segunda-feira, 31 de maio de 2010

Teoria número vinte e nove: sobre o maldito e o bendito desfocamento.

Tempos atrás estava conversando com alguém e me veio essa palavra para definir como eu observava essa pessoa naquele momento. Desfocada, fora de si, perdida entre outros pensamentos. Ou seja: ela estava confusa, assim como uma foto em que a imagem não está bem definida.


Maldito desfocamento. Ou bendito?


Às vezes é necessário ficar meio desfocado, isto é, fora de si para se encontrar. Ou melhor, outra pessoa pode vir e te focar melhor, de outro jeito. Lembro-me agora do filme Descontruindo Harry do Woody Allen, nele o escritor cria um personagem que é desfocado. Sim, ele é interpretado por Robin Willians e fica desfocado não se sabe o porquê. A sua família então para vê-lo normalmente tem que usar óculos.


O desfocamento (palavra inventada, ok?) serve para percebermos que não há nada mais confuso do que se olhar e não se enxergar. Melhor tentar dar um jeito, não?

Crônicas de um repórter novato - parte XVII

Esse ano tive a oportunidade de assistir a vários shows de música internacionais e nacionais graças ao estágio na editoria de cultura lá do Jornal do Comercio, como citei anteriormente em outros posts. E pude escrever duas resenhas de shows das bandas Metallica e Aerosmith para o caderno Panorama, o suplemente de cultura do Jornal.


Acho resenha de um show algo tão subjetivo, porque não há um padrão para se seguir. Aliás, acredito que não deva existir um padrão para esse tipo de texto. Ok: devemos informar quais canções o artista apresentou, se tocou os hits, quais fizeram o público delirar. Eventualmente colocar possíveis problemas técnicos, ou problemas do artista que prejudicaram sua performance. Ou atitudes que a evidenciaram. A organização do evento também pode ser criticada, está certo. Mas é só isso?


A resenha de um show não poderia ser feita de uma forma completamente subjetiva? Como se contássemos uma história dentro da resenha para envolver mais o público com o artista, afinal de contas os mais interessados, normalmente, são aqueles fãs do artista. E se o texto estiver bem escrito e amarrado, irá atrair outros leitores.


É claro que não pude escrever desse modo para o caderno em que trabalho, mas acho que o ideal seria fazer uma resenha que além de dar os dados do show também sugerisse coisas a mais, e que tentasse se buscar no leitor, tentasse enlaçá-lo de uma forma mais pessoal.


O que vocês acham?

sábado, 29 de maio de 2010

Carta 05

A nosso foto juntos ficou uma droga, Lucas. Que pena, mas fotos no impulso não costumam dar muito certo. Fico triste porque queria tê-la para ver a sua cara de espanto. A sua cara de espanto quando eu tirei a máquina da minha bolsa, te puxei para tirarmos a foto. Mas ela ficou ruim. A máquina já ta velha, a coitadinha. Foi engraçado o nosso encontro e é uma pena que tenha que lhe enviar uma foto assim, feia, toda escura, em que só se pode ver o contorno mal feito do que seriam os nossos corpos. Estou te mandando por carta e não por email, porque acho mais legal. Às vezes sou old, sabe? Gosto de coisas meio retro, e de filmes antigos, a lá Audrey Hepburn.


Aliás.


Você murmurou algo de que estava indo ao cinema aquele dia, que filme foi ver? De que tipo você mais gosta? Estou com uma curiosidade enorme, desculpe, eu sei. Na realidade, estou sozinha por aqui. Me mudei há pouco tempo para essa cidade. A gente deveria conversar mais. Não sei. Vou lhe passar meu telefone para você me ligar. Espero que não me ache maluca por isso. Não vai me achar, né?


Sei que não. Aquela maçã ainda ta por aqui, eu nem queria a maçã, eu nem gosto de maçã para falar a verdade. Ela ainda está aqui se você quiser. Meu número 57489214.E temos que tirar uma nova foto, dessa vez melhor.


Francine G.



Obs: A ilustração desse mês é minha mesmo, por isso que não está muito boa. Mas valeu a intenção.



Para acompanhar a história de Francine G. e Lucas Felt, leia os posts anteriores:

Notícia que só a rua João Sabiá viu

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Nova travessia

É o fim do lado a lado.

Um “não se sabe bem o que é”

destruiu o nó dá travessia

acordada entre os travesseiros.


A noite era improdutiva e

só fecundava:

hipóteses,

medos,

baixa de glicose (dela),

refluxos mesointestinais (dele).


Omeprazol e açúcar para tentar curar o desassossego.


É que não há remédio para

brigas camufladas.

As gladiações horrendas começavam no jantar;

e então todo mundo dormia de mal.

Inclusive os lençóis e os ácaros.


Até surgir diferente travesseiro e

junto a vontade de levar seu travesseiro junto com o outro,

em outro quarto, em outra casa.


Nova travessia.


É o fim do lado a lado.

domingo, 23 de maio de 2010

Primeira frase




Porto Alegre era a cidade em que ele vivia há muito tempo e que, de certa forma, já fazia parte do seu ser, ele a sentia em cada poro de sua pele suada pelo calor daquele verão tão típico da cidade......”


