segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Teoria número vinte: sobre a loucura, realidade e várias perguntas

Se criamos uma imagem de cada pessoa que conhecemos, então quem é verdadeiramente real? No sentido da essência, a pessoa pode chegar a conhecer realmente a outra nessa mesma vida? A loucura então não poderia ser um modo de escapatória, no qual o indivíduo devido a uma falha no cérebro ou a alguma doença perde o sentido, acordando para uma verdadeira, ou melhor dizendo, uma outra “opção” de realidade. Não sei, são devaneios que atravessam a minha cabeça, sempre que eu vejo uma pessoa gritando no meio da rua, alterada, em “outro” lugar.

Um louco não pode estar certo?

O problema é a imagem realizada, a imagem feita, a compreensão do próximo apenas pelos próprios olhos. Por que não conseguimos sair de nossa restringida visão? Somos tão fechados em nossos malditos sentimentos, em nossos pronomes próprios, consequentemente preferimos sempre acreditar no que vemos. O ser humano é o mais medroso dos animais que habitam a terra. De alguma forma a imagem realizada nunca sumirá, nunca seremos aptos a ver o real por trás. E se não vemos, e se ninguém nunca viu, será que o real realmente existe?

domingo, 30 de agosto de 2009

Crônicas de um repórter novato - parte VIII

Eu sou um dinossauro. E o cometa já está chegando para me tornar um fóssil. É, já tava na hora de deixar combustível para as próximas gerações! Pode ser exagerada, mas a analogia é boa. Sinto-me um dinossauro na faculdade atualmente. Olho para os bixos (calouros que acabaram de entrar na faculdade) e fico imaginando o que eu pensava quando estava na situação deles, quando tudo é novidade. E a gente se empolgava por pequenas coisas.


A faculdade é uma coisa cruel, pois vivemos tudo intensamente. A começar pela sua divisão de tempo. É como se fosse dois anos em um só, cada semestre é na verdade, ao meu ver, 365 dias. Novas cadeiras, novos professores, e os mesmos colegas, aprendendo as mesmas coisas que você. E por ser poucos meses de aula em um semestre, a produção e a preocupação com as cadeiras se intensificam, fazendo com que o tempo se comprima e que as nossas cabeças experimentem a faculdade por mais tempo. Ela está sempre ali: presente, com os trabalhos, as provas, os professores idiotas ou os bons. Mesmo que você goste ou não.


Sempre tive uma relação de amor e ódio com Fabico. Sempre tive dúvidas sobre se estava fazendo a escolha certa. Mas eu nunca quis ser aquela pessoa que sabia exatamente o que queria fazer da vida eternamente. Não. Isso me entediaria muito. Eu sei o que eu vou fazer sempre: escrever. Mas ser jornalista? Eu realmente não sei até quando. Atualmente, tenho voltado a gostar da faculdade, talvez pela proximidade do seu término e a chance de fazer uma monografia boa, em que possa explorar o assunto que me interessa.


A minha certeza é o sentimento de “não pertencimento”, sabe? Quando você olha para uma pessoa e vê que ela já não é mais sua amiga, como antes. Ou quando percebe que aquela atividade que você gostava tanto, já não lhe é mais assim tão interessante. Eu entro na faculdade e não me sinto mais tão “pertencido” por ela. Mas acho que é normal, acho que é por aí. Afinal de contas, eu já sou um dinossauro mesmo.

