quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Alois

Ela acabou de me perguntar qual era o meu sobrenome mesmo. E antes, ela já havia perguntado duas vezes. Estava sentada em sua cadeira, com uma expressão feliz, mais ou menos igual a alguém que sabe algo importante e não quer contar para ninguém. E então me perguntou do nada, como se fosse dizer “boa tarde” ou me questionar como estava a faculdade: qual é o seu sobrenome? Não sabia exatamente o que dizer, primeiro soltei alguma brincadeira idiota e ri. Mas vi que ela franzia a testa e me encarava, me olhando de longe, à distância. É certo que estava velha, mas ainda era ativa e cuidava do jardim sempre da melhor forma possível. Toda a vizinhança elogiava. Todos tinham inveja. Demorei a acreditar no que estava ouvindo, mas respondi. Anathel, vó. Anathel como o seu. Anathel é um belo nome ela diria e se levantaria da cadeira para pegar um pouco de chá. Chá gelado como ela gosta. E seguiu até a cozinha, e então me lembrava de quando era criança, e de quanta vitalidade ela parecia transparecer. Agora, assim, caminhando devagar, com olhar distante e com extrema dificuldade em colocar o chá na sua xícara de porcelana. Os azulejos zelosos me traziam saudade e medo. E então, ao virar e voltar a olhar para mim ela toma um susto e deixa a xícara cair no chão. Ela toma um susto e começa a gritar. A gritar desesperadamente. Quem é você? Quem é Você? Quem é Você?

Os olhares desviados são as verdadeiras testemunhas - Teoria número trinta e três

Depois de um tempo, comecei a me tornar um profissional em perceber alguns olhares. E, entre eles, o que mais me chama a atenção é o olhar rebaixado, envergonhado, o olhar que foge. Não no bom sentido, não aquele olhar de dois amantes que se buscam em enquadramentos diferentes, que se caçam e se escondem. Não, o que falo aqui é do olhar medroso, o olhar covarde.

E esse é o pior tipo de olhar que existe.

Talvez seja por isso que me marca, por ser o pior tipo que existe. E também porque já o vi demais, e isto quer dizer que já passei por algumas situações complicadas com algumas pessoas. E, na minha humilde opinião, a prova de que você está certo em algum conflito é quando a pessoa passa por você e lhe enxerga, mas, desesperadamente, foge com os olhos. Como uma ratazana que se vê ameaçada, ela se esconde em qualquer beco, toma qualquer caminho. Os olhos fujões são só a testemunha de que você estava realmente certo sobre a índole de tal pessoa.

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Carta 09

É uma pena você ter engordado uns 10 kilos aí na Europa, aposto que suas roupas nem lhe cabem mais. Que coisa não? Mesmo assim aposto que ainda apronta as suas loucuras e que pega caras de todos os países possíveis. Eu sei como você pensa, já posso ver as suas fotos no facebook, o cabelo meio pintado e aquela cara de louquinha, com a língua para cima fazendo pose. Em alguma festa maluca em Madrid. Gastando o dinheiro que seu papai lhe deu com bolo de maconha em Amsterdam. Transando com diferentes caras em albergues, rezando para não engravidar. É, realmente uma droga. Peço que não me escreva mais, ok? Não quero saber porra nenhuma de você e essa tal de viagem de autoconhecimento que vendeu para mim. Vá a merda. Vá ao raio que o parta. Pessoas como você precisam sair do lugar em que estão para descobrirem o fracasso que são. Mesmo que eu já tenha a avisado há muito tempo. Sim, alertei que uma viagem qualquer lugar não necessariamente mudaria todo o seu conceito em relação ao mundo, a não ser que você queira. Mas o que eu posso fazer se você nunca me ouviu, infelizmente. Ou felizmente. Não estou mais a fim de papo e não quero saber sobre os seus novos amigos, sobre os devaneios que tem a olhar para a porra do lago e muito menos saber de todas as fotos que tirou em pontos turísticos. Afinal, você precisa disso para guardar no seu álbum virtual. Pequena gartoa virtual, bem, você é um canal que não quero mais assinar.

Até nunca mais,

Lucas.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Céu às 3 da madrugada

Entre os lençóis,

seu reflexo no espelho lá do alto.


2 copos de cerveja

e cigarros.


A música que ela trouxe toca no aparelho.


Nubla-se com a cama:

apenas as coxas de fora.


“Coxas brancas como você

uma vez disse”


E mostra os dentes amarelos.


Do espelho dá para acompanhar

os cabelos ruivos pintados,

o lábio colorido de vermelho.


Não são coxas nada feias.

E logo você se vê lá no espelho também,

como se fosse céu.


E não há mais nada para se preocupar.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Apesar de tudo, mais uma vez

Do mesmo modo,

apesar de tudo,

ainda beijou-lhe o rosto

e esticou o sorriso amarelo

beirando a satisfação.


Tal qual alguém que precisa de aceitação

para se alimentar.


Depois, limpou os lábios a modo de tirar o gosto de sua pele.


Ainda incontida suspirou para si mesma.

Se remoendo com misto de nojo e inquietação.


Não sabia dizer não.


Não sabia dizer sim.


Caminhou até fora do estabelecimento e olhou para o céu.

Enjoada e silenciosa apesar de tudo

sim, apesar de tudo,

se despistou mais uma vez.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Que há de desabrochar

Eu queria dizer tudo aquilo agora.

E depois nós dormiríamos na cama,

na cama improvisada que eu montei para nós.


Isso lá pelas 20 para as três da manhã.


Ninguém teria que acordar cedo no dia seguinte mesmo.


Ficaríamos brincando de juras de amor, brincadeiras tão sérias

que fariam nossos corpos se amaciarem.


