segunda-feira, 30 de junho de 2008

Teoria número seis: sobre escondimentos e o ato de se apaixonar.

Está confirmado, as pessoas se escondem por trás das palavras, por trás das atitudes. Criamos barreiras para nos defender dos outros. E de seus medos, de suas idéias, de seus segredos. São pequenos – ou enormes – muros de proteção que se enrolam em volta dos nossos corpos, como se realmente nos deixassem isolados, sozinhos com os pensamentos. Logo, escondemos o amor em planos diferentes também, abrimo-nos devagar, apaixonamo-nos com calma, carinho, exatidão eu diria. Amor às vezes é mais linha reta do que difusa; acontece que essa linha ultrapassa várias camadas (mas sempre segue a mesma trajetória). São as mesmas camadas que usamos para nos esconder. A paixão vem em onda, em tipos diferentes de frequencias e oscilações. Quanto mais você ultrapassa as camadas, quanto mais descobre as pessoas, maior tendência você tem a se apaixonar. John Lennon estava certo quando dizia que você tem que esconder o seu amor: encontra-se aí toda a graça da vida, esta aí o motivo principal de existir.

Obstáculo 6

Vimos nas mãos, nem precisou de cigana – essas videntes chatas que andam no centro, e que pensam ter intimidade para segurar o braço de todo mundo. Droga. As linhas cruzavam diferente, nada combinava. Nem formar a letra “eme” a minha sabia desenhar, parecia totalmente desajustada, atrapalhando a união. Caminhos diferentes, sabe? Tentamos não ligar, num primeiro plano, continuamos saindo, mas no fundo já estava tudo decidido, como se fossemos apenas joguetes numa porra de tabuleiro construído por alguém maior (talvez todos nós sejamos crianças brincando num grande parque de diversão, cheio de altos e baixos). Alguém decidiu dar o nome de destino, mas eu chamo de trama, spot, roteiro da vida. O mundo é assim, cheio de reviravoltas, as pessoas vão embora, quando talvez pudessem se gostar, quando talvez pudessem construir novos spots. Mas a culpa é das minhas mãos, porra das mãos.

sexta-feira, 27 de junho de 2008

a vida precisa de céus cinzas, assim como nós precisamos de um tempo às vezes.

Eu esqueci o que ia escrever, assim mesmo, e parando para pensar, não consigo (mesmo, mesmo) lembrar o que estava me remoendo internamente. Seria só uma impressão frágil? Será que se esquece tudo de uma hora para outra, será que o pensamento se perde no corpo, dissolve-se e vira parte de átomos, sangue ou neurônios – se comunicando durante o tempo de vida? Esqueci e ponto. Ficou branco nos meus dedos, nas minhas vontades, esqueci e era assim, não sei o que falar ou mentir, não, não, eu não quero mais mentir. Chega, apenas esqueci o que diria (acho que na verdade só enrolaria vocês mais uma vez, pois sou uma bosta de enrolador - e apenas isso), o que nós fazemos, quando não lembramos das coisas? Das datas, de um dia especial, de uma sensação? Aí é que percebemos que não somos quase nada. Sério. Podemos esquecer uma vida inteira de uma hora para outra. Do que adianta vivê- la, então?
"boy, you gonna carry the weight for long time"

terça-feira, 24 de junho de 2008

Diálogo

(...)

- Tenho tido azar. Estou numa situação delicada. Fui casado muito tempo. Achei que viveria melhor sozinho e foi ótimo. É excitante, mas solitário também. Eu deveria ter ido atrás de você, assim que a conheci, mas não. Acho que o motivo foi que tive medo porque despertou sentimentos verdadeiros em mim. E fiz outra besteira. Mas vou desfazer. O que fará amanhã?

- Isso é você, ou o seu romance?

- Amanhã vou estar bem, juro.

- Não quero causar problemas a ninguém.

- Claro. E você e o David?

- Já disse a ele que preciso de alguém que me domine e não acho que ele consiga. Todo cara que saí comigo acha que vai me fazer ser fiel. Portanto, fique avisado...

- Não me assusto tão facilmente.

- Estou dizendo, não me conhece.

- Conheço, escrevi sobre você. Você foi o obscuro objeto de desejo nos meus livros. Um fracasso. Por culpa minha. Mas conheço bem, até demais.

- Não se engane. Não sou sua personagem.

- Estou dizendo que a inquietude, a inconstância e a imprevisibilidade com que tem magoado os outros, e, amor, você tem magoado, acabaram hoje.

- Como pode estar tão confiante? Ou estará com medo?

- Não sou David. Criei você duas vezes na minha imaginação. Escrevi sobre você antes de saber que existia. Só que eu sabia que ia conhecê-la.

- Hum...Diga o que estou pensando.

-“Queria que ele calasse a boca, e me beijasse”

- Mas chegou atrasado.

- Não cheguei, a hora é essa. Mas por que beija-la aqui, se o seu apartamento fica perto?

- Como sabe disso?

- E eu não ia saber onde você mora?

- Você foi Steffi no meu primeiro livro e Louise no segundo. E agora...você é Nola.

