do mar algum desses peixes, peixes grandes, peixes comestíveis, me engulam, que vários peixes me engulam, que me comam, que eu possa servir de energia para esses peixes. E que depois algum pescador capture esses animais, vários deles cheios de mim e que venda para peixarias, para supermercados, para pessoas. E que várias cariocas escolham esses peixes e comam; que me tenham dentro delas, dentro do corpo delas. Vou existir somente no corpo sensual e torneado das cariocas, somente no andar delas, nas pernas morenas. A minha energia toda no corpo das cariocas. As minhas cinzas que forem para os homens, essas não serão mais minhas e sim da natureza. Mas nas cariocas...nessas eu vou viver para sempre”.


Momento 2


“Alô, amor? Tô te ligando aqui para te dizer como é a paisagem que to vendo. Eu não trouxe câmera, e eu não posso tirar foto, e eu queria que você soubesse como era. Tô há quinze minutos sentado aqui, tentando fixar bem na mente para te contar depois, mas achei melhor te ligar só para te falar, para descrever. O Rio de Janeiro é muito bonito , e aqui a praia de Ipanema, ela mexe com a gente. É um mar assim do tipo que eu nunca vi, é certo que não é tão bonito quanto as praias aí do Ceará, mas é diferente, tem algo de diferente no ar. É todo o entorno. São os prédios cercando a paisagem talvez, ou talvez o fato de que gente de todos os lugares caminhe por essa areia. Gente de todos os tipos. Há um parque aqui perto onde a garotada do morro aqui perto vem depois da aula, e muitas vem tomar banho de mar. Eles tão ali tomando banho agora. E bem ao lado deles tem um monte de mulheres altas, brancas tipo papel, dá para ver que elas são européias. Lado ao lado. Se uma praia faz isso com a gente ela tem toda razão de ter sido imortalizada em uma canção..Não sei se consegui descrever direito. Só faltam cinco meses para o trabalho aqui acabar e então poderei voltar (...).”


Momento 3


“Você tinha razão quando disse que eu ia tremer na base e que eu ainda não estava pronto. Sempre tem razão quando se refere a mim, o que é uma droga. Eu não consegui mesmo, e o mais difícil agora será te encarar. Que merda. Olha essa visão, esse sol batendo aqui no mar. Me lembro quando ensaiava os primeiros passos nessa praia, tu me carregando pela mão. E então eu correndo. Cresci por aqui, cresci rápido, a gente cresce rápido demais. Eu sempre volto aqui quando tenho que refletir. Pai, a gente cresce rápido demais. Não me olha daquele jeito não. Eu já me cobro o suficiente, e sim eu sabia que era difícil, mas eu estava confiante dessa vez. Você sabe, não deu certo, mas você sempre soube mesmo...”


*Todas essas fotos foram tiradas por mim na praia de Ipanema no Rio de Janeiro.



terça-feira, 23 de novembro de 2010

Igual a uma pedra

Tinha algo de inofensivo no modo como Renato olhava para mim depois de ter me comido. Era quase como se voltasse a ser um moleque pré-adolescente que se masturbava com revistas de mulher pelada no banheiro, escondido da família. Era inofensivo e um tanto quanto medrosa a expressão dele, como se tivesse feito algo errado, como se o sexo fosse um erro. Mesmo que um ótimo erro. Ele ficava estático ao meu lado, escondendo o seu pau com o lençol branco, olhando para o teto, quase não falava nada. Não era a primeira vez dele, e muito menos a nossa primeira vez. Simplesmente ele entrava em uma espécie de pane, e ficava desse jeito alguns minutos. Eu não tinha muita reação, já estava quase me acostumando a sua falta de tato. Meus namorados anteriores não eram nada parecidos com ele nesse sentido. Normalmente se abraça, se pede algum carinho, se move as mãos para mais prazer. Ele parecia uma pedra, enrustida em seu comando. Por alguns minutos me dava tempo para pensar na vida, pensar em que droga era aquilo...tudo isso enquanto eu fumava um cigarro. Será que ele realmente gozava? Será que ele realmente tinha prazer? Começava a pensar que não, começava a pensar que pedras paradas só criam limo.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Carta 08

Sugestão para escutar lendo: http://www.youtube.com/watch?v=7ZZcZHWw9eM&NR=1&feature=fvwp


Eu to indo embora. Para mim já chega. São sete horas da noite agora, e eu não poderia estar mais feliz. Vou lembrar mais uma vez para esquecer para sempre. Stanley Clarke manuseia o seu comovente contrabaixo em Sweet Baby enquanto eu acabo de preparar tudo.

"It's you, sweet baby/ Ever always been captured By your smile, sweet baby".

Não quero ninguém chorando depois, quero sim que façam piada, quero sim que me xinguem, e que digam que eu não precisava ir agora, quero sim que me xinguem e que digam que eu fiz a coisa certa. Todos sempre estão enganados mesmo. Eu já vesti o terno, eu já coloquei a gravata que o meu vô me ensinou a dar nó. Espero encontrar com ele. Espero encontrar com ele e com a minha vó.

Vai ser exatamente quando a música chegar no fim, eu deixei tudo planejado. Falta pouco tempo para surtir o tal efeito. Mistura forte, tempo contado. A gente não se lembra de muita coisa a essa hora. Nem quero lembrar, nem, ao menos, quero ver alguma coisa. Quero dormir. Quero dormir na praia branca de minha infância novamente. Quero ser criança para sempre.

Quero para sempre a sensação da primeira vez. Lá está de volta o primeiro beijo em Katiane, eu todo nervoso, ela já mais velha, já era mais experiente. Katiane dois anos mais velha na minha frente. Aquela sensação novamente antes de ir embora. Os lábios molhados frescos dela debaixo do sol no interior de Santa Catarina.

"Lying here alone, I'm dreaming/ My mind keeps wanderin/ My thoughts are only you/Wandering through the/Memories in my mind"

Os pés frescos da noite. Para nunca mais. A primeira leitura visceral que me marcou, as viagens por dentro da terra de Julio verne. Eu querendo ser navegador, eu queria um barco. Eu fazia um barco de papel para balançar dentro da improvisada bacia de mamãe, enquanto ela brigava na sala. Era tudo tão obsceno e cruel. Tão ardente que virei marinheiro. Tão chato que resolvi viajar para nunca mais encontrar

eles.

