sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Começos


Estou começando a escrever um livro. Pouca coisa tenho para falar sobre isso. Só sei que será um livro de contos.

Algumas dessas histórias eu já venho pensando há um bocado de tempo, outras ainda estão se formando. 

Só sei que preciso botar logo elas  no papel (ou acabar de colocá-las) e tentar lançar o meu livro (porque escrever eu já vou).

Já tá na hora. Há muito tempo que venho adiando esse sonho, ou melhor, esse começo de um sonho. Escrever sempre foi o meu maior interessante e sempre veio antes de todos os outros desejos.

Estou com medo, receio e nervosismo. Mas acho que isso é normal para quem está começando a escrever um livro. Não sei quanto tempo vou levar, quanto vai durar, quantas histórias serão, não sei nada.

Provavelmente fique bem ruim, mas já é um começo.

Pretendo escrever sobre esse processo aqui no Contagens, não sei com que frequência conseguirei.

Porém, acho importante existir um diálogo com outros leitores ou escritores.  Caso alguém ainda leia o meu blog.

Ficarei ausente das minhas redes sociais por um tempo, diminuirei as aparições.

Pretendo me esforçar. 

sábado, 13 de outubro de 2012

Meu vô



Agora à noite o meu vô quase morreu. Meu vô tem 82 anos, 83 anos a serem completados no dia nove de dezembro. Eu moro no mesmo terreno que o meu vô, isto é, somos vizinhos há 24 anos. Minha idade. Meu vô parou de trabalhar há muito tempo, aposentou-se cedo devido ao emprego: era tipógrafo numa época em que se moldavam as letras ainda com aquelas máquinas grandes, bem antes dos computadores, e se trabalhava com metal pesado (e perigoso), como o chumbo. Ele exerceu a função um bom tempo no Correio do Povo. Meu vô aposentado com quarenta e poucos anos passou a dedicar a sua vida à casa. Cresci, então, com meus avós por perto, em todas as situações, como um segundo porto seguro.

Estar por perto não é a mesma coisa de intimidade ou proximidade. Meu vô não é uma das pessoas com quem fui mais íntimo na minha vida, na verdade, não o conheço muito bem. Raramente ele me falou do seu passado ou contou histórias e eu, raramente, fui atrás, ou perguntei para saber mais sobre ele. Entretanto, às vezes, você só precisa estar lá para ajudar. E meu vô sempre esteve lá por mim.

É difícil vê-lo assim deitado, sem conseguir andar direito, sem se lembrar das pessoas, de nós. Ou lembrar, e esquecer, confundir, ver coisas que não há. Ouvir músicas do Carlos Gardel e perguntar da onde vem o som, quando só ele está ouvindo. Meu vô piorou consideravelmente nas últimas duas semanas e foi tão abrupto. Numa hora estava dirigindo, andando pela rua, ou na sacada descascando bergamota e comendo. Agora assim, deitado, sem conseguir caminhar, sem conseguir lembrar das coisas, sem falar, meu vô, é quase como um castigo.

E agora à noite meu vô teve uma parada cardíaca. Tudo aconteceu tão rápido, que escrever sobre parece algo tão simplório perto disso tudo. Eu estava lá, ajudando meu vô a se vestir, juntamente com a minha tia e o meu pai. A ambulância do plano de saúde que pagamos estava demorando e acabamos ligando para a SAMU. O que se demonstrou o certo: eles chegaram rapidamente e a tempo de salvar a vida do meu vô.  Pude ver todo o ato, meu vô atirado no chão, a massagem cardíaca impulsionando o coração a bater de novo. O som angustiante da caixa elétrica, dos aparelhos, as seringas, a adrenalina sendo injetada diretamente, e enfim, o pulso.

O coração do vô parou por cerca de 4 minutos. E voltou.

Então, eu ajudei a colocá-lo na ambulância, eu e o meu pai e os paramédicos. Eu, ao contrário dos outros, não chorei muito, vô. Mas não é porque eu não me importo, eu me importo, eu me importo demais. Só que meu choro besta é mais interno e meu corpo dói agora. Mas eu estava lá e quero estar lá por você, vô.




sexta-feira, 21 de setembro de 2012

I - X


I

Uma farsa
pode ir tão longe
a ponto de não ser descoberta
em um período, digamos, considerável?