Brincadeiras tão honestas que faria nossas mentes

viajarem.


Para outro lugar,

para outra instância.


Confundindo tudo com sonhos que não aconteceram.

Planando pensamentos rebeldes; fundindo e

pronunciando o dia que há de desabrochar na nossa frente.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Jornalista também deve duvidar

Realmente gosto de jornalismo, mas tenho medo que ele não goste de mim. Já tem algum tempo que, intimamente, tenho pensado se não deveria tomar um outro caminho, se não deveria desviar da rota da comunicação. É um pensamento fraco, confesso, mas que, minimamente, tenta me convencer de que o jornalismo em geral não goste de indivíduos como eu. Veja, você pode achar que estou falando abobrinhas e que é um pensamento tolo e narcisista de um jovem universitário de classe média metido a cult – mas que no fundo não passa de uma farsa.

Tenho alguns motivos e vou tentar explaná-los com clareza, coesão, e essas coisas que meus amigos jornalistas sabem tão bem. Alguns são extremamente pessoais – e com esses não peço que concordem ou que discordem, apenas que reflitam – já outros são fatos que, ao meu ver, podem originar problemas sem soluções para a nossa classe (se é que podemos chamar assim).

Jornalismo na teoria é uma das profissões mais bonitas e mais necessárias para o funcionamento da democracia em uma sociedade. A figura do repórter visionário atento as mudanças, aos conflitos de toda instância e aos problemas da sua contemporaneidade é altamente simbólica. É o repórter – e o que ele produz, a reportagem – os instrumentos mais importantes na profissão. Logo, seria nossa função, ou mais, seria nossa obrigação buscarmos isso. O quê se vê, entretanto, é o abandono da figura do repórter, a desvalorização da observação, das entrevistas e de pesquisa apurada. Não somos mais incentivados a isso e, cada vez temos menos exemplos a seguir nesse sentido. A ultravalorização de monitoramento de redes sociais, da divulgação da notícia em primeira instância nos rouba o tempo que poderíamos gastar fazendo o que realmente é a pedra fundamental do jornalismo.

Olha só: não sou um romântico saudosista. Não acho que devemos sair da frente do computador, apagar todas as contas em redes sociais, enfim. Não. Ao contrário, podemos utilizá-las como mais uma ferramenta que pode nos auxiliar na apuração da notícia, na busca de aprofundamento da reportagem. Entendo a importância da enorme popularização de blogs relacionados a notícias, assim como de sites independentes, e suas divulgações através de canais de comunicações como o twitter ou o facebook, mas apenas isso dá certo? Há muitas coisas sobre as pessoas além do facebook e do twitter. Não somos apenas uma página na internet e nossos gostos mudam quase que diariamente, nem sempre nossas ações refletem no campo virtual.

O que percebo é que as faculdades de comunicação, essas sim, refletem a nossa mediocridade: a maioria das disciplinas nos levam ao apuro da técnica: como escrever o lide para o jornal, para o rádio, para a TV e agora a para a Internet. Como se portar em frente a uma câmera, como falar no rádio, como gravar um vídeo para a internet, como fazer um gráfico para deixar aquela matéria de jornal mais ilustrada e, assim, mais atraente. Não produzimos reflexão em cima dos textos, das notícias, não buscamos saber porque aquele fato aconteceu, e o que pode acontecer em decorrência dele. Poucos nos falam isso durante a faculdade, poucas pessoas nos instigam a duvidar das coisas.

É nesse ponto que eu queria chegar.

Há aquela máxima que circula pelo imaginário coletivo em torno da figura do jornalista: ele precisa ser aquele indivíduo curioso, que precisa saber de todas as coisas que acontecem no mundo todo, ele também precisa estar na moda, precisa estar atento a tudo que acontece em sua volta e deve trabalhar muito mais do que precisa , normalmente, por uma miséria. Sim, amigo jornalista, isso já faz parte de você, depois de tanto ouvir. Como se tivesse que viver nos intervalos do trabalho. E como você trabalha – na maioria das vezes sem nenhum reconhecimento de um chefe também acostumado a esse imaginário coletivo.

Não acho que o jornalista deva ser apenas curioso, e que precise estar atento a todas as notícias que acontecem no mundo, e que deva saber de tudo, decorar todas as siglas, todos os nomes dos ministros do governo federal. Também não deve valorizar a sua falta de tempo que não lhe dá condições de absorver o que acontece na sua vida e que também ajuda a lhe formar como indivíduo. Mais do que curiosidade, o jornalista precisa saber duvidar. Porque é da dúvida que vem a inquietude e o questionamento, e essas duas atitudes são as responsáveis pelas melhores realizações no nosso campo. Pois não deixam você se acostumar, e o levam a pensar e refletir em cima daquilo que está acontecendo ao seu redor.

É nessa parte que penso que eu gosto do jornalismo, gosto dessa minha capacidade de observar as coisas, dessa minha consciência de como se produz hoje em dia e de como, na minha opinião, deveria se produzir. É por isso que fico desanimado, pois realmente não vejo um caminho bom no futuro onde a maioria de nós seremos seres acostumados em seus dois empregos tentando sobreviver, produzindo cada vez mais rápido, cada vez mais em escala.

Os mais crédulos e acostumados dirão que sou idealista e que o mercado (sempre ele) é cruel e que não dá chances se você ratear. Mas quem forma o mercado? Quem forma os veículos de comunicação? São pessoas. Pessoas que não são apenas perfis em redes sociais e que não se limitam em 140 caracteres. Se pessoas possuem a capacidade do raciocínio elas também podem discutir, elas também podem questionar. Nem que seja um pouquinho, nem que seja para mudar uma ação. Tenho certeza que até uma pequena ação pode refletir em alguma forma na sua vida.