segunda-feira, 23 de abril de 2012

Me liga


- Você não percebeu que eu tava desconfortável?

- Quê?

- Nem passou pela sua cabeça, né...

- Como assim?

- Eu já te falei que não gosto de ti falando com essa guria

- Com a Martinha? Mas nós somos amigos há séculos!

- É a Martinha pra lá, a Martinha pra cá...

- Mas ela precisa da minha ajuda pra algumas coisas, ela não consegue fazer nada sozinha

- Nada sozinha ou nada sem ti???

- Como assim?

- Ela não tem outros amigos para ligar não? Nunca vi isso, acho que vou começar a ligar sempre para os meus amigos também, quando precisar de uma ajuda....

- Ah, não começa tá, não começa a viajar...

- O problema da Martinha é que ela não sabe que tu tem namorada, ou se não sabe, pelo menos não respeita...

- Ah, ok, ok...claro..aquela vez que vocês se conheceram te apresentei como a minha amiga né? Só faltava essa. Ela anda muito sozinha e deprimida a coitada. Precisa de uma mão amiga.

- Ai, ai, aham, sei que ela só quer uma mão amiga....

- Para tá, Elisa, pode parar...

- Vou dar uma saída, ok?

- Vai aonde?

- Sair, não sei.

- Volta, fica aqui.

- Não, me deixa. Depois eu volto, acho.

- Me liga depois, tá?

- Daí você vai me dar uma mão amiga também?

quinta-feira, 5 de abril de 2012

Absentia


Pena que amanhã
é recém quinta-feira;
Eu só a verei domingo.

Já anseio o sono tranqüilo,
pausas da madrugada
invadindo o cansaço.

Não é fácil

se esparramar sem ter outro lado.

Se atirando assim,
jogando o corpo leve
em mim.

Bate e volta

Devagar porque horas são dias -
semanas a fio -

Quanto tempo se leva.

Quanto tempo se leva para
subverter uma ausência. 

terça-feira, 3 de abril de 2012

Cruzou por mim, veio ter comigo, numa rua da Cidade Baixa


Cruzou por mim, veio ter comigo, numa rua da Cidade Baixa
Achei que o conhecia, ou que, pelo menos, já o havia visto
Barba mal feita, os trajes horripilantes;
Como quem deita ao relento e se descobre – infelizmente – sóbrio;
Pensei em virar a cara, fingir que falava ao celular
Inóspito, antipático, ácido, amargo.


Mas afavelmente ele me dobrou e como se quisesse vender
(Vender algo, afinal todos deles querem vender algo) ou pedir
(Pedir algo, afinal todos eles querem pedir algo), apenas perguntou.
Como eu estava, aonde eu ia, o que eu fazia.


Tenho medos eternos de simplicidades, de perguntas genéricas.


Não saberia responder nenhuma delas, tudo se apagara repentinamente,
As razões começaram a dissipar
Devagar, via me abarcando em uma genérica paranóia.
Em um gesto de defesa, ataquei meus bolsos atrás de moedas
Como que para espantá-lo
Como que para sanar as minhas dúvidas
Onde eu estava? O que eu estava fazendo
Ao meio dia e meia daquele bairro?
Por que Deus eu devia fazer o que eu devia fazer?


Por fim, encontrei alguns trocados
Mais do que rapidamente os evacuei do bolso
Sem emitir nenhuma sílaba atirei ao senhor
Que as catou ajoelhado, sem nenhuma vergonha,
Esboçou sorriso de uma esquálida gentileza,
De uma estratégica alegria.
E foi embora.


Recompus-me em meros segundos, mais aliviado
Relembrei das tarefas, do trabalho árduo, mas necessário
A maleta na mão, o sapato, as roupas, tudo confortava novamente. 



*poema homenagem/ releitura lamentável