Pessoas necessariamente não tem porto. Queria mais uma vez o abraço do melhor amigo que há anos não vejo, o entardercer do dia de uma praia qualquer. Queria por última vez, agora que a música acaba, queria ser apenas parte da areia de uma praia que não existe mais. Quero dormir todos os sonhos necessários. Descansar a ferida antes de aportar.

"Oh, it's you, sweet baby/ I will never be free/ From your embrace, sweet baby/ Only hoping it's not/ Too late to try again"

sábado, 20 de novembro de 2010

No encalço

- Posso tirar uma foto dos seus pés?

- O quê?

- Eu perguntei se posso tirar uma foto dos seus pés.

- Dos meus pés? Para quê?

- Apenas uma foto...seus pés são bonitos. Realmente. Há tempos que não vejo um exemplar assim.

- Não, amigo. Desculpa. Nem te conheço, não sei quem você é...nem sei o que você vai fazer com essa foto..

- E ainda mais aqui no metrô. É muito difícil encontrar um bom par de pés femininos assim..por aqui..

- Você não está me escutando não? Não pode tirar foto nenhuma, e vai saindo daqui se não eu dou um escândalo... eu começo a gritar, sei lá.

- É sério. E essa sandália, que beleza! Combina com a cor das suas unhas. Fantástico...vou tirar a foto com o meu celular mesmo...

- Cê não tá me ouvindo, não? Porra!

- Calma, moça, calma. É para o meu blog, na internet. Vou catalogá-lo como “Musa”. Já tenho mais de 2000 fotos. Mas musas são difíceis de achar, e acho que você será a décima oitava. Infelizmente não pago nada. Não fica feliz?

- Cê ta louco. Maníaco, pirado.

- Olha só, é rapidinho e não vai doer nada. Ninguém vai saber que é tu. Eu nem sei teu nome. Nem sei e nem quero saber.

- Mas eu quero saber o teu, para ligar para a polícia, cretino.

- Click!

- Seu filho da puta, volta aqui.

Tarde demais na estação.
Um acumulado de pessoas desembarca.
Ela dá chilique sozinha e ninguém entende nada.
Enquanto isso, ele é só risada.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Tão pouco

Por que a gente se vende tão facilmente?
Escorados agora entre esses portos
descobertos pelas nossas
faltas de capacidades.

Você enrola verdades-mentiras
que comovem todas as suas mãos
a gente se vende tão facilmente
por tão pouco

a gente se desmente tão
facilmente
por tão pouco

Quem é que tem certeza de algo hoje em dia?
Quem é que realmente pode dizer que tem certeza de algo hoje em dia.

domingo, 14 de novembro de 2010

Aqueles braços

Joana tinha um rosto atraente, dançava como se o mundo fosse acabar no próximo movimento e tinha um papo interessante, mas havia uma coisa que incomodava aquele conjunto quase tão bem acabado.

Ela tinha os braços gordos.

Flácidos e brancos, redondos, formando uma pequena barriguinha. Só notei isso depois de já estar envolvido seriamente com ela. A época em que nos conhecemos ajudou a me ocultar esse fato: foi no inverno e é natural que as roupas sejam compridas, largas, escondendo a gordura.

Não quero que você leitor, leitora nutra alguma espécie de raiva contra mim, ou que me acha preconceituoso. Não odeio gordos, não tenho absolutamente nada contra vocês. Gosto sim é da harmonia. Há várias mulheres gordas bonitas, mas elas não têm os braços finos.

Entende?

Eu via um erro na composição, no quadro geral. Algo que saiu mal planejado em sua formação genética. Quando conheci os pais de Joana pude reparar que não havia nenhum problema em sua mãe, a não ser na personalidade extravagante, quase vulgar. Mas tratando de seu físico, era quase que perfeito. O problema, o problema com certeza era seu pai. O que me levou a tese de que se o pai tem braços gordos, a filha, provavelmente, herdará os malditos.

Passei noites sem dormir ao lado de Joana, não tendo coragem suficiente para falar sobre esse “problema”. No começo, tentei levar a situação como uma besteira, que seria uma cisma. Depois passei a tentar me enganar dizendo que na verdade eu estava era com medo de me relacionar. Que o problema era eu e não ela. Acabei acreditando nisso um tempo, mas logo depois caiu a ficha de que se não fosse os braços gordos de Joana, eu, provavelmente, estaria completamente feliz.

Então resolvi abandonar as coisas e simplesmente sumir. Encurralado pela fraqueza de não lhe dizer a verdade. Não conseguia pensar em uma melhor resolução para isso. Acabei deixando uma espécie de bilhete, uma nota na realidade, em cima da mesa. Acho que escrevi algo como “Desculpa, mas não posso mais ficar com você. O problema não é você, mas parte de você”. Acho que escrevi isso mais ou menos.

“Parte de você” foi a melhor escolha de palavras. Depois disso comecei a passar mais tempo em casa, troquei de apartamento, porque queria me afastar dela. Para não machucá-la mais e para fugir daquela sensação de abafamento quando pensava nela e nos seus braços. Foi aí que comecei a reparar nos meus também.

Percebi que cada vez mais observava os espelhos em casa, me olhando, olhando os meus braços. Eles pareciam levemente maiores. Levemente maiores a cada vez que eu olhava.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Linha reta finita

Tenho alguns problemas com o tempo. Não sei mais se ele é circular ou simplesmente dá volta nas esquinas, formando um quadrilátero. Mesmo que o tempo não tenha formato, ele não precisa necessariamente ser redondo. Algumas coisas não retornam. O tempo pode ser uma linha reta com um fim. E ponto. Ou melhor, sem nenhum ponto de intersecção para quebrar. Uma linha com final; e, sendo assim, não infinita, essas coisas que a matemática finge que existe e todo mundo fica feliz. Essas coisas como o tempo que todo mundo finge que existe e fica feliz. Cargas d’agua, mas a gente precisa acreditar em algumas coisas para continuar de pé, né? O tempo então é uma linha reta finita pela qual andamos até acabar esse passeio longo e divertido. Desculpa pelo não sentido, já lhe disse, tenho alguns problemas com o tempo.

terça-feira, 31 de agosto de 2010

Porque (.....) é importante - Teoria número trinta e dois

Tira essa roupa toda. Se despe por inteira, esquece da vergonha, corta os cabelos bem curtos e apara as unhas da menor forma possível. Tira as responsabilidades, todas as contas para pagar. As inúmeras prestações daquele apartamento. As inúmeras brigas com o seu companheiro.