II

Eu gosto de fingir que estou interessado no que você fala, apesar de só querer saber de notificações.

III

Nós todos vamos morrer de repente sem conseguir entender porra nenhuma?

IV

Se for realmente verdade, eu vou te dizer que te amo, mais uma vez. Mas só vou dizer se você tiver absoluta certeza do que me falou.

V

Até posso ficar mais um tempo, mas eu gostaria era de ir embora. Tá chovendo e tá frio pra caralho.  

VI

Meu irmão me dizia que crescer é fechar portas.  

VII

Tô com tanta preguiça que até desisti de ir dormir porque dá muito trabalho.

VII

Vai embora que tá tarde demais para nós dois.

IX

Até pensei em ligar para ela, mas aquela ali, aquela ali é maluca. Mas, mas...

X

Eu prefiro uma boa e caprichada mentira
do que qualquer
verdade sem graça.

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Minha, solta

Te amo
de quatro,
na parede
encostada, de leve.

Minha,
te amo entre
as entranhas
encardidas da noite.

Por dentro
te amo
indo e vindo,
indo e vindo
no chão do quarto.

Em cima do tapete,
sob o armário.

Em frente ao espelho
só para ver.

Solta,

há  tempo te amo
no chuveiro.

Dormindo, em sonhos poluídos,
com a fumaça
do cigarro.


Te amo como os restos
no cinzeiro amam:
abandonado.

sexta-feira, 8 de junho de 2012

Carta 12


Pode soar meio old fashion, mas eu me vejo casando com você, e você entrando de vestido branco (ou não) em alguma cerimônia, olhos úmidos. Vejo-me fazendo forças para falar juramentos, que, na verdade, foram escritos ao longo de anos. Eu vejo isso acontecendo, sério, eu que por muito tempo relutei, que não acreditava mais no conceito de família – talvez por minha família – eu vejo nisso uma chance de tentar. Tentar fazer algo que eu não pude ter direito, novas tradições. Retratos na sala, noite de filme de terror, brigas marcadas em períodos, desistir para compartilhar melhor. Estou pronto. Sim, eu que já errei tanto, faço isso porque tento ser uma pessoa boa o suficiente para você. Um clichê ambulante, entre os vários clichês ambulantes. Casar. Clichê tão estúpido quanto o de viajar para se encontrar; para esquecer, excluir. Verdadeiros, por que não. Verdadeiros, por que sim. A gente vai se juntar só depois que o mundo diminuir - e assim ficar. Eu vejo, não sei se você vê, mas eu vejo. 

sexta-feira, 1 de junho de 2012

poema 63#

os galos cantam lá fora
quase quatro da manhã

nem é 
hora de acordar

de dentro
a gente prepara o sono,

a gente prepara o fingimento. 

de noite quando se esquece de dormir
o que se faz para sonhar
para delirar

é o mesmo que se faz para viver. 


terça-feira, 15 de maio de 2012

Meu eu jornalista


Algo estranho: 

Eu ia começar a escrever um post meio furioso, deprimido devido a dificuldade de conseguir uma vaga como jornalista em Porto Alegre. Devido a fazer entrevistas, devido a minha condição de “recém-formado”, de fazer seleções e de não obter retorno. Devido ao fato de enviar currículos e, muitas vezes, não receber respostas. 

Eu ia escrever que estou questionando a minha qualidade, que devo ser um péssimo jornalista, de que, provavelmente, há muitas muitas muitas pessoas melhores do que eu por aqui em todos os sentidos.

 Estava pronto para escrever que me sinto mal, e me sinto meio mal é verdade, e que é patético e triste como eu me importo tanto com a minha condição de jornalista.

Como, por quê, onde, o quê, quem, quando eu comecei a dar tanta importância para o eu jornalista?

Mas, sei la, eu cheguei em casa e abri a internet e o facebook e os emails e vi a receptividade do pessoal que começou a compartilhar a ideia de arranjar mais colaboradores para o Nonada e vários emails de gente querendo colaborar e eu fiquei um pouco feliz. Não sei, eu fiquei feliz. É bom sentir que se acertou – nem que seja ao menos uma vez.





domingo, 6 de maio de 2012

Descoberta


No condomínio,

lá pelas cinco e meia da madrugada,

se ouve

devagar



o primeiro abrir dos chuveiros

no apartamento ao lado



no outro,

pouco mais acima

uma criança chora,

e acorda

quem ainda não quer



(É quase a hora

de dar os primeiros passos, e

levantar pra vida.).



