domingo, 14 de novembro de 2010

Aqueles braços

Joana tinha um rosto atraente, dançava como se o mundo fosse acabar no próximo movimento e tinha um papo interessante, mas havia uma coisa que incomodava aquele conjunto quase tão bem acabado.

Ela tinha os braços gordos.

Flácidos e brancos, redondos, formando uma pequena barriguinha. Só notei isso depois de já estar envolvido seriamente com ela. A época em que nos conhecemos ajudou a me ocultar esse fato: foi no inverno e é natural que as roupas sejam compridas, largas, escondendo a gordura.

Não quero que você leitor, leitora nutra alguma espécie de raiva contra mim, ou que me acha preconceituoso. Não odeio gordos, não tenho absolutamente nada contra vocês. Gosto sim é da harmonia. Há várias mulheres gordas bonitas, mas elas não têm os braços finos.

Entende?

Eu via um erro na composição, no quadro geral. Algo que saiu mal planejado em sua formação genética. Quando conheci os pais de Joana pude reparar que não havia nenhum problema em sua mãe, a não ser na personalidade extravagante, quase vulgar. Mas tratando de seu físico, era quase que perfeito. O problema, o problema com certeza era seu pai. O que me levou a tese de que se o pai tem braços gordos, a filha, provavelmente, herdará os malditos.

Passei noites sem dormir ao lado de Joana, não tendo coragem suficiente para falar sobre esse “problema”. No começo, tentei levar a situação como uma besteira, que seria uma cisma. Depois passei a tentar me enganar dizendo que na verdade eu estava era com medo de me relacionar. Que o problema era eu e não ela. Acabei acreditando nisso um tempo, mas logo depois caiu a ficha de que se não fosse os braços gordos de Joana, eu, provavelmente, estaria completamente feliz.

Então resolvi abandonar as coisas e simplesmente sumir. Encurralado pela fraqueza de não lhe dizer a verdade. Não conseguia pensar em uma melhor resolução para isso. Acabei deixando uma espécie de bilhete, uma nota na realidade, em cima da mesa. Acho que escrevi algo como “Desculpa, mas não posso mais ficar com você. O problema não é você, mas parte de você”. Acho que escrevi isso mais ou menos.

“Parte de você” foi a melhor escolha de palavras. Depois disso comecei a passar mais tempo em casa, troquei de apartamento, porque queria me afastar dela. Para não machucá-la mais e para fugir daquela sensação de abafamento quando pensava nela e nos seus braços. Foi aí que comecei a reparar nos meus também.

Percebi que cada vez mais observava os espelhos em casa, me olhando, olhando os meus braços. Eles pareciam levemente maiores. Levemente maiores a cada vez que eu olhava.

3 comentários:

Laura M.S disse...

Brilhante, Rafael! A Literatura na sua essência. Sem limites e com o gosto de boa história. Uma surpresa formada sobre um enredo gostoso de ser apreciado, enredo capaz de remeter a inúmeros casos diferentes, o que faz a literatura brilhante, pois remete a pensamentos completamente diferentes em mentes com vidas diferentes. Muito bom poder fazer uma leitura dessa antes de me deitar.

Rita disse...

Eu ia dizer alguma coisa, mas a Laura deu cabo da questão. Que bom poder te ler de novo. Eu voltava fielmente aqui, nos posts dos números :)

André Ulle disse...

Muito bom o texto!