Joga fora também a sua família, os seus animais de estimação, todas as preocupações rasas com o seu futuro e o futuro da humanidade. Perde os tênis, perde as meias e deixa os pés completamente grudados no chão. Não na laje, não na lajota, não no azulejo. No chão, ao lado da terra e da grama.

(.....)

Agora, pega tudo novamente, a camisola, a roupa de baixo, o tênis velho e necessário. Ocupa a sua cabeça novamente com as pequenas, mas sempre presentes, prestações daquele carro novo. Recupera a tua família, se lembra do medo de perder seu companheiro para aquela amiga que o vive rondando.

Respira, volte ao azulejo, esquece do chão, esquece da grama.

Corra.

Crônicas de um repórter novato – parte XX

É no mínimo fantástico o quanto a internet mudou boa parte do modus operandis do jornalismo. Isto é, não se criou, propriamente, uma linguagem nova, mas mudou-se o elo, o estabelecimento e, mais do que tudo, a hierarquia.

Hierarquia não só do texto, mas também a hierarquia no macroespaço, uma vez que não estamos mais sozinhos durante o ato da leitura. As coisas estão acontecendo e se modificando ao mesmo tempo em que lemos. Atualizações são constantes, informações se sucedem vias diferentes redes sociais, via podcasts, youtube, etc.

E o mais importante, as pessoas conversam, trocam informações, criticam. Uma coisa que acho bacana foi o surgimento de blogs que acompanham e fazem a análise da mídia, de alguns jornais, das coberturas dos grandes veículos. Várias dessas iniciativas surgiram quase que ao mesmo tempo e oferecem uma visão antes não divulgada.

Ao mesmo tempo me pergunto quem é que pode fazer essa vigilância da mídia com propriedade? Qualquer um? Com certeza não. Talvez o responsável tenha que vir de dentro das academias, dos cursos universitários – não necessariamente o jornalismo. Uma avaliação sem embasamento não significa nada. A internet está aí para ampliar as possibilidades, para o bem ou para o mal.

Iguais

Nós somos dois retardados
em uma festa de retardados.
Como cheguei a pensar
que nunca mais
nos veríamos novamente?

Dois retardados só poderiam ir em uma festa de retardados.

Aquela moto

Como era mesmo? Prateada, obviamente, grande realmente grande, imponente. Com um motor que deixaria a maioria dos carros para trás. E quando eu tiver dinheiro o suficiente para te trazer uma dessas Harley Davidson importadas do Estados Unidos da América você já será bem velho, com o pouco cabelo que lhe resta branquinho. A barba também branca, com muito mais paciência, com muito mais possibilidade de contemplação. E vai dirigir, com certeza, pois a sua carteira ainda não estará vencida. Assim será o único easy rider a governar a cidade.

domingo, 29 de agosto de 2010

Sem data específica para voltar

Dá última vez que eu vi Gustavo ele parecia raivoso, mas também cheio de esperança. Chegava a ser bonito de perceber ali do meu lado uma pessoa com dois sentimentos tão distintos, lutando entre si. Era uma luta quieta, mas que, graças aos nossos meses de convivência, eu conseguia perceber. Caminhamos do jornal em que trabalhávamos até a avenida mais próxima em que ele pegaria o ônibus, e eu seguiria andando. O tempo era ameno e conversávamos sobre assuntos sérios, o que denotava uma aparência também séria a nossas expressões. Falávamos principalmente sobre o futuro e como pequenas ações podem, de certa forma, mudar tudo. As nuvens começavam a se aglomerar e o tempo já cantava a chuva que estava por cair. Estranhamente, chegamos rapidamente a parada do ônibus. Ficamos ali alguns minutos jogando conversa fora, reclamando de situações que não poderiam ter acontecido e que aconteceram. Gustavo aparentava ser duro, mas só aparentava. Aparentava ser raivoso, mas só aparentava. “Não guardo mágoas de nada”, ele disse. Nos cumprimentamos normalmente como dois amigos que se encontrarão no dia seguinte para uma cerveja, mesmo sabendo que amanhã ele iria viajar sem data específica para voltar.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Carta 07

Meu filho Estevão,


Gostei da sua mãe porque ela parecia não gostar de mim. Pode ser confuso, mas a confusão também poder ser verdadeira. Acontece que ela parecia me evitar, parecia distante. Parecia. Uma palavra desfalcada, correto? Palavra mentirosa e temperada. Não se confia em coisas que “parecem”. Não se confia em suposições, eu acho. Mas veja, eu sempre gostei de achamentos e de achar passar a acreditar, e de acreditar passar a confiar. Então eu, primeiramente, fui atraído pela possibilidade de ela parecer não gostar de mim. Justamente porque havia algo errado aí, como ela poderia não gostar de mim?


Era uma armadilha para o ego corrompido que meus vinte e poucos anos guardava.


E é esse ego doentio que eu também vejo em você. Eu lhe passei tudo pelo DNA. Está embutido em cada célula do seu corpo. O modo de andar, de olhar para as pessoas e principalmente para as mulheres, de sentir como o mundo estivesse ao seu pé. Afinal ser jovem também é ser um pouco disso. Mas sabe uma hora você vai ver, vai demorar, mas você será derrubado, destruído, descarrilado.


E virá falar com o seu velho pai sobre mulheres.


Vai querer conversar comigo e verá sim que você não sabe nada e seu coroa aqui lhe contará todas as táticas, as metodologias, os planos esboçados em anos, anos e anos de prática. Tudo isso para você conquistar aquela que te descarrilou, que destruiu o teu ego, que permitiu que tu se avaliasse.