À esquerda, no JK atrás da parede

a moça tem pesadelo,

e grita para todo mundo e ninguém ouvir.



Em breve, mais chuveiros e mais chuveiros

serão violentamente ligados.



E, abruptamente, os corpos levantarão.



Atordoados, ainda sem entender

o que acontece,

onde estão,

aonde vão.


segunda-feira, 23 de abril de 2012

Me liga


- Você não percebeu que eu tava desconfortável?

- Quê?

- Nem passou pela sua cabeça, né...

- Como assim?

- Eu já te falei que não gosto de ti falando com essa guria

- Com a Martinha? Mas nós somos amigos há séculos!

- É a Martinha pra lá, a Martinha pra cá...

- Mas ela precisa da minha ajuda pra algumas coisas, ela não consegue fazer nada sozinha

- Nada sozinha ou nada sem ti???

- Como assim?

- Ela não tem outros amigos para ligar não? Nunca vi isso, acho que vou começar a ligar sempre para os meus amigos também, quando precisar de uma ajuda....

- Ah, não começa tá, não começa a viajar...

- O problema da Martinha é que ela não sabe que tu tem namorada, ou se não sabe, pelo menos não respeita...

- Ah, ok, ok...claro..aquela vez que vocês se conheceram te apresentei como a minha amiga né? Só faltava essa. Ela anda muito sozinha e deprimida a coitada. Precisa de uma mão amiga.

- Ai, ai, aham, sei que ela só quer uma mão amiga....

- Para tá, Elisa, pode parar...

- Vou dar uma saída, ok?

- Vai aonde?

- Sair, não sei.

- Volta, fica aqui.

- Não, me deixa. Depois eu volto, acho.

- Me liga depois, tá?

- Daí você vai me dar uma mão amiga também?

quinta-feira, 5 de abril de 2012

Absentia


Pena que amanhã
é recém quinta-feira;
Eu só a verei domingo.

Já anseio o sono tranqüilo,
pausas da madrugada
invadindo o cansaço.

Não é fácil

se esparramar sem ter outro lado.

Se atirando assim,
jogando o corpo leve
em mim.

Bate e volta

Devagar porque horas são dias -
semanas a fio -

Quanto tempo se leva.

Quanto tempo se leva para
subverter uma ausência. 

terça-feira, 3 de abril de 2012

Cruzou por mim, veio ter comigo, numa rua da Cidade Baixa


Cruzou por mim, veio ter comigo, numa rua da Cidade Baixa
Achei que o conhecia, ou que, pelo menos, já o havia visto
Barba mal feita, os trajes horripilantes;
Como quem deita ao relento e se descobre – infelizmente – sóbrio;
Pensei em virar a cara, fingir que falava ao celular
Inóspito, antipático, ácido, amargo.


Mas afavelmente ele me dobrou e como se quisesse vender
(Vender algo, afinal todos deles querem vender algo) ou pedir
(Pedir algo, afinal todos eles querem pedir algo), apenas perguntou.
Como eu estava, aonde eu ia, o que eu fazia.


Tenho medos eternos de simplicidades, de perguntas genéricas.


Não saberia responder nenhuma delas, tudo se apagara repentinamente,
As razões começaram a dissipar
Devagar, via me abarcando em uma genérica paranóia.
Em um gesto de defesa, ataquei meus bolsos atrás de moedas
Como que para espantá-lo
Como que para sanar as minhas dúvidas
Onde eu estava? O que eu estava fazendo
Ao meio dia e meia daquele bairro?
Por que Deus eu devia fazer o que eu devia fazer?


Por fim, encontrei alguns trocados
Mais do que rapidamente os evacuei do bolso
Sem emitir nenhuma sílaba atirei ao senhor
Que as catou ajoelhado, sem nenhuma vergonha,
Esboçou sorriso de uma esquálida gentileza,
De uma estratégica alegria.
E foi embora.