Não, não...vamos começar de novo. Está muito exagerado, e por que eu fui colocar o verão ali no meio?


Porto Alegre era a cidade em que ele havia encontrado o amor de sua vida, tudo na capital do Rio Grande do Sul transparecia uma espécie doce de alegria que só os namorados podem sentir...”


Horrível, meloso, asqueroso! Mais uma vez.


Porto Alegre? Porto Alegre é uma das capitais com melhor qualidade de vida do País, quiçá do mundo. Ela também é pura cultura e o povo é um dos que mais lê de todos os estados...”


Não! Por acaso estou querendo vender a cidade?


Cidade confusa, Porto Alegre já foi mais motivo de turismo. Devido à grande proliferação do crack tudo ficou mais feio, mas tosco e perigoso...”


Também não quero acabar com a imagem do local, quero que as pessoas comprem um pouco desse livro.


Tudo em Porto Alegre fascinava Inara. Assim como seus longos cabelos ondulados as ruas da cidade também ofereciam caminhos tortos e interessantes para ela...


(Hey, hey, estou gostando)


...e foi numa desses caminhos que ela se topou com um dos maiores desafios de sua vida, até então: descobrir os segredos que o casebre 258 da rua Estácio Reão guardava”.



Uma singela homenagem ao filme Manhattan - principalmente a narração em off do início - do Woody Allen, e também a Porto Alegre.


quinta-feira, 20 de maio de 2010

A la Tourette

Ela não gosta quando Eduardo estala as mãos daquele jeito. Dá tique. É a mesma coisa quando o giz canta errado no quadro escuro, que na maioria das vezes é verde. Mas Eduardo gosta de estalar as mãos e os pulsos. Quando ele pode, estala as costas também. E os pés. É possível sim. Só não é muito bonito de se ver.

O problema é o tique. A cada cinco minutos ele estala alguma coisa no corpo, criou o hábito maldito. Ela não aguentaria aquilo pelo resto da vida. Poderia suportar os amigos idiotas dele, o futebol, o modo como preferia dormir sem meias (mesmo com o pé gelado encostando nas coxas quentes dela). Poderia suportar tudo menos os estalos.

E eles só aumentavam.

E às vezes basta só um estalar de dedos para tudo desabar. Mais uma dessas porcarias e eu vou embora, disse no meio do quarto, enquanto Eduardo fazia a série de manias matutinas logo após acordar.

TREC – TREC – TREC.

Você não ouviu que mais uma vez eu ia embora?

TREC – TREC

Eduardo, seu imbecil..você tá ao menos me ouvindo?

TREC

Acabou essa droga? Pode me ouvir agora?

O que você tá falando tão cedo? Não dá nem para acordar agora?

Essa sua mania imbecil de estalar? Quantas vezes eu já lhe disse..

Peraí...

TROC TROC

Eduardo?

TROC

...

O que foi agora?

Dez horas da manhã quando ela juntou as roupas numa mala e se mandou embora para a casa da mãe, enquanto Eduardo, quase como um acrobata, estalava as costas na cama ao mesmo tempo em que tentava convencê-la de ficar.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Notícia que só a rua João Sabiá viu

Três horas da tarde quando Francine G e Lucas Felt se encontraram sem querer num pequeno mercado aberto na rua João Sabiá, perto do número 336. Ela foi pegar uma maçã toda alegre e faceira com aquele cabelo preto acastanhado e a pele branca, sem ser pálida. Mudara há pouco tempo, e agora passeava para conhecer a região. Ele também foi pegar a maçã e tocou sem querer na pele da menina de baixa estatura que se encontrava à sua frente naquele sábado nublado. Lucas nem queria ter saído de casa, mas vestiu a camiseta desalinhada e a calça Jeans regular para ir ao encontro que havia combinado no cinema. No meio do caminho estava uma rua e a varanda. Por que não parar para dar uma olhada? As mãos enfim se tocaram, e ele cedeu a maçã para ela, apesar de insistências por parte da moça de que não queria a fruta. Sorrisos de ambos, mão no cabelo dele e mexida na bolsa dela. Ficou tão agradecida que puxou a câmera para tirar uma foto do seu lado, do nada. Lucas ficou tão perplexo que nem sabia o que falar. Só ouviu o “clic”, logo após sentir o braço da menina o puxando para perto. Ele nem sabia mais quem estava o esperando no cinema, ou o filme. Ele queria a foto, ou melhor, ele também a queria. Ficou de lhe enviar a foto por email, ou por carta. Trocaram os diferentes tipos de endereço, e Francine G. foi embora com a maçã vermelha, segurada por aquela mão, com unhas também vermelhas.

domingo, 16 de maio de 2010

"And I'll sing the blues if I want..."




"I'm free to be whatever I
Whatever I choose
And I'll sing the blues if I want

Whatever you do
Whatever you say
Yeah I know it's alright
Whatever you do
Whatever you say
Yeah I know it's alright."


sexta-feira, 14 de maio de 2010

Te matei - postagem temática

Puxei a arma e dei trezentos e quarenta e dois tiros no passado. Cuspi no chão e tomei o caminho de casa, ouvindo ele agonizar ao relento. (então esqueci.)



