quinta-feira, 6 de maio de 2010

O porquê da incoerência

Às vezes parece que a vida brinca comigo. Há coisas que vivi antes do que deveria, assim como há coisas que deveria ter vivido e ainda não vivi. Não é possível editar e montar a sua vida como bem entender. Melhor assim, talvez. Já que não se pode recolher e contextualizar os trechos necessários para escrever a sua história fazemos isso através da ficção: escrevendo livros, roteiros, peças de teatro, inventando personagens. Se inventando para procurar coerência.

E é aí que está o segredo da boa ficção e do bom texto: deve-se procurar a coerência, porque vida é totalmente incoerente.

A situação atual é bom exemplo: estou em São Paulo agora em uma rua que nem sei o nome e escurece lá fora. Aqui dentro se parece com qualquer outro lugar do mundo, onde se tenha uma janela e uma vista. É incoerente agora também os carros voando, formando inúmeros pensamentos, um mar de vontades, misturando tudo. Há uma incoerência absurda – e ao mesmo tempo instigante – no trânsito maluco de São Paulo.

O trânsito daqui é totalmente planejado para o tráfego dos carros, e isso se torna evidente no modo como foram pensadas as ruas (algumas delas têm um trecho mais fundo no asfalto, obrigando os carros a diminuir a velocidade). O tempo para os pedestres atravessarem a rua também é ínfimo, principalmente nas avenidas. A incoerência aqui reside justamente no esquecimento da pessoas que não andam de carro, em privilégio àquelas que possuem o veículo, é óbvio. Mas há uma incoerência maior ainda, na quantidade de carros, nos tipos de carros, e no modo como eles são tratados, quase como se fossem pessoas. Alguns, inclusive, mais bem tratados que certos indivíduos.

São as luzes dos carros cortando a noite, buzinando, invadindo calçadas, quase me empurrando enquanto eu andava preocupado por aí, perdido entre algumas ruas do que eu vou mais me lembrar de São Paulo. Os carros são quase os maiores habitantes, uma das tantas provas que a vida é incoerente e fantástica (por proporcionar a busca da coerência na ficção) ao mesmo tempo.


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*Sempre desejei saber qual era a sensação, o tipo de texto que escreveria, quando eu me encontrasse completamente perdido. Isto é, quando eu estivesse em um lugar em que nunca estive antes. Então hoje resolvi fazer isso, já que me encontro na cidade de São Paulo participando do Congresso de Jornalismo Cultural. Como hoje era o último dia do seminário, talvez por isso tenha acabado mais cedo, pude pegar um ônibus aleatório e cair numa rua aleatória em algum bairro que ainda não sei o nome. Quando vi uma lan house pequena, com apenas cinco ou seis computadores resolvi escrever qualquer coisa.

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