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Para depois

se eu pudesse, se eu tivesse que dar um conselho para alguém que fosse iniciar sua vida, se eu pudesse soprar no ouvido de uma criança de colo algumas palavras que ela seguiria ouvindo para sempre, de um modo inconsciente, eu diria que a única coisa que ela deve aprender em toda a sua trajetória nesse planeta grande e pequeno é esperar. ela vai esperar muito. vai esperar até poder sentir os pés pequenos caminharem sozinhos pelo carpete seguro de casa, depois pela areia calma da praia. vai esperar crescer para ver que as coisas não são tão fáceis quanto na tv. vai esperar em intermináveis filas, horas de chá de cadeiras, horas atrás de contratos para um novo estágio. às vezes vai esperar sem saber que está esperando, vai esperar até realmente conhecer uma pessoa. vai esperar depois até que o sentimento passe, e que surja outra pessoa. vai esperar até aquela aula acabar para poder almoçar com os amigos no restaurante mais próximo e mais barato, vai esperar a pessoa certa, o momento certo para dizer uma frase, vai esperar pelo amigo, vai esperar fazer dezoito anos. depois vai esperar que o sentimento não passe, ou que fique mais forte. vai esperar o jogo de futebol, vai esperar que o seu cachorro não morra devido a doença do estômago. vai esperar. o espírito da pessoa é mais composto pelo tempo que ela espera corretamente do que o tempo que ela age insuficientemente. se eu pudesse dar um conselho para quem está começando a vida agora, eu diria no ouvido bem baixo, porque é meu segredo: “a espera, só a espera correta, faz a gente ver que viver a vida é melhor do que sonhar”.

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Tudo outra vez?

Gostaria de acreditar que o cantor e compositor Belchior está fazendo exatamente o que diz na sua música, intitulada Tudo outra vez:

"Há tempo, muito tempo
Que eu estou
Longe de casa
E nessas ilhas
Cheias de distância
O meu blusão de couro
Se estragou
Oh! Oh! Oh!...

(...)

Minha rede branca
Meu cachorro ligeiro
Sertão, olha o Concorde
Que vem vindo do estrangeiro
O fim do termo "saudade"
Como o charme brasileiro
De alguém sozinho a cismar...

(...)

E vou viver as coisas novas
Que também são boas
O amor, humor das praças
Cheias de pessoas
Agora eu quero tudo
Tudo outra vez... "

Mas me parece um pouco exagerado a reportagem do Fantástico, e agora a cobertura do portal G1 sobre o assunto. Há algo estranho nisso, o site diz que muitos leitores o viram, principalmente em Colônia do Sacramento. Por que não o deixam em paz?

Não sei onde Belchior está, mas que de vez em quando dá uma vontade danada de desaparecer por um tempo, dá. Acredito que seja natural, às vezes enjoamos da rotina e precisamos dar uma volta. Talvez o cantor esteja fazendo exatamente isso agora, vendo a praça cheia de pessoas, vivendo coisas novas que também são boas, tendo tudo outra vez.

Ele já é um artista consagrado, não precisa ter grandes projetos, não precisa voltar com tudo com um novo hit. Ele pode se dar ao prazer de simplesmente sumir por um tempo, viajar e descansar. No fundo, quem não quer fazer isso?

domingo, 23 de agosto de 2009

O seu

Sorriso. Aquela boca calcada na sensibilidade que agora eu conheço tão bem. Agora que fomos apresentados, agora que somos íntimos. O conjunto é o que me interessa, o modo como tudo se organiza magistralmente bem: os dentes fechados, naturais; os lábios rosados, suave; a deliciosa pinta marrom presa à pele, um pouco acima do lábio superior ao lado direito. Em uma próxima vida eu gostaria de ser essa pinta. Eu mataria por essa pinta. Olha a curva que o sorriso faz para a direita, levando todo o rosto junto. Sabe, eu nunca vi isso em nenhum outro lugar. As maçãs do rosto, até as maçãs do rosto ficam coradas devido a esse sorriso. É fantástico. Mais fantástico é como tudo isso mexe com o meu corpo. Não sei o que falar, o que dizer. É como se roubasse todos os meus assuntos, invadisse cada pensamento trivial e substituísse por algo mil vezes mais interessante. Deixando meus olhos doidos, doidos por ti.

sábado, 22 de agosto de 2009

Dos arredores para casa

Parque Tanguá localizado em Curitiba. E como pode se ver pela placa, a melhor coisa a se fazer é caminhar. Talvez a única coisa que eles permitam fazer. Mas sério, se eu tivesse que aconselhar alguém a visitar algum parque lá seria esse. E como o dia estava bonito, só aproveitei ainda mais a passagem. Nâo vou escrever muito nesse post, deixarei as fotos falarem por si. Vou me limitar a dizer que após esse passeio no parque, voltei para o hotel, almocei e peguei o avião para Porto Alegre .