Recompus-me em meros segundos, mais aliviado
Relembrei das tarefas, do trabalho árduo, mas necessário
A maleta na mão, o sapato, as roupas, tudo confortava novamente. 



*poema homenagem/ releitura lamentável

terça-feira, 13 de março de 2012

Crônicas de um repórter novato – parte XXII



Faz tempo que eu não escrevo nesse espaço. Inúmeras vezes inúmeros tópicos saudavelmente surgiram convidando-me a escrever, convidando-me a refletir sobre a minha perturbada, mas adorável, relação com o jornalismo. O problema é que outras inúmeras coisas aconteceram nesse tempo, tanto que eu nem sei por onde começar.

Acho que dá para ser pelo fim de um ciclo: me formei como jornalista, diplomado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, na Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação no dia 12 de fevereiro de 2012. É verdade que não me sentia mais parte da Fabico há um tempo, entretanto ela se tornou, para mim, uma espécie de espírito, uma mistura de lembranças de colegas, de professores, de aprendizados, de conversas. Não dá para resumir esse tempo em um post de blog, mas há cenas memoráveis que gostaria de narrar qualquer dia desses...

Continuo tocando o site Nonada – Jornalismo Travessia, no ar desde setembro de 2010. Muita coisa mudou nessa parte da minha trajetória, muitos colegas que ajudaram a fundá-lo saíram ou abandonaram a ideia; outros ficaram. Contudo estamos mantendo a chama ainda altiva – mesmo com todas as dificuldades conhecidas do jornalismo autônomo. Há muita colaboração, muita gente que apoia a ideia e que nos faz seguir em frente. Nossa resposta nas redes sociais e nos acessos é boa. A procura de agora deve ser a de descobrir um meio de tornar o site rentável ou, pelo menos, que se “pague” sozinho. É um caminho complicado, mas vamos ter que tomá-lo.

Meu último ano como estudante (2011) não foi bom em termos de estágio. Todos foram no setor de assessoria, do qual não estava acostumado e do qual comprovei não ter muito afeto. Fiz o trabalho, mas não a gosto. Depois de refletir sobre isso, acabei entendendo que para se ser um assessor bom, você deve vestir a camiseta da sua empresa realmente, e eu não me sentia à vontade fazendo isso em nenhuma delas. É a velha questão de estar apaixonado pelo que se faz, só que na assessoria (diferente da redação de um jornal ou site em que você pode se apaixonar por pautas e pela reportagem/ apuração – não necessariamente a empresa em que trabalha) você realmente tem que fazer parte do sentimento empresarial.

Talvez por isso eu tenha ficado tão empolgado com o meu TCC, a ponto de largar o estágio que não estava gostando, para me dedicar só a ele. No projeto, consegui unir duas paixões: os videogames e a cultura. Pesquisei a como os videogames eram tratados dentro da editoria de Arts do New York Times. Apesar da correria, acho que o trabalho ficou interessante (sou suspeito de falar, mas...) e fui aprovado com a nota A. Aliás, o último momento como estudante de graduação daquela universidade...meus amigos presenciando a minha parca apresentação, e me acompanhando durante os quase dez minutos de espera do lado de fora da porta, enquanto a banca e a minha orientadora decidiam a nota, essas coisas a gente leva para sempre. Depois, a gente volta para o início do texto, a correria da formatura, o planejamento da recepção que fiz juntamente a três colegas que entraram no curso comigo. 

O que acontece agora?

Bem, encontro-me em uma situação esquisita: pela primeira vez estou sem um trabalho fixo e sem aula. E é muito estranha essa sensação de não ter um lugar para ir, de não poder entrar em uma faculdade, em um lugar e dizer que está fazendo algo, ou se sentindo parte de algo. Confesso que estou sim meio deprimido, talvez mais melancólico, porque ainda estou digerindo todo esse processo. O fato de ainda não ter um trabalho me deixa também meio ansioso e com medo do que virá daqui para frente.