Você já encontrou alguém assim?


Sua mãe agora está terminando o almoço, e é quase meio-dia. Daqui duas semanas é aniversário dela, ligue, mande carta, mande email.


Obs: Sua irmã me contou que atravessa um momento difícil devido a algum relacionamento, por isso resolvi escrever.


Abraço,

Estênio

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Bonita e saborosa - Postagem temática

Saí para pescar garças e a lua já apontava no céu. Não, não é engano seu, ou modo de ler errado. Pescar garças e não caçá-las a tiro de pólvora. Pescar é mais fácil, a gente as engana, assim como elas enganam os peixes. O propósito, saiba, é o mesmo: comer. Sou apreciador nato e talvez único da carne branca delas, gosto do sabor do rio,e até dos insetos que elas possam devorar. Faz-me bem. Sendo assim, desenvolvi um sistema único para pescá-las. Simples, mas eficiente.

Consiste basicamente em deixar a linha com o anzol boiando na superfície do lago. Ah, no anzol, obviamente um peixe. Um peixe comprado em peixaria, grande, morto. Cheiroso para as garças. Elas não demoram a aparecer, se agrupam, lutam para ver quem pegará a maior parte e então a vencedora se aproxima. Devagar e em menos de segundo dá o bote. Aí que eu de longe só observo e deixo de observar, puxando com toda a força o bichinho.

Uma vez uma se agüentou até não poder mais, tentou voar, voar e conseguiu por um período curto de tempo. A cena era linda, parecia que eu segurava uma pipa lá no céu. A danada se esforçou como pode. Foi quando, finalmente caiu, desistindo de tudo.

Ave magnífica e saborosa, sabe.

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Essa postagem faz parte do projeto BlogSintonizados. Entre lá para entender e participar.

Sugestão para o próximo tema: dinheiro.

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Meu que vem antes

E l e g a n t e m e n t e ela tira a roupa – peça por peça arrancadas devagar. O silêncio toma conta do ambiente e são apenas dez para nove da noite. As pernas torneadas ensaiam passos, enquanto os olhos de Eduardo já dançam. Fernanda só caminha, sentindo uma coceira suave no pé nu ao arrastá-lo pelo carpete. Algo muda quando vai até o rádio e coloca o CD, a música suave, como se cantasse para o amante no meio da noite, deixa o ar cheio de fugacidade. Devagar, ela também começa a cantar, manhosa, sentindo que seu coração pode parar a qualquer momento. Está sim, mais próxima de Eduardo, está sim só de calcinha e sutiã. O ritmo da música aumenta e várias vozes fazem o backvocal, tudo seguindo para o fim. Ela ainda não quer, ele sabe que ainda não é a hora. O cabelo preto curto, e o sorriso grande de Fernanda não escondem nada. O desespero observador de Eduardo e o modo como a segue com os olhos não escondem nada. O amor está nas coisas anteriores.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Lá fora tudo é medo.

“É o começo do fim”, ela me disse.

E sim era verdade.

“Começo do fim do quê”, perguntei sem querer,

já sabendo do que ela falava com muita clareza dos fatos.


Como dois mais dois são 4.

Como sei distinguir uma notícia de uma enrolação.


“Agora, isso, essa divergência nossa”, me respingou e ficou quieta.

Passou a mão morena no meu ombro e tirou o meu cigarro da boca, apagando no cinzeiro em forma de concha na mesinha à frente.


“Então é aqui que a gente sabe que não vai dar certo?”, pergunto

e mantenho

“...para que continuar então, se não vai mais dar certo?”.

“Porque não tenho certeza, sabe, não tenho mesmo certeza se isso é um problema,

se você pode mudar a sua visão sobre isso,

ou se eu posso ceder...embora eu não seja de ceder...”


“Mas isso é se convencer, ninguém pode se convencer quando se fala de amor, não?”,

cutuquei, enquanto ela retocava a maquiagem barata.


“A gente ama e tenta nos convencer sempre”, ela me diz e me beija.


Enquanto as luzes dos carros alucinados iluminam o espelho da janela do apartamento dela.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Acorda, agora.

Sete da manhã

quando me convence a levantar.


Estica o braço e puxa meu corpo

para fora da cama.


Desembala.


Sol invade as frestas da cortina.

As poeiras são pequenas estrelas


[estrelas imundas é verdade]


nesse pequeno céu amanhecido.


Desembala

a calma,

o café servido,

o rádio ligado.


O dia e todas as obrigações

invadirão

o seu corpo novamente.


Então, devagar, desembala.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Indicação dourada


Queria agradecer pela indicação da Pricilla Soares do Palavra Oculta e lhe dizer que fico feliz com as suas belas palavras ao Contagens. A Pricilla é uma dessas pessoa que conheci através do blog lá pelos idos de 2007, já faz muito tempo e que fico lisonjeado de conhecê-la. Ambos fazemos jornalismo e gostamos de escrever. Fico feliz pela indicação dela e gostaria de aproveitar para dizer que mesmo mantendo esse blog há quase três anos e de ter criado a Postagem Temática não me considero um blogueiro. Sou só um cara que realmente gosta de escrever e que encontrou no blog um bom lugar para publicar seus textos.

Indico a minha colega de faculdade e amiga Leila Ghiorzi do Arco-íris em preto e branco, vi o blog dela crescer e se modificar, cada vez para melhor.


Regras do selo:
1 – Colocar a imagem do selo no seu blog;
2 – Indicar o link do blog que te indicou;
3 – Indicar novos blogs;
4 – Comentar a respeito do selo nos blogs indicados.





sábado, 31 de julho de 2010

Não compartilhe tudo, por favor – Teoria número trinta e um

Estava lendo um artigo na Folha Online sobre as mudanças que a Internet e as redes sociais causaram no comportamento das pessoas. Mais do que apenas uma modificação, trata-se de uma verdadeira revolução calcada no compartilhamento extremo de informações, um verdadeiro show de exibicionismo. Atualmente se twitta qualquer coisa que muitas vezes não são necessárias para ninguém, a não ser para a pessoa que twittou. Entretanto milhares de pessoas deixam suas marcas em blogs, facebook, orkut, inlikee, etc.