Ah, só para descontrair, uma placa inusitada de outro parque em que visitei mais rapidamente:


segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Agora de madrugada - postagem temática

"Médico: A senhora vê, os olhos dela estão abertos.
Fidalga: Sim, mas o pensamento está ausente".
Macbeth, Ato V, Cena 1

Mais da metade da madrugada já havia ido embora, quando notei que Cinara evacuara-se de nossa cama. O rádio despertador na estante ao lado mostrava em cor vermelha o horário: três e meia da manhã. Acordei devido a um mau sonho, que tornou a cabeça tão confusa, a ponto de deixar-me altivo bruscamente, como um pássaro que foge assustado após um estopim qualquer. Busquei conforto na visão de repouso de minha esposa, mas o que encontrei foi o abandono cruel dos lençóis, que nada mais preenchiam. A porta do quarto posicionava-se milimetricamente encostada, como se um pequeno vão fosse deixado propositalmente. Dele, um feixe de luz atravessava-se soberano, denunciando um possível rastro de Cinara.

Os olhos minguados mal haviam se acostumado ao escuro que a madrugada ocupava com tanto vigor. Foram necessários esforço e tempo para levantar da cama, vestir o chinelo preto velho e mover-se ao encontro da porta. No caminho, não pude deixar de notar – mesmo com o sono, mesmo com o aperto suave das pálpebras invadindo meus olhos – pequenos pingos vermelhos formando um caminho. Vermelho cor escarlate, possivelmente ainda quente, encostado no chão, morto, com todas as suas diferentes substâncias e composições químicas. Os pequenos glóbulos no chão apontavam que a sua fonte estaria no banheiro. Não precisei de meio segundo para deduzir o que estava acontecendo.

Corri ao banheiro, mas estranhamente a porta estava chaveada. Joguei berros através da madeira seca, recém pintada de verniz, para ocultar sua velhice, mas não obtive resposta em nada. Nem grunhidos eu ouvia, reclamações, gritos de dor. Nada. A madrugada preenchia o vazio entre nós, e os minutos rondavam os meus pensamentos.

Apenas sete semanas que descobrimos da gravidez. Inesperada, mas não mal vista, casamento de cinco anos, situação regular de ambas as partes. Eu estava feliz, eu estava morno. Talvez um filho pudesse mudar a nossa situação. Tudo isso me atravessava, enquanto eu batia cada vez mais forte na porta que dividia a minha futura felicidade, ou melhor, a nossa futura esperança de felicidade.

Foi então que um estrondo contido, na parte interna da porta, respondeu aos meus suplícios. Esbocei uma reação homérica, quase teatral, para derrubar a porta, mas a falta de força, impediu-me de prosseguir. Lá estava eu, preso do lado de fora da minha felicidade, observando tudo sangrar aos poucos. Provavelmente do outro lado, Cinara havia finalmente cedido a hemorragia, desmoronando, batendo a cabeça e destruindo a nossa chance de melhorar como casal.

De repente, a porta do banheiro, assim como a cortina de um teatro finalmente se abriu, e Cinara, como a personagem principal de uma peça saiu sem me olhar, sem me dar a mínima satisfação, e caminhou de volta ao quarto. Observei à distância os seus passos certeiros e confiantes. Percebi também um corte recente, aberto, pouco profundo na sua mão esquerda.

