segunda-feira, 27 de junho de 2011

Carta 11

Caro, Zé

Um dia desses você me perguntou quando se sabe o momento que acaba o amor. Eu não soube o que responder na hora, esboçei alguma tentativa falha e acabei nos clichês, como “é quando você deixa de se importar com a pessoa”, ou coisas assim. Mas nós somos amigos há um tempo, e você já me conhece, sou daquele tipo que precisa pensar antes de falar, ou até necessito escrever, para organizar as ideias – ainda mais para uma pergunta tão difícil como essa. Então, nada melhor do que escrever essa carta.

A minha resposta a sua pergunta, entretanto, é: não sei. O que posso te falar é que amar alguém não é uma decisão, não é uma escolha sua. Você não pode fazer uma lista de pessoas com quem você pode se relacionar e simplesmente escolher uma. Bom, não é assim que funciona – mas isso você já sabe. Então, talvez a pergunta certa para você no momento seja: como é que foi que nasceu esse amor?

É sempre a partir do passado que se pode olhar para o futuro, não é? E é justamente a partir disso que a gente se dá conta dos momentos juntos, e se realmente vale a pena lutar por eles. Não confunda o amor com um jogo, ou que se tenha certas regras para cada pessoa. Não dá para inventar labirintos na sua cabeça, não dá para se levar pela imaginação quando se trata de pessoas. Quando falo lutar, falo de abrir espaços, de ceder, de procurar entender o outro.

E isso é difícil pra caramba.

Logo, não há um momento certo em que acaba o amor – ou que se sabe que acaba o amor. Há rastros, há pistas, há fatos, que levam a crer nisso. Há o tempo, há toda uma história que vocês montaram e que pode – ou não – acabar lentamente com vocês dois e só depende de vocês dois permitir isso ou não. Não sou nenhuma droga de especialista, mas, você sabe, pelo que eu já passei e acho que também posso falar um pouco a respeito. Não com tanta propriedade, porque, bem, quando se trata de amor ninguém pode falar com tanta propriedade assim.

Mas, você sabe, às vezes as pessoas combinam e às vezes não.

Um abraço,

Lucas F.

quarta-feira, 15 de junho de 2011

À Natureza Danosa

Hera que tanto gostava de flores não estava ali no momento. Dormia encostada no sofá da sala. Serena. Enquanto isso Renoá balançava a cabeça, a pazinha, a enxada, na famosa posição de quatro, tentando de alguma forma fazer buraco no jardim, arrancar as ervas daninhas no gramado do casal que se mudara há pouco tempo para a cidadezinha. Infestavam o novo pátio, novo tudo, trabalho novo, nova vida que o pessoal da empresa havia prometido. Só esqueceram de falar da quantidade de plantas e de pragas que o esperavam. E Hera gostava de flores, tanto que convenceu seu marido a trazer várias mudas da antiga casa. E a plantá-las. Enquanto ela ficava só dormindo na sala.

Hera tinha também hábitos estranhos, como o de tomar banho de sol pelo menos três horas durante o dia. Apesar disso, permanecia branca como uma folha de papel em que não há nada escrito. Depois tiraria o seu cochilo, pois tomar sol a deixava, de certa forma, cansada. Já acostumado, Renoá não reclamava mais, até desfrutava pois, assim, podia tirar esse tempo livre sem a esposa para fazer as suas coisas, manter seu pequeno hobby de colecionar insetos, empacotando-os em pequenos saquinhos. Já tinha uma coleção. Seria uma herança, bolava plano para que os filhos pudessem estudar biologia, catalogando os insetos. Era assim que ele pensava.

Não era bem assim que ela pensava, mas tudo bem.

Renoá em sua epopéia no jardim conseguiu segurar com sua ardilosa mão uma grande raiz de uma maldita erva daninha. Estranhou de início, porque ela era realmente enorme, e pesada. Mas, mesmo assim, começou a puxar, puxar, puxar tão forte que sua mulher acordou e começou a ser arrastada por alguma força incrível na sala.

E quanto mais ele puxava, mais ela era arrastada. Mais ele puxava, puxava, até conseguir arrancar. Saiu do transe, ouvindo os gritos de desespero da mulher – e sem entender absolutamente nada – entrou correndo dentro a casa para ver o que estava acontecendo. Hera ainda estava atirada ao chão ofegante com os membros deslocados, a pele rasgada como se rasga uma folha, a pele também seca como uma folha que cai no outono sem vida. Já sem vida.