terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Jornalista também deve duvidar

Realmente gosto de jornalismo, mas tenho medo que ele não goste de mim. Já tem algum tempo que, intimamente, tenho pensado se não deveria tomar um outro caminho, se não deveria desviar da rota da comunicação. É um pensamento fraco, confesso, mas que, minimamente, tenta me convencer de que o jornalismo em geral não goste de indivíduos como eu. Veja, você pode achar que estou falando abobrinhas e que é um pensamento tolo e narcisista de um jovem universitário de classe média metido a cult – mas que no fundo não passa de uma farsa.

Tenho alguns motivos e vou tentar explaná-los com clareza, coesão, e essas coisas que meus amigos jornalistas sabem tão bem. Alguns são extremamente pessoais – e com esses não peço que concordem ou que discordem, apenas que reflitam – já outros são fatos que, ao meu ver, podem originar problemas sem soluções para a nossa classe (se é que podemos chamar assim).

Jornalismo na teoria é uma das profissões mais bonitas e mais necessárias para o funcionamento da democracia em uma sociedade. A figura do repórter visionário atento as mudanças, aos conflitos de toda instância e aos problemas da sua contemporaneidade é altamente simbólica. É o repórter – e o que ele produz, a reportagem – os instrumentos mais importantes na profissão. Logo, seria nossa função, ou mais, seria nossa obrigação buscarmos isso. O quê se vê, entretanto, é o abandono da figura do repórter, a desvalorização da observação, das entrevistas e de pesquisa apurada. Não somos mais incentivados a isso e, cada vez temos menos exemplos a seguir nesse sentido. A ultravalorização de monitoramento de redes sociais, da divulgação da notícia em primeira instância nos rouba o tempo que poderíamos gastar fazendo o que realmente é a pedra fundamental do jornalismo.

Olha só: não sou um romântico saudosista. Não acho que devemos sair da frente do computador, apagar todas as contas em redes sociais, enfim. Não. Ao contrário, podemos utilizá-las como mais uma ferramenta que pode nos auxiliar na apuração da notícia, na busca de aprofundamento da reportagem. Entendo a importância da enorme popularização de blogs relacionados a notícias, assim como de sites independentes, e suas divulgações através de canais de comunicações como o twitter ou o facebook, mas apenas isso dá certo? Há muitas coisas sobre as pessoas além do facebook e do twitter. Não somos apenas uma página na internet e nossos gostos mudam quase que diariamente, nem sempre nossas ações refletem no campo virtual.

O que percebo é que as faculdades de comunicação, essas sim, refletem a nossa mediocridade: a maioria das disciplinas nos levam ao apuro da técnica: como escrever o lide para o jornal, para o rádio, para a TV e agora a para a Internet. Como se portar em frente a uma câmera, como falar no rádio, como gravar um vídeo para a internet, como fazer um gráfico para deixar aquela matéria de jornal mais ilustrada e, assim, mais atraente. Não produzimos reflexão em cima dos textos, das notícias, não buscamos saber porque aquele fato aconteceu, e o que pode acontecer em decorrência dele. Poucos nos falam isso durante a faculdade, poucas pessoas nos instigam a duvidar das coisas.

É nesse ponto que eu queria chegar.

Há aquela máxima que circula pelo imaginário coletivo em torno da figura do jornalista: ele precisa ser aquele indivíduo curioso, que precisa saber de todas as coisas que acontecem no mundo todo, ele também precisa estar na moda, precisa estar atento a tudo que acontece em sua volta e deve trabalhar muito mais do que precisa , normalmente, por uma miséria. Sim, amigo jornalista, isso já faz parte de você, depois de tanto ouvir. Como se tivesse que viver nos intervalos do trabalho. E como você trabalha – na maioria das vezes sem nenhum reconhecimento de um chefe também acostumado a esse imaginário coletivo.

Não acho que o jornalista deva ser apenas curioso, e que precise estar atento a todas as notícias que acontecem no mundo, e que deva saber de tudo, decorar todas as siglas, todos os nomes dos ministros do governo federal. Também não deve valorizar a sua falta de tempo que não lhe dá condições de absorver o que acontece na sua vida e que também ajuda a lhe formar como indivíduo. Mais do que curiosidade, o jornalista precisa saber duvidar. Porque é da dúvida que vem a inquietude e o questionamento, e essas duas atitudes são as responsáveis pelas melhores realizações no nosso campo. Pois não deixam você se acostumar, e o levam a pensar e refletir em cima daquilo que está acontecendo ao seu redor.

É nessa parte que penso que eu gosto do jornalismo, gosto dessa minha capacidade de observar as coisas, dessa minha consciência de como se produz hoje em dia e de como, na minha opinião, deveria se produzir. É por isso que fico desanimado, pois realmente não vejo um caminho bom no futuro onde a maioria de nós seremos seres acostumados em seus dois empregos tentando sobreviver, produzindo cada vez mais rápido, cada vez mais em escala.

Os mais crédulos e acostumados dirão que sou idealista e que o mercado (sempre ele) é cruel e que não dá chances se você ratear. Mas quem forma o mercado? Quem forma os veículos de comunicação? São pessoas. Pessoas que não são apenas perfis em redes sociais e que não se limitam em 140 caracteres. Se pessoas possuem a capacidade do raciocínio elas também podem discutir, elas também podem questionar. Nem que seja um pouquinho, nem que seja para mudar uma ação. Tenho certeza que até uma pequena ação pode refletir em alguma forma na sua vida.

Um comentário:

Aline Duvoisin disse...

Pelo menos o Ungaretti nos ensinou alguma coisa: "jornalismo é vagabundagem". Sem tempo é impossível se fazer alguma coisa decente. Às vezes acho que é melhor trabalhar com outra coisa que nos pague um pouco melhor e ter o jornalismo como um hobby para poder me dedicar com prazer a ele. Realmente as coisas do jeito que são agora tiram o ânimo de qualquer um. Tem que haver um caminho!