Acompanhei-a de volta à cama. A tapei novamente com os lençóis, que agora voltavam a cumprir a sua mais primordial função. No rádio relógio meia hora já havia se passado. O bebê ainda continuava no seu lugar, e conseqüentemente a possível felicidade ainda estava garantida. Então deitei na cama, averigüei uma última vez o rosto de Cinara, virei para o lado e dormi.

sugestão: mudanças

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Ao som de Beast of burden eu vou ter que te dizer isso,

eu já queria falar há um tempo e o impulso veio aqui debaixo desse nosso telhado inventado por nós nesse momento, debaixo das pessoas que estão nos vendo do outro lado da rua. Debaixo desse céu azul claro de primavera feliz das árvores nas ruas, eu vou ter que falar todas aquelas coisas que eu sempre quis te dizer. Ou melhor são poucas coisas, que dizem muito, sabe. Poucas coisas que dizem muito. Na realidade é como uma ótima cena dentro de um filme não tão bom. Ou um capítulo pequeno, mas ótimo dentro de um livro chato e pretensioso. Sabe. Bom, o que eu estou querendo dizer... olha como essa música do Rolling Stones é ótima, não acha? Se eu fosse o Mick Jagger, se eu fosse ele, eu falaria o que eu e quero lhe falar em forma de música, eu cantaria, dançaria, mas eu não sou o Mick Jagger, tudo que eu tenho é esse céu sobre nós, o cd do Rolling Stones tocando e seus olhos impacientes aqui perto de mim. Não me olha assim, senão eu fico mais nervoso, eu ainda chego lá. Claro que chego, eu demorei até te conquistar, eu sou um cara demorado, gosto de adiar o prazer. Haha. Você me conhece, não é. Quanto tempo já? Alguns meses, pois é, você deve achar que eu não sei as datas importantes, mas eu sei todas as datas importantes do nosso relacionamento. Eu sei, de cor e data. Eu anotei. No Word , ta na pasta com o teu nome. Nosso nome. E lá estão as datas. Você não adora essa parte da música, é uma melodia incrível. Suave e forte. Como as palavras que eu quero te dizer. Sabe. Não sabe? Já saberá. Logo, logo. Não sou o tipo de cara que fala essas coisas com facilidade. Não sou aquele tipo que usa perfume só para agradar as mulheres. Não sou. Você me conhece. Sim desde aquela manhã, que o Antunes nos apresentou sem querer, eu estava correndo, era domingo de manhã, Deus, eu nunca corro domingo de manhã, eu não sei porque eu fui correr domingo de manhã, mas eu estava lá. Você também. Naquela sua roupa de domingo de manhã, que agora eu conheço tão bem. Tão bem. Rosa fraco, quase desmaiado. Você sabe, você me faz feliz mesmo quando eu não acordo com você domingo de manhã. Acho que é por aí, você me faz ser eu mesmo em todos os momentos que eu estou contigo, sabe. E não é só porque ta tocando essa música, não é só porque parece o momento perfeito para te falar isso, mas porque parece certo. Só isso. Parece certo. Não sou um desses caras que fala as coisas facilmente, eu não vou sempre te agradar, mas eu sou sincero. Só isso. Sua voz sempre soou bem para mim. Olha só, a música já acabou, será que eu consegui dizer....porque desses olhos marejados? Deus.... O Mick Jagger não tem uma excelente voz?

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Do nosso tempo

‒Eu tô meio perturbada com o que tu me disse de manhã

‒O que eu te disse de manhã?

‒Que tudo vai mudar com o tempo

‒Não me lembro de ter falado...

‒Mas eu lembro, olha pra mim enquanto eu converso contigo

‒Que porra...lá vai tu fazendo tempestade em copo dá água novamente

‒Que porra? To tentando falar contigo, por que você me diz essas coisas? Parece que eu nem sei mais quem tu é

‒Como assim? Eu sou a mesma pessoa de sempre, com o mesmo trabalho, as mesmas preocupações, nada mudou com o tempo.

‒Talvez seja esse o nosso problema...

