terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Se perde

Não escapa do desassossego,

da automartirização.


Finge que pensa direito

mas esquece de todos os fatos,


pois preenche tudo com nãos.


pois escurece a visão

a cada contratempo desarrumado


a cada letra desastrada.


Os outros dirão:


“Tinha tudo para dar certo”


Se soubesse olhar não apenas a contramão.


domingo, 23 de janeiro de 2011

Me liberta

Ela parece tão feia nesse vestido novo que ela comprou, tá mais gorda, mais cheia, mais cheia de coisas que eu nunca antes tinha visto nela. Coisas que eu nunca tinha observado na sua pele tal como manchas meio amareladas, outras meio amarronzadas demais, todas pulando nos meus olhos, todas dançando sob o sol forte de janeiro, afinal quando ela decidiu comprar esse maldito vestido para usar para essa droga de festa em que sou obrigado a ir. Droga de festa e maldita seja a sua responsabilidade sobre nós, que maldito seja a droga de comportamento social que nos impõe as mais desvairadas regras possíveis. Não quero saber a hora em que eu devo chegar, com que roupa eu devo ir. Por que eles tem que escolher todas essas coisas? Por que eu não posso fazer o que bem entender? Por que, então Elisa, eu tenho que sair com você assim. Esse não sou eu. Essa não é você para mim. Ainda mais nesse vestido, ainda mais nesse vestido. Ainda mais nesse vestido.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Vai ficar tudo bem

O céu estava estrelado lá fora graças a garoa que havia caído no fim-da-tarde. Várias luzinhas piscando por entre nuvens cada vez mais esparsas. Você sabia que há mais estrelas no céu do que grãos de areia na praia? Lembro-me de ter escutado isso de minha irmã há muito tempo. Eu ri da cara dela, como de escárnio, mas acho que agora eu realmente compreendia. Estava estrelado, e quente para burro dentro daquele táxi. Mesmo com todos os vidros abaixados podia-se sentir o bafo que parecia grudar nas poltronas de couro. Se não fosse o céu me distraindo eu poderia estar muito mais irritado. Helena me dava a mão, enquanto eu olhava para o céu. No rádio estranhamente tocava alguma canção do Lou Reed. Já passava da meia-noite. “Você vai ver, vai ficar tudo bem”, ela dizia. O carro a uns 80 km/h varria sua cara de recém acordada. Ela era toda preocupação.

Não houve tempo de se maquiar, ou de colocar alguma roupa melhor. Talvez a gente conheça realmente uma pessoa quando não se há muito tempo para essas coisas. Se for esse o caso, a cara dela era um tapa na minha de “eu não estou nem aí”. E eu não estou nem aí enquanto olho o céu: simplesmente porque há muito tempo não temos contato e no meio da noite o telefone toca. Não sabia como agir, mas quando vi já estava dentro do táxi, a espreita, olhando o céu. Aquelas estrelas. Tentava me lembrar de algo que pudesse valer a pena, e pensar em algo para dizer quando chegasse ao hospital, mas nada, nada aparecia.

Foi quando do céu, também se desenhou uma espécie de lembrança. Algo a ver com a areia, aquela história da minha irmã. Do nada me lembro da praia, e ela com apenas 12 anos. “Mano, você sabe que há mais estrelas no céu do que grãos de areia na praia?”. Ela pega um punhado, e deixa o vento levar. Eu rio, e falo algo como, “não pode ser, há muita areia no planeta todo”. Ela fica meio irritada, mas sorri. Parecia com medo também. “Isso quer dizer que a gente é muito pequeno , que a gente não é nada. Quase nada, talvez um pouco maior do que um grão de areia”. Eu que nunca soube muito o que falar, emudeci. Aquela consciência tão grande para uma criança me deixou meio assustado. Eu, apenas dois anos mais velhos respondi com uma tapa de leve no ar, como se quisesse afastar o assunto.

É quando ela entra na cena e diz, “vai ficar, tudo bem, Mariana”. E aperta a sua filha, a minha irmã, de encontro aos seus braços. O céu também está estrelado como se fossem grãos de areia se remoendo de dor.

“Vai ficar tudo bem?”

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Aquela que sempre sentava com as pernas cruzadas

Era meia noite e pouco quando o tédio veio lhe bater a porta. Abriu, recostou-se na cama e começou a ler o jornal. 32 mortes no último feriadão, isso só no estado. Era tarde demais para algumas pessoas. Leu os nomes que estavam citados um a um, na notícia enorme, que ocupava um pouco mais da metade da lauda. Começou a pensar como seria interessante a vida de cada uma dessas pessoas, começou a pensar também em quantas coisas elas deixaram para trás – e isso nem sempre significa lamentação. Viu um nome que lhe chamou a atenção: Ana Munareto. Ana. Munaretto. É claro, da época do colégio. Era dessa época que ele a conhecera. Aquela guria que sempre sentava com as pernas cruzadas. Aninha. Poucas amigas, poucas falas. Ao lado do nome dela, a idade: 24 anos. Ela morreu indo para a praia, afinal é verão. E o sol torra todo mundo lá fora. Aninha felizmente não era de falar muito.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Meu bem

Você tem que parar de pedir desculpas.

Não espalhar sorrisos aos quatro ventos

como se estivéssemos dentro de uma propaganda de margarina.


Dominar o receio

de não ter desassossego, articular com seus medos

todos os contratempos, os desalentos e

esquecer que está no meio.


De tanta coisa.

De tanto sono.

De tanta espuma.

De tanto afeto.

De tanto concreto


Bem,

É preciso desacordar todos acertos

e todas as noites pirar um pouco.

Só assim a gente piora para depois sim, melhorar.