Sinto que esse post todo foi uma desculpa para explicar a minha ausência, nunca gostei de escrever assim...mas está feito. .

quinta-feira, 1 de março de 2012

Escultor


Beijou a boca dele, percebendo que nem era tão diferente de todas as outras bocas que tinha beijado, o que não eram poucas, mas também não eram tantas assim. Aos poucos, foi escorregando sob o seu corpo, para se agrupar melhor àquele abraço que recém descobria. E ele parecia retribuir, apertando cada vez mais o seu corpo ao dela, pressionando suas mãos levemente às suas costas, massageando a pele, e, pouco a pouco, invadindo a blusa. Com um pouco de força tentou imprimir um beijo mais forte ao pescoço, o que ela aparentemente rejeitou, mas não a ponto de negar totalmente, pois respondeu com um sorriso atrevido, como quem diz não para uma criança, como quem diz que é “algo feio e errado e não pode fazer isso, mas...”. E é claro que ele adivinhou tudo isso no momento que ela mostrou os dentes, no momento que esboçou o sorriso meio amarelado, talvez pelo fumo, talvez pela genética. Não importava. Havia de conseguir um modo de invadir aquele corpo. Em um ato atrevido, jogou-a ao sofá segurando os seus dois pulsos rentes ao estofado, de modo que ela ficasse deitada com o rosto para cima. Assim ele poderia ver melhor aquela expressão que tanto gostava, aquela expressão que todas faziam quando ele começava a ficar mais violento. Todo o ato, toda a encenação da conquista, todo o enorme trabalho que tinha para construir uma sensação de possível amor que poderia sentir por ela, tudo aquilo só para poder observar a face horrorizada, confusa, perdida. E ela começava a surgir exatamente ali. Gostava de se imaginar como um artista, uma espécie de escultor. Quando largou os pulsos dela, depois de olhar um bom tempo para seu perturbado rosto, e que agora possuía uma boca que começava a gritar demais, resolveu que já era hora de desferir o soco para acalmá-la. O que só a fez chorar copiosamente enquanto tentava fugir, se arrastando pelo carpete da sala. A sombra grande do homem que há pouco a beijava suavemente, uma boca que parecia com tantas outras, surgia a sua frente. E ela já sabia, de algum modo.   

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

A noite


Há partes
que, em vão,
teimam ir embora
 e só se perdem no caminho.

Pairam ao redor do sono,
compridando as memórias,
alongando a histeria.

Para todo mundo dormir
é preciso fortes medidas restritivas:
Esganá-las pelo pescoço,
amarrar e trancafiar no escuro.

Deixar
até amanhacer.

Até os olhos espetacularmente abrirem.

E a luz libertar tudo que não pode ir embora.


quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Na próxima vez


Por que você não tira os sapatos? Encosta perto da porta, isso, devagar, não se sente melhor assim? Com os pés pisando no carpete. Em mim dá cócegas. Eu gosto.

É verdade, eu já me sinto um pouco melhor. A sua casa é bonita.

Me mudei há pouco tempo para falar a verdade. Foi um bocado de dinheiro, mas para que serve o dinheiro se não para ser gasto, né?

Acho que sim, se eu tivesse muito dinheiro eu nem sei se teria casa, acho que eu ficaria viajando por aí, sem rumo, vivendo em hotéis.

Parece divertido.

Pois é, imagina viver assim sem nenhum ponto de chegada, sem nada, sem se prender.

Será? Uma hora todo mundo tem que parar.

Ah, imagina viver por aí andando de carro, de avião, quebrando alguns quartos de hotel.

Você é engraçada. Mas me diz, como está o seu pé, não machucou muito então, pelo jeito.

Não, não, tá tudo certo...

Posso pegar uns esparadrapos aqui, eu tenho certeza que deixei em algum lugar do banheiro...

Não, não precisa mesmo, tá tudo certo. Eu que sou uma desastrada. Minha mãe dizia que ninguém em casa quebrava tanta coisa como eu, acho que nasci para quebrar coisas.

Eu também sou meio desastrado, por que você acha que eu tenho carpete em casa?

Você é engraçado.

Obrigado, quer uma bebida?

Não sei, não sei...

O que houve?

Talvez seja melhor eu ir embora.

Mas ainda é cedo, não quer ficar mais um pouco. Deixo você quebrar o meu quarto. O que acha?

É uma boa ideia, mas eu não sei. Acho que vou deixar para a próxima.

Ah, tudo bem, eu entendo. Então teremos uma próxima vez?

Eu gostaria.

Eu também.