O problema é que estamos tão acostumados com isso que daqui a pouco não poderemos esquecer mais nada. Sim, é o absurdo fim do esquecimento. Os restos virtuais deixam traços do passado, toda ora voltando e embrulhando o seu estômago.


É preciso dar uma chance ao esquecimento.


Faz parte da vida também esquecer algumas atitudes, acontecimentos, passados. Não dá para viver relembrando tudo, algumas coisas também devem ser esquecidas, então pense bem antes de compartilhar tudo online, antes de se exibir, você provavelmente voltará a ler isso no futuro. E será que você realmente vai querer ler e se lembrar disso?

Crônicas de um repórter novato - parte XIX

Não é fácil começar um grande projeto. E falo por experiência própria, pois estou tocando juntamente com mais oito pessoas o Nonada – Jornalismo Travessia (www.nonada.com.br) que tem data de estreia para o mês de setembro, no dia nove. É um site na área do Jornalismo cultural, onde queremos fazer matérias com mais profundidade, reportagens culturais na internet mesmo.


Há várias etapas: contratação de uma webdesigner, e a partir daí reuniões semanais com o grupo para discutir o layout, o logo. Ainda se tem que escrever o projeto de trabalho, discutir as primeiras pautas, angariar funções para cada editor. Então arranjar fotógrafos para as pautas, pensar na produção do podcast e do videocast. Sim, porque queremos utilizar todas as opções que a Internet oferece. Então faremos vídeos editoriais de apresentação.


Daí é mais uma confusão de juntar as nove pessoas, que também tem estágio e outras ocupações, para se gravar o futuro vídeo editorial. Lembrando que ninguém ganhará nada para trabalhar no site. É um pessoal interessado em mostrar serviço e fazer as coisas com qualidade – quem sabe, depois, as coisas não se ajeitam?


Apesar de ser uma correria é muito legar ver a sua ideia tomando forma e sendo também modificada pelas pessoas que entram no processo. As ideias ganham vida e correm se forem boas, é claro que com muito trabalho e planejamento dos participantes. Estamos nos esforçando para trazer as melhores matérias para o público. E dia nove de setembro estaremos aí.


Obs: em breve precisaremos de colaboradores, se alguém se interessar, por favor, entrar em contato (nonada@nonada.com.br).


quinta-feira, 29 de julho de 2010

Obstáculo 31

As reticências. A enrolação. É a sensação de que você tem que fazer o negócio, mas não termina, não vai em frente e fica atrasando, atrasando, até chegar a um ponto em que não dá mais, não conseguirá fazer aquilo e acaba desistindo. Estou quase nesse estágio agora.

Mas não, não sou tão fraco.

Acabarei fechando aquela matéria, decupando as entrevistas e tentando fazer o melhor possível - mesmo que isso me cause um cansaço e um sono que eu não mereço. Ou mereço porque fico procrastinando?

Não sei, mas algo me diz que tenho um mérito na arte de enrolar os afazeres, passar uma desculpa e depois me ferrar com os atalhos do tempo. Mas eu sempre dou um jeito.

Sempre, não é?

terça-feira, 27 de julho de 2010

“Todos meus amigos têm sido campeões em tudo”

E você não tem nenhum dinheiro a mais na carteira no fim da noite. Tem o dinheiro exato, contado; extrato da conta negativa, sem o pai para bancar todos os seus problemas. E você que não acumula nem uma grande viagem para o estrangeiro, não sabe como é a vida em outro país – enquanto todos os outros, os seus amigos já passaram algum tempo na Europa vendo coisas que você, provavelmente, nunca verá. E eles comentam sobre o rio Danúbio à noite e depois descansam sobre os seus problemas superficiais, usando termos como “balada”, “noite”, e dizem fazer muito mais do que realmente fazem. E também falam de assuntos importantes, de política, de bens culturais como se dominassem toda a linguagem necessária para isso. Entram rapidamente em consenso, fazem gestos positivos com a cabeça selando acordo para esconder a mediocridade.“Nunca conheci quem tivesse levado porrada”. E você mal consegue dormir a noite se preocupando com o futuro. E você que escorrega por dúvidas e trabalha por quase nada. E você que esculpi ideias adornando frutos que provavelmente não brotarão. E você que só pelos livros conhece o fog londrino. “Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?


Aspas do senhor Fernando Pessoa.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Do que elas não querem saber - Postagem Temática

- Já tá pronta?

- Calma, calma, amor

- Estamos quase atrasados, você sabe..como a minha mãe é com horários..

- Relaxa...você sabe que ela me adora...

- É...

- Olha só, já estou indo para o quarto, deixa só eu dar os últimos retoques.

- Ok, ok...estava lendo o jornal agora há pouco..sabia que o preço do petróleo aumentou novamente?

- Ah é...?

- Bom para os negócios...

- Amor, estou indo para aí!

- Acho que vamos ter mais lucros...

- Tãnan! O que acha?

- Ahn..

- O que foi? Eu fiquei gorda com esse vestido?

- Não, claro que não..esse vermelho escarlate não te deixou maior não..

- Como assim "te deixou maior"? Você acha que eu engordei? É isso?!

- Não, amor, de maneira alguma...talvez a cor..

- O que tem a cor?

- Talvez ela te deixe mais chamativa, talvez ela passe a sensação de expansão..

- Sensação de expansão? Seu idiota, você acha que eu engordei sim...chega, não vou mais na festa da sua mãe.

- Para Débora, para com isso, claro que não acho. Você está magrinha, linda, como nos casamos. Se lembra?

- Seu mentiroso, só está falando para me agradar.

- É verdade, está linda, toda gatona ainda nesse vestido vermelhão. Muitas gurias teriam inveja desse corpo!

- É?

- Sim, é claro. Agora vamos, estamos atrasados! E você sabe como é a minha mãe com atrasos..

- Então não estou gorda, né?

- Não, amor, claro que não.