-----


Essa postagem faz parte do projeto Blogsintonizados, entre lá e participe você também.


Sugestão: Roda

terça-feira, 11 de maio de 2010

A infeliz boneca de pano da noite

Na ponta dos pés

para explicar ao chão

o caminho a seguir.


Com os dedos da mão em riste .

Assim, e com os braços em V deitado à direita.


Em ritmo desordenado,

como quem toca em banda de jazz fusion.


Vai virar e vai voar para baixo:

A infeliz boneca de pano da noite.


Ninguém ficou para segurá-la no meio do salão;

a ânsia do público era deixar o tombo surgir.


A infeliz dançarina solitária na ponta dos pés

não tem ninguém para discutir sobre o tardio


[tardio roubo da dignidade.

sábado, 8 de maio de 2010

Meu caro Carlos Heitor Cony

Então eu nunca havia visto o Carlos Heitor Cony e lá estava ele sentado a alguns metros de mim. Um senhor distinto, graça àquele bigode tão bem aparado, desenhado no rosto. E foi justamente o bigode o principal responsável pela fixação dos meus olhos na figura do escritor, durante a banca de jornalismo literário em que participei recentemente no congresso de Jornalismo Cultural. Era um bigode tão bem cuidado que me fez imaginar que ele, provavelmente, deve carregar um pente especial no bolso do seu paletó só para deixá-lo mais bonito. Ah, para ajudar a completar a figura de cavalheiro inglês, Cony também se utilizava de uma bengala, que só aumentava ainda mais o seu grau de distinção. O bigode, a bengala e a fala rápida, direta, objetiva, esclarecendo, para ele, o que era os princípios de um bom jornalismo. Não sei, mas já é o terceiro jornalista clássico (livros publicados, respeito e um belo trabalho realizado ao longo de muitos anos) elegante que já vi; os outros eram o Tom Wolfe que tive a oportunidade de apertar a mão e o Mino Carta, que tive a oportunidade de entrevistar. Elegância e bom jornalismo caminham juntos? Talvez a elegância do texto e do apuro jornalístico também com o passar do tempo comecem a se confundir e a se misturar com o da vestimenta. Cony que o diga.

quinta-feira, 6 de maio de 2010

O porquê da incoerência

Às vezes parece que a vida brinca comigo. Há coisas que vivi antes do que deveria, assim como há coisas que deveria ter vivido e ainda não vivi. Não é possível editar e montar a sua vida como bem entender. Melhor assim, talvez. Já que não se pode recolher e contextualizar os trechos necessários para escrever a sua história fazemos isso através da ficção: escrevendo livros, roteiros, peças de teatro, inventando personagens. Se inventando para procurar coerência.

E é aí que está o segredo da boa ficção e do bom texto: deve-se procurar a coerência, porque vida é totalmente incoerente.

A situação atual é bom exemplo: estou em São Paulo agora em uma rua que nem sei o nome e escurece lá fora. Aqui dentro se parece com qualquer outro lugar do mundo, onde se tenha uma janela e uma vista. É incoerente agora também os carros voando, formando inúmeros pensamentos, um mar de vontades, misturando tudo. Há uma incoerência absurda – e ao mesmo tempo instigante – no trânsito maluco de São Paulo.

O trânsito daqui é totalmente planejado para o tráfego dos carros, e isso se torna evidente no modo como foram pensadas as ruas (algumas delas têm um trecho mais fundo no asfalto, obrigando os carros a diminuir a velocidade). O tempo para os pedestres atravessarem a rua também é ínfimo, principalmente nas avenidas. A incoerência aqui reside justamente no esquecimento da pessoas que não andam de carro, em privilégio àquelas que possuem o veículo, é óbvio. Mas há uma incoerência maior ainda, na quantidade de carros, nos tipos de carros, e no modo como eles são tratados, quase como se fossem pessoas. Alguns, inclusive, mais bem tratados que certos indivíduos.

São as luzes dos carros cortando a noite, buzinando, invadindo calçadas, quase me empurrando enquanto eu andava preocupado por aí, perdido entre algumas ruas do que eu vou mais me lembrar de São Paulo. Os carros são quase os maiores habitantes, uma das tantas provas que a vida é incoerente e fantástica (por proporcionar a busca da coerência na ficção) ao mesmo tempo.


-----------------


*Sempre desejei saber qual era a sensação, o tipo de texto que escreveria, quando eu me encontrasse completamente perdido. Isto é, quando eu estivesse em um lugar em que nunca estive antes. Então hoje resolvi fazer isso, já que me encontro na cidade de São Paulo participando do Congresso de Jornalismo Cultural. Como hoje era o último dia do seminário, talvez por isso tenha acabado mais cedo, pude pegar um ônibus aleatório e cair numa rua aleatória em algum bairro que ainda não sei o nome. Quando vi uma lan house pequena, com apenas cinco ou seis computadores resolvi escrever qualquer coisa.