‒Mas...mas...tu acabou de dizer que não tinha gostado que eu disse que tudo muda com o tempo ..

‒Então tu falou isso mesmo! Viu como tu mente para mim? Quem é a vagabunda? Quem é a piranha que vai mudar tudo?!

‒Puta que pariu, o que que nós estamos fazendo?

domingo, 9 de agosto de 2009

Há quarenta anos em uma rua na Inglaterra


Ontem às 10h34min da manhã há quarenta anos, os Beatles atravessavam uma faixa de segurança na rua que se tornaria mundialmente famosa, a Abbey Road. O fotógrafo Iain Macmillan subiu em uma escada e tirou apenas seis fotos. A sessão durou cerca de quinze minutos, “eles deram a MacMilan pouco tempo, enquanto um policial segurava o trânsito, a banda caminhou pra frente e para trás várias vezes e nada mais do que isso”, conta um amigo do fotógrafo que estava presente no momento.

Brian Southall, autor de um livro que conta a história do estúdio EMI, diz que a ideia surgiu a partir de um desenho de Paul McCartney, baixista da banda, “há um desenho que Paul fez de quatro homenzinhos estranhos atravessando uma faixa de pedestres, com base nisso a foto foi realizada”.


Um detalhe curioso é que essa capa é possivelmente a que mais evidencia a construção do mito “Paul está morto!”, que surgiu em 1966 depois de um possível acidente de moto do baixista do quarteto. O fato de que McCartney aparecia sem sapatos (mortos são enterrados assim), segurando o cigarro na mão direita (ele era canhoto) e com o passo trocado em relação aos outros componentes só serviu para aumentar ainda mais a construção do mito. Ainda há o fusca no canto esquerdo, que possui a placa 28IF, um lembrete de que Paul teria 28 anos se estivesse vivo.

É interessante notar que não observamos mais mitos musicais dessa magnitude de anos para cá. Ninguém mais brinca com as capas de discos, ou melhor, daqui alguns anos, elas serão apenas artefatos de pesquisadores musicais e de colecionadores. Antigamente era todo o pacote que importava. Cada vez mais somos empurrados para as migalhas de tudo. Uma mp3 aqui, outra ali. Só isso. A ideia de conceito que teve seu ápice na década de sessenta e setenta na música foi se esvaziando com o tempo.

O significado escondido por trás da capa traz uma ideia de simbolismo, que é o cerne de qualquer composição artística de qualidade. É justamente essa preocupação na a dualidade estética e histórica de Abbey Road, que dá uma maior valorização a banda. A conclusão mais óbvia da foto é a de que Lennon, de branco, representa a religião (ou o próprio Deus, uma vez que os Beatles eram mais famosos que Jesus Cristo), Ringo, a igreja ou o padre, Paul o cadáver e George o coveiro.

Contudo capas como a de Abbey Road continuam a ser idolatradas por muitos artistas, que a parodiam de várias formas:

A banda Red Hot Chili Peppers, se rendeu ao charme da capa, ficando nus ao atrevassar uma rua:



Já os Simpsons também deram o ar da graça:

Assim como os brasileiros, cada um do seu jeito:

A verdade é que mitos são necessários para a humanidade, porque eles servem para consolidar um pensamento. E também para mexer com a imaginação das pessoas. A sociedade é feita de milhares de tipos diferentes de mitos, muitos deles impostos no cotidiano. A foto de Abbey Road está aí para nos lembrar disso.

Ah, não observem só a capa, escutem o disco também, vale muito a pena.
Favoritas: Golden Slumbers seguida de Carry the weight, Something, Come together e a genial You never give me your money.

