sábado, 26 de março de 2011

Caiu com os olhos agora menos loucos

Elisa não gostava de arrumar a casa e era tudo uma tremenda bagunça. Os lençóis atirados em um canto da sala esperando dias para serem lavados, sacos de lixo empilhados e as gaiolas dos pássaros levando semanas para serem trocadas. Eu chegava no fim de tarde, começo da noite, e ela nem para me perguntar sobre a rotina. Quando ligava para o trabalho quase sempre era para me dar ordens do que trazer quando chegasse em casa. Cigarros, cerveja, e “qualquer coisa”, como ela dizia, para comer.

Mesmo assim tentava convencê-la a procurar emprego para a gente tocar a vida e também dizia para começar a freqüentar as reuniões de AA, apesar de eu também acabar bebendo boa parte da noite para aturar, para nos aturarmos durante aquele tempo. Eu lhe digo, eram coisas loucas, sabe. Tínhamos pintado a casa logo depois que nos casamos, isso um ano antes desses acontecimentos, mas a parede agora estava toda engordurada e carregava até uns desenhos bizarros de pessoas voando em campos verdes observadas por um sol com aquele sorriso feliz que Elisa desenhava quando estava muito bêbada.

Isso acontecia sempre na sexta-feira à noite e se estendia até domingo. Era quase um costume: ligar o som no volume mais alto, tomar tudo que tivesse na geladeira, vodka, batida de rum, cervejas. Amar é uma palavra complicada, mas acho que sim, acho que eu realmente amava Elisa. A gente ama e tenta nos convencer, hoje penso que eu bebia tanto porque eu queria estar com ela, me sentir como ela. A gente ama e tenta nos convencer sempre. Costumávamos fazer muito sexo nessa época, coisas que os vizinhos comentavam baixo depois, ao me ver saindo do trabalho na segunda-feira completamente quebrado com a gravata, o paletó e o cabelo com gel. “Eles parecem animais”.

E foi em um domingo à noite, com a música alta e uma garrafa de tequila atirada no sofá rabiscando na parede que Elisa começou a chorar, a chorar desesperadamente, molhando boa parte dos seus cabelos pretos. Estava só de calcinha e de sutiã, fazia muito calor e os mosquitos nos picavam. “Eu não aguento mais, eu quero ir embora. Você me prendeu, eu nunca quis casar com você. Eu não quero ter uma casa”, ela gritava jogando a caneta para cima de mim. E vindo ao meu encontro, ela tentava me golpear, com os dois punhos totalmente cerrados, a cara de louca. Eu nunca a havia visto daquele jeito. Comecei a gritar e a dizer que ela estava bêbada e que a gente não poderia continuar vivendo assim. “Elisa, não dá mais, não dá mais. Para, para!”. Mas ela não poderia, não conseguia.

Foi então que bruscamente pegou a garrafa já vazia de tequila e tentou me golpear fortemente, um ataque frontal, direto. Por sorte, eu estava menos bêbado, e mesmo tonto consegui desviar. Agora ela era que estava resvalando, fora de si, pedindo ajuda. Dei um soco de punho fechado no estômago. Não foi bonito de se ver, não era algo bonito para se fazer, mas fiz. Ela vomitou sujando toda a parede com os desenhos malucos. Depois me olhou, e caiu no colchão instalado no chão. Parecia com sono e menos louca agora, quem sabem realmente menos louca agora.

terça-feira, 22 de março de 2011

Diálogo só

Qual o problema de conversar comigo.

Comigo o problema é conversar sobre o quê.

Quais coisas. Quais coisas que você quer fazer.

Agora, pode ser agora? Eu realmente gostaria que fosse agora.


Vai dizer que não dá mais. Não, vai inventar que não quer mais.

Nem para fingir, fingir que ainda tem fé em se importar.


Ou mentir, mentir para alegrar.

É bom, é bom de pensar que ainda poderia dar.


A gente vai se deitar nos trilhos e dormir um pouco.

Tal qual um trem antes de descarrilar.