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Essa postagem faz parte do projeto Blogsintonizados. Entre lá e participe você também!

terça-feira, 20 de julho de 2010

Quebrou todos os protocolos

A cara de cansada me encarando às 23h45min.

Roubou o copo da minha mão

e foi diretamente para o

meio da pista

onde contorceu as coxas

os quadris e todo o corpo

em velocidade altamente impressionante.


Pum-pa-patim-pum-pa


Encheu com gelo e vodka e

renegou companhia a noite inteira.

Fez acordo pré-nupcial

com a pista e quebrou

todos os protocolos,

todas as táticas

de aproximação.


As inúmeras metodologias

desenvolvidas ao longo de anos.


Pum-pa-patim-pumpa-pumpa


Tudo que restou

foi a sinceridade brega do fim-da-noite

de quem vai embora desacompanhado.


domingo, 18 de julho de 2010

Brincando nas nuvens - Com ilustração


Embala as nuvens,
modelando com cuidado.

Em forma,
formará animais,
coelhos, vacas, bodes.

Mão suave
para não desmanchar
esse sonho.

Sonho que apenas
brincou de começar.


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A ilustração desse mês é uma foto tirada por mim, a modelo é minha irmã mais nova, Juliana Gloria.


quarta-feira, 14 de julho de 2010

Meu arranha céu

Cobriu os pés com as meias avermelhadas, procurando calor. Esparramou os dedos por aquele tecido coberto de linhas e emaranhado de lã fabricada manualmente por alguma senhora antiga, com uma máquina velhinha. Começou a pensar em sua vó e deixou o queixo cair até a mão. Morreu tão sozinha aos 82 anos de idade, toda enrugada a danada. “Braba, toda braba. Tinha raiva de gente”, lembrou. E começou a esticar a perna e o pé já todo coberto pela nova meia que ganhara e começou a virar a cabeça para trás, aos poucos. Acabou caindo, caindo com as costas para o chão, o carpete todo marrom escuro amornando a sala. Esticou o pé para cima e reparou nas meias felpudas, quase vivas. Em movimentos aleatórios tapava com o pé esquerdo a lâmpada amarela e depois destapava, iluminando e assombrando o pequeno rosto.

terça-feira, 13 de julho de 2010

Uma metamorfose ambulante


Capa do Disco London Calling do The Clash

“É apenas rock’n’roll, mas eu gosto” é o que diz a letra da música It’s only rock’n’roll but I like It, famoso hino do rock escrito em 1974 pelos Rolling Stones, banda liderada por Mick Jagger. Assim como todo gênero que se presta, o rock aprendeu a falar sobre si mesmo com muita qualidade desde que surgiu, lá no final da década de 1940. Foi a canção Rock around the clock, de Bill Haley em 1955 que se tornou a primeira desse novo estilo a chegar ao topo de parada de vendas e execuções da revista Billboard nos Estados Unidos, abrindo caminho mundialmente para uma nova onda da cultura popular.

Bill Halley era o terror dos pais de uma geração que aprendeu a dançar com a música do artista: “Ponha seus trapos alegres e aproveite comigo/Nós vamos dançar rock, nós vamos dançar rock até o final da noite”. Mas tudo bem, esses mesmos pais acabariam se rendendo mais tarde, ao notarem que não adiantaria lutar contra o novo estilo de música, ou até de vida. Quatro meninos vindos de Liverpool, uma cidade portuária e cinzenta na Inglaterra, confirmariam essa tese em 1964. Quando I wanna hold your hand do conjunto britânico começou a tocar nas rádios americanas, a transgressão de “querer segurar na mão, e de sentir aquela coisa especial” como diz a letra, já estava praticamente consolidada.

E como toda boa transgressão, o rock está sempre se modificando, afinal ele precisa ser “aquela metamorfose ambulante do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo”, como explica um dos ícones brasileiros do gênero, Raul Seixas. No final dos anos 1960, devido à guerra do Vietnã e a um conservadorismo ainda em voga, o rock se torna a válvula de escape dos jovens que encontram no gênero uma forma de contestação. Novos subgêneros surgiriam introduzindo mais originalidade em suas composições além de conceitos musicais cada vez mais complexos. Bob Dylan é um dos artistas mais expressivos e influentes do período, antes de tudo um contestador, como fica claro na sua canção Like a rolling stone: “Como se sente?/ Por estar por sua conta?/ Sem direção alguma para casa?/ Como uma completa estranha?/Como uma pedra a rolar?”. Uma década tão celebrada só poderia acabar em um festival de proporções até então nunca vistas, onde a era hippie e a contracultura tiveram seu ápice: Woodstock com shows históricos em 1969.

Depois do caos sessentista, lá estava novamente o tal do rock se reinventando, agora o que começava a surgir eram o hard rock e o punk. As bandas se tornavam cada vez mais antagônicas, o que pode ser percebido na diferença entre Queen e Sex Pistols, ambas inglesas, mas de estilos totalmente distintos. Enquanto os Pistols trucidavam problemas sociais em suas letras e em seus poucos acordes de guitarra, o Queen em suas composições e arranjos bem trabalhados preferia cantar sobre temas normais como o amor e a própria música. Nessa época surgiu também o famoso show Live Aid, mais precisamente no dia 13 de julho de 1985, que reuniu grandes artistas a fim de angariar fundos para os famintos da Etiópia. Desde então, 13 de julho é também conhecido como o Dia Internacional do Rock.

Justamente por ser um gênero que se transforma, capaz de se adaptar ao comportamento de uma época, o rock é tão celebrado e tão cultivado até os dias de hoje. Onde o mundo da música se vê contaminado com o fenômeno da internet, e a facilidade que é se tornar conhecido. É o começo do rock cada vez mais independente e o fim das grandes gravadoras. Não há mais ídolos na música, e talvez o último gênio do rock tenha sido Kurt Cobain, que representou o grunge da década de 1990 em contraponto ao glitter das bandas de hard rock dos anos 1980, como o Bon Jovi. Assim como a vida, o rock nasceu para ser aquela metamorfose, sempre modificando padrões, associando comportamentos, nunca fugindo da sua natureza completamente transgressora. O bom rock vive e deve ser celebrado não apenas em uma data comemorativa como a de hoje, mas todo dia. Afinal, é preciso sempre lembrar das sábias palavras dos pintados do Kiss: “Eu quero rock and roll a noite toda e festa todos os dias!”