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Meu tipo de erro favorito

E lá vamos nós novamente. Joga a chave da casa para fora. Enche a mala. Pega as suas roupas favoritas. E corta. Lá vamos nós novamente. Faz essa cara de braba, não me perdoa por mais nada. Guarda as mágoas da noite passada. Lá vamos nós novamente. Agora junta todos os sapatos, todos os pertences, pega as jóias que eu te dei e atira no bolso. Da calça jeans surrada. Do tempo que você usava, quando só era minha namorada. Isso. Não faz birra, fazendo birra. Lá vamos nós novamente. Quer me irritar com seus erros redondos? Os seus olhos redondos nos meus (também redondos). Também em círculos por aí. Por que nós somos tão viciados nisso? Lá vamos nós novamente. Pega a montanha de cds, pega as meias, as calcinhas e as outras roupas espalhadas pelo quarto. A porta está logo ali. Pega essa boca, esse corpo, essa perna e coloca para fora daqui. Nem tenho mais pressa, mas medo. De qualquer jeito, lá vamos nós novamente.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

A gente é e não é - Postagem Temática

Você não fuja da minha história, desejo que saiba a causa deu ter feito isso. Não, não levante da cadeira, trate de se sentar, não quero esse medo escancarado no rosto do homem da cidade. O que vão pensar de mim lá no seu jornal? Mas chega de trela-trela. O que se sucede é que o que houve não era algo planejado; e nem foi pensado em última hora. Simplesmente aconteceu, tal qual o cavalo aprende a estancar de pé, a galopear e depois sai andando pelo campo afora. Até encontrar uma portera fechada, daí, só daí, ele se acalma.. A gente é e não é.

Veja bem, sei que o moço não está acostumado a essas nossas cidades pequenas, mas saiba: elas também não me iludem em mais nada. Há algo de podre em ares interioranos. Existe muito assunto escondido por baixo de uma família. Mas sempre há uma mulher tentando organizar as coisas, há de concordar. Sempre. E, desculpe perguntar, mas há alguma mulher na sua vida agora? Claro, o sorriso escondido prova que sim. Deve ser importante; mas digo, as importâncias podem variar muito. Uma hora é sim e outra é não. Tudo muda, sabe. A gente é e não é - e nunca sabe; mas veja quando isso desatinou de ocorrer eu ainda não entendia bem os sentimentos. Era jovem por demasiado, e quando a gente é jovem fica cego por qualquer mínima coisa. Por saia curta, por risada feliz, por estado que não existe. Demorei anos para entender que a cabeça é que comanda a existência. Pensamento controla pensamento – algo muito complicado, só o tempo trata de ensinar.

Mas não quero perder a linha narrativa, veja bem; só direi o nome dela uma vez, faz anos que não menciono, e prefiro falar assim de prontidão: Claúdia. Com a tônica no u mesmo. E pronto. Essa é a mulher da história. Agora, há muito tempo, nós tínhamos aqui na comunidade um pequeno festival que se realizava perto do final da primavera, da data eu não me recordo com exatidão. Pelo final de setembro, talvez o último sábado do mês. Nele consistia a comemoração da entrada da chuva. E até hoje não sei a razão certa do porquê, mas era tradição as mulheres usarem máscaras que elas mesmas tratavam de fazer.

Era muito bonito de se ver quando todas chegavam juntas à noite, cada uma mais diferente que outra, cada uma tentando brilhar mais forte, sabe. Aposto que não se vê uma coisa dessas na cidade grande. Veja, Cla...ela costumava participar todo bendito ano. Era a sua época mais feliz dos 12 meses, alguma coisa irradiava daquela mulher que não se via em qualquer outro momento. E, deus, ela trabalhava duro naquela máscara, queria sempre ser a que mais prendesse atenção, a que brilhasse no meio daquelas todas mulheres.

É a mesma ideia do cavalo, quando começa a correr: espera ser observado, olhado, vigiado, conquistado... Aquela sua felicidade ano após ano parecia só aumentar....de quem ela queria chamar a atenção? Havia algum vizinho nosso em que ela pousava os olhos com mais apreço?

Viste?

