segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Estudo de uma manhã jovem


Agora a luz está batendo bem de frente na casa. É quase oito da manhã, e ninguém acordou ainda. A gata malhada escancara a boca, anunciando o dia. Mas que dia, o que uma gata poderia fazer, que tipo de preocupações poderiam lhe passar pela cabeça? Ainda mais àquela hora da manhã. É muito cedo até para uma gata malhada fazer alguma coisa.

Devagar, ela vai andando pela casa, chega a cozinha, aonde com uma versátil delicadeza, senta alguns instantes. Espera, espera seriamente, mas nada acontece. O seu pequeno rabo agora está esfregando o chão calmamente, como se fosse natural. Cansada de esperar, ela simplesmente volta a andar. De repente (do nada mesmo) algum estalo de algum móvel mais antigo escancara e pronto, ela para mais uma vez, encarando. Como se tudo fosse horizonte e não houvesse mais nada em volta. Em um segundo está disposta a correr, perseguindo um barulho. Uma das melhores qualidades dos felinos, atacar sons, sensações.

Quase palpável, tenta acertar o ruído no ar. Então pula, girando o corpo e caindo tal qual uma contorcionista. Parece fácil, mas ela é uma bailarina num chão de cozinha às oito e pouco da manhã.  Depois de algumas tentativas, finalmente desiste, mas não se mostra derrotada – essa não parece ser uma opção. Ao contrário: segue indiferente, firme, em linha reta. Está quase chegando aonde deveria, enquanto a manhã corre saborosa, ainda pequena, nunca pronta.

A janela da peça da dispensa estava aberta o tempo todo e o vento que entrava à noite não impediu ninguém de dormir. Que tipo de aventuras a malhada poderia encontrar lá fora, aonde tudo parece sempre tão novo e mutável. Parada em frente a abertura, ela encara o horizonte, mesmo que não saiba exatamente o que está fazendo. 

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Outro espaço


Queria conseguir-lhe escrever mais sobre tudo que está acontecendo comigo nesse momento. Mas eu não consigo. Agora que você cruzou para o outro lado, não tem quase mais ninguém para eu falar o que é importante. Não no dia a dia. É tarde. É muito tarde para qualquer mentira, apesar de eu costumeiramente me cobrir com elas quase sempre. O que será que anda acontecendo comigo. Em que parte da história eu perdi o rumo. É o que venho me perguntando nos últimos dias.  Acho que é tarde demais para epifanias, o bom que é tarde demais e tarde demais é essencial para bons sonhos também. Sinto muito, ando transmitindo pouco. Tenho irregular prazer nas coisas pequenas, justamente as que deveriam nos trazer mais prazer. Prazer é felicidade? Não sei.  Ando desejando pouco porque não tenho um grande objetivo à minha frente, acho. Meu objetivo atual era aproveitar o momento, simplesmente, sem pensar muito no futuro, sem se apegar ao passado. Porém, acho que isso pode me tornar cínico para caramba – como se não bastasse eu ter isso de família. Durmo demais e de menos, quando acordo as coisas não mudam. O tempo anda uma merda atualmente, está nublado e quente. O sol se esconde só de babaca, enfornando todo mundo para depois sumir por uns dias e voltar. Não me lembro de algum outro fevereiro assim. Um fevereiro nublado e chato. A gente acaba sendo um pouco de mercadoria, ocupando horários com trabalhos remunerados, travando conversas que não vão levar a lugar algum, se incomodando com os problemas dos outros. Se estressando com faltas de linhas, de declarações. No final, tudo vira um jogo de preencher espaços. Talvez a vida seja um pouco disso, não é. A gente sempre se sente um pouco vazio em alguma parte, tentando desesperadamente preenchê-lo, nem que para isso tenha que desocupar outro espaço.