Só pelos velhos tempos, só para ter o que fazer antes de ir embora.

quarta-feira, 16 de março de 2011

Como se estivesse alçando vôo

Lá estava Elaine ao lado de Eriberto, deitados na cama, cama arrumada com os lençóis completamente limpos. A luz fraquinha, de lâmpada de 20 watts pendia no abajur na cômoda perto do guarda roupa. Parecia um mini pôr do sol alaranjado, que também se deitava no escuro, escorregando a pouca energia elétrica.

Mesmo deitada há tanto tempo seus olhos insistiam em se manter abertos, encarando a noite, pregando peça de que estavam fechados. Ao contrário de Eriberto que dormia ao seu lado, como uma criança. Nenhuma parte do corpo magro de Elaine tocava em seu companheiro. Seus grandes braços estavam juntos embaixo do travesseiro como se escondesse algo nas mãos. Ali, deitada de lado, quase que encolhida, conseguia ver a porta, graças a luzinha. Deus, como ela gostaria de dormir. Deus, como ela gostaria de sair da cama, caminhar até a cozinha e pegar um copo de água. E ela nem estava com tanta sede assim. Ela também gostaria de depois de pegar o copo, abrir a outra porta, a da rua. E caminhar livre. Solta. Encontrar a janela no corredor do prédio e abrir.

Assim, com todas as portas escancaradas e com os olhos abertos durante a escuridão do quarto, ela conseguiria manter a calma. Já poderia sentir o vento da janela, o pequeno pulo para o inconsciente. As nuvens misturadas com a sede, a luz laranja queimando seus pensamentos, tudo apagando. Tudo desmoronando, a sensação de cair e depois pairar, justamente como se estivesse alçando vôo.

segunda-feira, 7 de março de 2011

Guião 001

Ontem eu tive uma ideia para o que poderia ser um roteiro, mas...você já sabe qual é o problema das minhas ideias. Digamos que eu tenha um bom começo e, pode se dizer, tenho certeza que é um bom começo. Já sei até a cena que abriria o roteiro, imagine: é um personagem cansado, ele realmente não consegue dormir. É, há dias que ele não dorme, nada consegue apagá-lo, os remédios já perderam os efeitos. Ele está lá de saco cheio no seu trabalho com aquelas olheiras gigantescas. Consegue ver isso? Então, ele está lá putamente entediado. Vamos chamá-lo de Felipe. Ok? É só um nome provisório, sei que é um nome idiota, mas adotaremos esse por enquanto. Então, ele está lá tipo um daqueles mortos vivos, quando depois do expediente, resolve ir a um shopping da redondeza jantar. Lá, mais uma vez sem nada para fazer, ele liga para uma de suas amigas, talvez um caso esporádico, algo que não deu certo, mas que ele, por carência, ou por alguma coisa má resolvida entre em contato. Ela não atende, e então sem nada mais para fazer ele vai ao cinema. Há muito tempo não ia. O filme não importava, ele só resolveu ir, digamos assim que o tédio o levou para lá, ok? Eu sei que é uma resposta rasa, eu sei que pode ser uma das motivações dos personagens típicos dos últimos filmes medíocres da Sofia Coppola, mas o Felipe simplesmente resolveu ir ao cinema. Uma vez lá, assim que as luzes apagam e o filme começa a se projetar ele simplesmente apaga. Tem as duas horas de sono mais belas de suas vidas. Foram apenas duras horas de sono, mas que, para ele, valeram como duas ou até três noites de sono. Então, magicamente, assim que os créditos finais começam a surgir ele acorda. Revigorado, sem entender nada. Completamente confuso, ele resolve pegar a próxima sessão a fim de entender o que acontecia. Na verdade, essa parte ainda está confusa. Não sei se devo prendê-lo mais a essa dúvida e fazer ele pegar a próxima sessão no dia seguinte, ou que deva ir no mesmo dia. Enfim, o que importa é que ele vai pegar a outra sessão e vai dormir, magicamente, nela e acordará bem disposto nos créditos. Não que seu sono tenha melhorado ele só consegue dormir quando vai ao cinema. È nesse ponto que parei. Pode falar a real, cara. A premissa é interessante? Estou com um milhão de ideias na minha cabeça e elas não param quieta nenhum instante.

terça-feira, 1 de março de 2011

Mergulho noturno

hoje acordei
vo
.....vo
.........vo
.............vo
.................vo
......................mitando
um amor nojento.

porque, naquele momento,
estava sonhando com você.