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Texto publicado originalmente hoje na capa do Panorama, caderno de cultura do Jornal do Comercio, em homenagem ao dia do rock - que, na verdade, deve ser celebrado todos os dias, não?


domingo, 11 de julho de 2010

Songs Of Joy Instead Of Burn, Baby, Burn

Um clipe ótimo do Wings, antiga banda do Paul McCartney. Procurem, o conjunto têm várias músicas excelentes.


Pipe of peace

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Pouco a pouco

Pegou na sua mão lá pelas 23 horas, as lojas de roupa já estavam fechadas e os dois passeavam quase que completamente sozinhos, esquecidos por entre livrarias trancadas e vitrines escuras cheias de manequins . Ela deixou os dedos de Márcio deslizarem suavemente pelos seus até os segurar, os prendendo. Era tarde da noite para um shopping e os funcionários da limpeza já chegavam, vestindo a camiseta azul clara padrão, e trajando a calça preta, eles varriam o chão com toda a calma do mundo para depois atravessarem um pano molhado com algum desinfetante. Helena e Márcio andavam a sós pelo segundo piso, enquanto as luzes do centro comercial, também calmamente iam se apagando. Agora que finalmente eles haviam dado as mãos, uma voz no alto falante começou a aparecer. “O Shopping está fechando dentro de quinze minutos, por favor pedimos para que os clientes se dirijam as portas de saída”. Márcio olhou para o alto falante como quem amaldiçoasse a sorte e virou para Helena, “acho que teremos que ir embora”, disse. Ela sorriu e virou o seu corpo ao encontro do dele. “Você me leva embora daqui?”, com a voz manhosa, quase triste, mas quase feliz. A blusa branca, a calça jeans justa e os olhos morenos. “Claro, Helena, claro que eu te levo daqui”, respondeu apertando a mão da moça enquanto os funcionários continuavam a lavar os pisos e as luzes dos andares se apagavam pouco a pouco.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Carta 06

Demorei um tempo, eu confesso, para esquecer aquele amor. Nem sei se é o termo correto esquecer, acredito que está mais para algo como abandonar. Você sabe, uma hora é preciso abandonar.


E, em uma relação, há sempre o que abandona por último, que afunda com o barco. Há verdade na frase linda do Caio Fernanda Abreu, quando ele fala sobre remar, “Não para de remar não, porque te ver remando, me dá vontade de não querer parar de remar também...”. Embora você tenha parado de remar há muito tempo, eu não percebi. Talvez eu não olhasse para o lado o suficiente.


Agora, eu sei.


Agora a gente sabe o quão necessário é olhar para o outro lado. E embora eu tenha sim abandonado esse amor, eu não naufraguei, eu pulei daquele barco, daquele jeito. Era a melhor opção no momento e, analisando agora, continua sendo.


Amor sem divisão é castigo. Amar sozinho é invenção.


Ao pular do barco a gente percebe o quão rasa a água é, diferentemente do que pensamos enquanto estamos lá em cima. Eu pulei e não me molhei nada, eu pulei e só os meus pés ficaram ensopados.


E, assim, a gente sempre está pronto para caminhar novamente.

quarta-feira, 30 de junho de 2010

Teoria número trinta: sobre metodologias e improvisações treinadas

Preciso criar uma metodologia para cada tarefa que me surgir. Só assim eu conseguirei preencher todos os meus prazos, entregar todos os trabalhos, organizar a minha vida. Necessito de metodologias para as ações do dia-a-dia também, apertar as mãos de alguém, sorrir (porque alguém disse que sorrir é a linguagem universal), escovar os dentes, afagar algum cachorro.


Quero inventar um sistema em que irei bem em todas as provas, em que todas as coisas planejadas vão dar certo. Nesse sistema totalmente empírico ninguém se confunde: as escolhas estão sempre certas, todo mundo vence os seus medos, e os problemas, certamente, são superados no final. Até surgirem novos problemas, mais difíceis obviamente, mas também superáveis.


A necessidade de criar metodologias também criará a necessidade paradoxal de se criar um método para agrupar diferentes espécies de metodologias. Mais precisamente em campos de aplicação. Exemplo: campo carinho, entra a metodologia de abraçar, beijar, fazer sexo, escrever para a pessoa amada. Campo ódio entraria coisas como: briga na rua, assassinatos, inveja, traição.


A necessidade de se criar metodologias para tudo acabaria se auto-destruindo depois de um tempo, porque nem tudo é agrupável e nem tudo pode ser sistematizado. As ações no dia a dia são assim. A vida é um improviso treinado durante a maior parte. Sistematizamos inconscientemente.

Crônicas de um repórter novato - parte XVIII

Se faz jornalismo para se mergulhar de cabeça na vida dos outros, não? Mergulhar de forma verdadeira, não mergulhar pelos lados, mas por dentro. Captar o que não é dito é uma das coisas mais essenciais em uma reportagem, em um texto, na vida. Dentro dos gêneros jornalísticos o que mais me interessou sempre foi o Perfil.


Porque é lá que você reconhece o outro, e mais, aprende com o outro e capta o que de mais importante essa pessoa pode passar para o futuro público que lerá o texto. É uma pena que muita gente – e muita gente boa – confunda o modo de se fazer um perfil. Em muitos casos, o jornalista perde o foco, achando que esse texto trata-se de uma biografia, quando na realidade deve-se explorar apenas um lado, do perfilado.


Por isso o nome perfil entende-se que a pessoa está de lado, somente um lado dos vários que ela possui. Essa delimitação ocorreu até por uma questão de espaço também, não era possível disponibilizar muitas páginas do jornal para um perfil, imagine então para uma biografia!, só em livros mesmo. No Brasil temos o Ruy Castro, um excelente exemplo de biográfo.