Beijo

(...)

Diálogo extraido do longa “Celebridades” de Woody Allen. É minha parte favorita do filme, acredito que consegue falar sobre uma coisa que todos nós fazemos em algum ponto da vida: a idealização. É claro que o filme exagera, quando o protagonista diz que a criou duas ou três vezes em seus livros. É uma analogia para o que fazemos em nossas mentes, criamos mundos, vontades, pessoas. Brincamos com nossas maiores dores, ou aquelas que podem se tornar as maiores dores. É verdade, sou rei disso, sempre fui, mas ando aprendendo a controlar a imaginação chata. É o velho embate entre racionalidade e emoção, medo e coragem, vontades díspares que brigam sempre, que se machucam sempre.

quinta-feira, 19 de junho de 2008

quietude

Já estava acostumado com o silêncio do pai, não se tratava de uma quietude plana, rasa; era como se várias palavras flutuassem entre seus corpos, anulando-se. Não foi bem um som vocal que cortou a monotomia (não tão monotomia) no carro, lá fora uma moto passava buzinando, driblando o gol azul claro, quase cinza (antes azul marinho tão forte, antes tão certo). O pai vela estourada, chama sempre forte e quase nunca aberto, pressionou o pé direito e cegou o carro. E cegou o filho também, que estava ao seu lado, quieto, gesticulando com as mãos tudo que não conseguia dizer. Cruzaram o asfalto cinza com faixas amarelas, a moto mais rápida, mais sinuante, mais desconfortável. Pai não desistia, perdeu a cabeça, ele pensava, por que ele sempre perdia a cabeça? Fechou os olhos para não ver nada, desistiu, a quietude é assim, tornou a abrir esporadicamente, pode ver o desespero da moto, cruzando o sinal vermelho, mas não viu (pois fechou os olhos na hora, como uma criança idiota e com medo) o caminhão atravessando a carne, atravessando as ferrugens, manchando o asfalto.

domingo, 15 de junho de 2008

Experimentações

Se as pessoas fizessem apenas o que gostassem, como seria o mundo? Barulhento, louco e um ótimo lugar para se morar certamente. Cada indíviduo, singular, cada partícula do seu átomo explodindo a todo o tempo, como fogos de artfício no céu, todas caindo despencando exageradamente aaahhhhhhhhhhhhhhhh, assim, tudo. Livre arbítrio puro, a vida surgindo da forma mais abrupta, escancarada e avoada. Seríamos totalmente livres nas frases, nas palavras, nas relações, mas tudo isso é muito difícil de se fazer. Essa idéia não deve ser tratada como algo anarquista bitolado, não mesmo, tem que ser puro, compartilhado, tem que se fazer música, tem que se fazer literatura para julgar essas idéias, respeitar as sentenças. Seria tudo muito mais intuitivo, sonoro, auditivo, sem padrões, ou porras de paradigmas, tudo explodindo, cheio de música sem vírgula sem pontuações sem medo sem morte com vida com vida com vida com vida com vida com vida com vida com vida com vida com vida com vida com vida com vida com vida com vida

sexta-feira, 13 de junho de 2008

desconexado

-Queria um mundo assim: quieto, meu, a música batendo nas paredes e ecoando profundamente no poço mais lírico e sentimental que minha alma pode encontrar.

-Que coisa rosada, filha, nada é assim não, tira esses pensamentos flutantes da cabeça, e abra a porta. Abra, para a realidade.

-Eu até tentei já, mas é tão chato, quero ver o mundo do meu jeito. Infestado de pronomes possessivos. Cheio de subjetivismo.

-Olha que tempestade vem, e leva teu universo. E fecha teu mundo, e tudo fica buraco negro; sem caminho, ou sem explicação.

-Quero fechar o planeta em minhas mãos.

-Quando deveria abri – lo para os outros.

sábado, 7 de junho de 2008

Paisagem Noturna

Todo mundo têm um duplo. É fato. Quer considerar minhas palavras irreais? É um direito seu, porém, estará se enganando. Não precisamos de espelho, refletimo-nos em nosso outro. Pode ser demorado de encontrar, ou ao contrário, pode estar mais perto do que o imaginado. É uma questão de percepção, de abrir horizontes. Acredito que encontrei meu duplo. Foi em um passeio de ônibus, à noite, quieto, todo mundo dormindo, só eu tentando me manter perto de mim e longe do ronco do colega ao lado. Acordado de madrugada é claro, como sempre. Eu, a música, o livro, e a noite. Quase três horas, quando olhei pela janela, o campo verde, a lua clara deitando sobre a grama, fazendo amor com as plantas, iluminando as malditas árvores, e a agitação do ônibus cortando a estrada cinzenta, que por sua vez me cortava também. Foi a paisagem noturna que me ajudou realmente a me enxergar. Pude me ver com outros olhos (ou com os olhos do outro), mesmo que infimamente. Acredito que meu outro esteja na noite, no cheiro dela, no modo como ela se espalha pelo céu fechando o sol, iluminando de um modo diferente as pessoas, quieta, insolúvel, necessária.

Já descobriram o seu outro?