Era assim que meus olhos pensavam. Era assim que meu pensamento cavalgava. Mas, mas veja...se eu pudesse voltar atrás...Besteira. Ninguém pode voltar atrás, não é? E provavelmente, eu não faria nada de diferente. Seria o mesmo, com o mesmo pensamento do tempo.

Mas a quem ela queria chamar a atenção?

Nas últimas semanas que antecederam o dia do festival, era só nisso que ela falava, comprava tintas de várias cores diferentes, precisava ver, tecidos, purpurinas, e todas aquelas coisas que mulheres sabem bem o que é. Estava mais empolgado do que qualquer outro ano. Alguma coisa em mim odiava aquilo nela. Eu pagava tudo. Ela dizia obrigado e, mal e parcamente, falava comigo. Descia as escadas e se trancava sempre no porão e ficava lá por horas trabalhando em sua confecção. Não sei quantas máscaras ela deve ter feito. Eu já não mais sabia o que fazer.

Na minha cabeça era eu quem ela devia servir, você me compreende? Eram os meus motivos, as minhas razões, era em mim que ela deveria pensar enquanto fizesse a maldita máscara, você vê. A gente é e não é. A juventude humana...eu nunca vi animal mais imbecil. É por isso que comecei a gostar mais de cavalos. Eles simplesmente correm por impulso, não por egoísmo.

Perguntei para nossos empregados, se haviam visto alguma movimentação estranha. Se quando eu ia trabalhar, ela inventava de sair, ou alguém ia visitá-la escondida. Eles relutaram em responder na hora, eram três ou quatro bons serventes, mas gente sem nenhuma ou pouca educação. Insisti mais vezes, berrando com eles, quando o mais novo resolveu falar.

Era um moreno baixinho, me lembro ainda do seu rosto, a expressão de medo quando me disse que achava estranho o alfaiate da cidade vir tantas vezes na semana que passou, sempre trazendo um daqueles homens de madeira e deixando no porão. Ao passo que minha esposa não saia do local nem para recebê-lo, nem para adiá-lo. Instantaneamente procurei o tal do alfaiate, cheguei com o pé em sua porta e com o pé o derrubei também. É verdade. Agora você não dê nada por mim, mas na minha mocidade...não tinha um que me encarasse de força igual.

Quanto ao alfaiate, é claro que ele negou qualquer envolvimento, mas não escapou de algumas bordeadas. Com o rosto inchado as pessoas falam mais fácil às verdades. Descobri apenas o que eu já sabia, vários bonecos de madeira em formato de homens foram levados para o meu porão. Décio, o alfaiate, não sabia o porquê. Só sabia que ia ser pago e para ele era o suficiente. Homem regulado Décio era: às vezes é bom não saber o que as pessoas escondem.

Quanto a mim, eu sempre quis saber o que as pessoas escondiam. Principalmente se fazia referência a minha mulher. Foi então que resolvi invadir o porão e deparei-me com horrenda cena: ela nua, deitada no chão vestindo apenas uma máscara; vermelha, cobrindo os olhos, cheia de purpurina. Os bonecos em volta, todos vestidos como se estivessem numa festa, como se fossem ao festival. Você faz essa cara? Imagine a minha na hora.

Comecei a gritar coisas sem sentido para ela, ao mesmo tempo em que ela levantava do chão também berrando frases que ficaram anos batendo e voltando entre os meus ouvidos: ‘Agora é assim que eu vou viver! Eu também posso ser livre! Esta vendo essa máscara? É quem eu sou de verdade!’. Agora veja, o que eu poderia fazer? Eu estava descontrolado.

Lembras-se da metáfora do cavalo? Eu simplesmente corria. Todos aqueles bonecos a minha volta. Ela nua a minha frente, histérica. O que me lembro é de ela rolando a escada que levava até o porão e caindo, ficando estática para sempre. Foi essa a minha porteira. E ela continuava com a máscara. A gente é e não é. Mas não, não se afaste de mim assim, agora você sabe, eu também mudei.

Sugestão: Despedida.