Ambos gêneros são interessantes, dá para comparar o perfil com o conto e a biografia com o romance, guardadas as suas limitações, obviamente. Não vou aqui tentar mostrar como se faz um perfil, até porque não tenho capacidade disso, mas gostaria de levantar essa questão sobre o quanto um bom perfil traz prestígio para uma publicação.


Deixo vocês com um link especial, de um dos melhores profissionais da área no país, o Sergio Vilas-Boas.

Em volta do pescoço



Se eu soubesse pelo menos o seu nome, eu daria um jeito de sair daqui. Já faz alguns meses que eu conheci o mais belo pescoço em que meu corpo já se enrolou. Era sinuoso, fixo e imóvel. Duro e retilíneo como todas as coisas belas deveriam ser, e nossa como ventava. Eu ficava lá, pulando feliz, chacoalhando de um lado para o outro. Diferente de agora, em que não pego nem uma brisinha, que não sou nem mais utilizado. Aposto que aquele pescoço deve estar sentido falta de mim, como eu sinto dele agora.


Era em outro país também, outra situação. O meu dono viajava pela França, quando ele quis tirar uma foto dela, da minha musa. Me apaixonei quando ele me enrolou no pescoço dela e ficamos só nós para a moldura. Nossa, como eu queria parar o tempo, como eu queria ficar.


Será que ela se lembra de mim depois de tanto tempo?


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A ilustração linda desse mês é da Mariana Sirena.

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Cinzas de mais de uma meia hora - Postagem Temática

"... - O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado.

- Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?

- Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino."

Pneumotórax de Manuel Bandeira

São os corredores do hospital que fodem com os pensamentos, especialmente à noite, quando ficam praticamente vazios. Não há barulho, nada. Há sim muitas paredes brancas opressoras no caminho para a sala de Raio X. Lá uma senhora não tão senhora comenta sobre como é trabalhar praticamente sozinha em um domingo quase de madrugada. Toda de branco ela me dá ordens de poses forçadas para as fotos dos meus ossos. “Não sei porque vocês têm medo de hospital. As pessoas morrem nessa sala aqui atrás e eu não tenho medo”, diz apontando para mais uma maldita parede branca. Atrás provavelmente se encontra o necrotério do hospital. Ela diz isso com um pouco de riso nos cantos do lábio. Mas ela tem 25 anos naquele espaço e como qualquer pessoa sã se acomodou com a morte. Tento rir do que ela diz para deixar o ambiente mais favorável, mas não consigo abrir a boca o suficiente. E ela não diz mais nada. Não rio também porque a tosse atrapalha a cada minuto, batendo no peito, chutando a minha boca, expelindo ar forçado para fora. Não era só o ar, era também um catarro – ainda branco, mas viçoso – que ficava acumulado na boca, esperando para ser jogado fora. A sessão de fotos acaba e ela me pede para esperar. Esperar meia hora com outros doentes, na sala de aguardo. Uma televisão estava acomodada para divertir os enfermos, nela algum programa de auditório sorteava presentes em um jogo de respostas. Eu incomodava todas as pessoas ao meu redor com as minhas tosses, ofuscando a voz do apresentador. Uma senhora em uma cadeira de rodas me olhava do pé a cabeça, dei algumas olhadelas de canto para ela também. O que se pode fazer. O que se pode fazer contra uma pessoa em uma cadeira de rodas? Não há argumento.


Era meia noite e meia quando o maldito médico começou a chamar os pacientes. Mais de duas meias horas já haviam passado e nada dos meus exames. Ao meu lado uma simpática garota não tirava os olhos de um livro, mal consegui ver o nome, mas era um livro de poemas. O único livro de poemas que eu havia lido era de um tal de Manuel, Manuel alguma coisa, dado por alguma antiga namorada. Mais meia hora e nada, mais meia hora e é uma e meia da manhã.


Meia hora, cadeira de rodas, guria lendo o livro. Sono. E não há ninguém na sala. Ninguém na sala? Ouço uma voz.


“Manuel Bandeira!”


Olho para a sala ao redor só para confirmar que não há mais ninguém. Esse não é o meu nome. Esse é o nome do Manuel, aquele Manuel do meu livro. A porta do consultório está aberta, na televisão agora passa algum culto para evangélicos fervorosos que exorcizavam pequenas almas em busca de paz interior. Vou atrás da porta, porque de qualquer forma não havia mais ninguém por ali e muitas meias horas já haviam passado.


“Olá”, o médico me recepciona manda eu me sentar. Ele tem aqueles estetoscópio pendurado no pescoço. Parece velho e de saco cheio, usa um bigode branco sem barba nas bochechas, só o bigode branco. “


“Então senhor Manuel Bandeira, faça o favor de tirar a camiseta e sentar”, ele diz.


“Meu nome não é Manuel Bandeira”, respondo.


“Tem certeza? É o que está na ficha”, diz.


“Claro que tenho certeza é o meu nome, deixa eu ver isso..” A ficha carregava uma foto dos meus esqueletos e o nome Manuel Bandeira, uma assinatura.


“Diga trinta e três”, ele ordena.


“Para quê?"eu respondo, indignado. O relógio na parede branca em cima confessava o horário: 3 e 30 da manhã.


“Diga trinta e três”, mais uma vez.


Trinta e três . . . trinta e três . . . trinta e três . .”


“Respire agora, fundo depois solte”.


Fuuuuuuuuuuuuuuuuuummmmmmmmmm


“O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado.



“Como assim? Não pode ser. Só tenho tosse”



“O senhor tem meia hora de vida”.


“Meia hora de vida? O que posso fazer em meia hora de vida?”


A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.”


“Essa não pode ser a única coisa a fazer”, respondo para ele.


“Não, você também pode parar de tossir”


“Posso o quê?”


“Para de tossir!”


A cadeirante está do meu lado me empurrando com força e gritando para eu parar de tossir, e a sala está cheia novamente. Ela reclama que não consegue ouvir o apresentado metido a inteligente e bonito, fazendo perguntas para a plateia na televisão. As pessoas me olham graças a um ataque de tosse, de sono. E então eu volto aquelas paredes brancas cheias de pessoas e com muitas meias horas faltando.


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Sugestão de tema: filme que lhe marcou