Beijou a boca dele, percebendo que nem era tão diferente de
todas as outras bocas que tinha beijado, o que não eram poucas, mas também não
eram tantas assim. Aos poucos, foi escorregando sob o seu corpo, para se
agrupar melhor àquele abraço que recém descobria. E ele parecia retribuir,
apertando cada vez mais o seu corpo ao dela, pressionando suas mãos levemente às
suas costas, massageando a pele, e, pouco a pouco, invadindo a blusa. Com um
pouco de força tentou imprimir um beijo mais forte ao pescoço, o que ela aparentemente
rejeitou, mas não a ponto de negar totalmente, pois respondeu com um sorriso
atrevido, como quem diz não para uma criança, como quem diz que é “algo feio e
errado e não pode fazer isso, mas...”. E é claro que ele adivinhou tudo isso no
momento que ela mostrou os dentes, no momento que esboçou o sorriso meio
amarelado, talvez pelo fumo, talvez pela genética. Não importava. Havia de
conseguir um modo de invadir aquele corpo. Em um ato atrevido, jogou-a ao sofá
segurando os seus dois pulsos rentes ao estofado, de modo que ela ficasse deitada
com o rosto para cima. Assim ele poderia ver melhor aquela expressão que tanto
gostava, aquela expressão que todas faziam quando ele começava a ficar mais
violento. Todo o ato, toda a encenação da conquista, todo o enorme trabalho que
tinha para construir uma sensação de possível amor que poderia sentir por ela, tudo
aquilo só para poder observar a face horrorizada, confusa, perdida. E ela
começava a surgir exatamente ali. Gostava de se imaginar como um artista, uma
espécie de escultor. Quando largou os pulsos dela, depois de olhar um bom tempo
para seu perturbado rosto, e que agora possuía uma boca que começava a gritar
demais, resolveu que já era hora de desferir o soco para acalmá-la. O que só a
fez chorar copiosamente enquanto tentava fugir, se arrastando pelo carpete da
sala. A sombra grande do homem que há pouco a beijava suavemente, uma boca que
parecia com tantas outras, surgia a sua frente. E ela já sabia, de algum modo.
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