A de hoje é bem curtinha e nasceu agora há pouco, quando estava no terraço da minha casa. É o seguinte: de uns anos para cá, a nossa casa cresceu bastante, graças ao esforço dos meus pais foi possível expandi-la. O crescimento da nossa residência também forneceu uma bela vista. É possível ver boa parte da cidade, mas eu sempre gostei mais de olhar o céu.
E é noite de ano novo e estou com aquela sensação de esperança maravilhosa para o próximo ano.
Comecei a pensar que há muito em comum entre crescer e saber observar aquelas coisas que realmente importam. Alcançar as estrelas. Amadurecer e sempre almejar mais, mas também selecionar o tempo para tudo que faz a vida valer a pena.
É isso que eu quero levar para a frente, para todos esses próximos 365 dias.
Um ano se passou desde que comecei a escrever essa “coluna” dentro do Contagens e muita coisa aconteceu na minha vida profissional, acadêmica e conseqüentemente no modo como eu vejo o jornalismo. Cada vez mais me encontro imerso nessa profissão gostando principalmente do trabalho de apuração. ,
Talvez devido ao desafio que o jornalismo nos propõe quase que diariamente. Sugerir a pauta, ir atrás da fonte, conseguir entrevista, escrever a matéria, tudo às vezes em apenas um dia. É verdade. Aprendi isso trabalhando agora em um jornal diário, minha primeira experiência mais profissional.
2009 começou com a minha saída do Jornal da Universidade, onde me encontrava desde julho de 2008. Encontrei ótimas pessoas lá e que realmente me ajudaram durante a minha passagem . Falo mais: o JU, como é carinhosamente conhecido, é fantástico porque ensina também a produzir com mais profundidade. Uma vez que a peridiocidade é mensal, tem-se mais tempo para trabalhar o texto, planejar as estruturas para atrair mais o leitor. Acredito até que poderia ser tratado como uma revista, apesar de o formato ser o de jornal.
Depois de me despedir do Jornal da Universidade, consegui uma bolsa de pesquisa em jornalismo cultural lá na Fabico, com a ótima professora Cida Golim. O tema da sua pesquisa era o jornal Diário Do Sul, exemplo de bom jornalismo cultural produzido aqui em Porto Alegre na década de oitenta. Ler os artigos, as monografias e as várias entrevistas que eles já haviam feito sobre o assunto só me empolgava a querer fazer um jornalismo cultural de qualidade. Por outro lado, percebi também que não seria um bom pesquisador, ou pelo menos não agora: prefiro tentar trabalhar nas redações primeiro.
Após sair da bolsa, fiquei um tempo parado, só estudando e então consegui um estágio na editoria de Cultura do Jornal do Comércio, na qual estou até agora. E gostando bastante como disse antes. Bom, vou me despedir dessa coluna, ela não fará mais parte do Contagens, agora será publicada a partir de fevereiro provavelmente em um novo blog que estou produzindo apenas sobre jornalismo, ele ainda está em construção, mas o endereço será esse aqui: www.gloriosojornalismo.blogspot.com
Espero que continuem me acompanhando nessa nova empreitada!
Pode entrar. Eu já arrumei toda a casa, troquei os móveis e as cortinas, coloquei novos lençóis. Também comprei uma roupa especial só para te receber. Abandonei o passado, disse obrigado e falei “até nunca mais”, abanando. Foi bom, mas com você será muito melhor. Sim. Eu já fiz todas as listas possíveis das coisas – tudo, tudo – que faremos juntos. Enumerei os livros, os filmes, as atividades, esbocei os planos mais mirabolantes que já ouviste falar. É, verdade, pode entrar. Que a porta já está completamente aberta, é só chegar. E mudar tudo novamente, transformar o marasmo do fim em aquele turbilhão do início, cheio de possibilidades – que todos vão adorar. Solta os ponteiros, porque é praxe, mas a vida sempre tem reinício, a vida sempre tem mais uma chance. Não se acanhe, pela última vez antes do fim geral: Pode entrar.
Vinte minutos para o natal, quando eles se encontram sem querer no refeitório da redação. Um fotógrafo que também foi obrigado a trabalhar durante a festividade havia preparado o café. O cheiro forte contrastava com o odor dos perus de todas as casas que cercavam o prédio do jornal. Ela nunca soube o que falar, ele só gostava de falar sobre si mesmo. Ficaram naquele marasmo por entre abraços verdadeiros pelo lado dela, falsos pelo lado dele, e obrigatórios pelo lado do natal.
Ela trouxe um presente, na realidade era um pequeno poema que escrevera dias antes, quando pensara nos olhos dele, seu colega de redação, mas de diferente editoria. Ela gostava de escrever poemas, apesar de o jornalismo mandar ser objetivo. Ela também gostava de sorrir, quando não podia e ao fazer isso mostrava todos os dentes e depois fechava devagar, como em câmera lenta. Ele dava abraços falsos de natal em todo o mundo.
Mas ela acreditava que o que recebra tinha sido verdadeiro.
O poema estava no bolso e falava algo sobre ser natural, falava sobre olhos e as diferentes posições em que ele sentava na cadeira de sua ilha, na sua editoria. Tudo que ela observava. Teve a ideia de aproveitar o momento em que ele não se encontrava no seu lugar e deixar a carta, com o texto, em cima do seu teclado. E foi o que fez, sorrateiramente, como se abandonasse toda a esperança em cima das teclas.
Ele voltou para a mesa lá pelas dez para a meia-noite, ele e os abraços falsos que havia acumulado. Ele e a maldita irritação de ter que passar a data naquele jornal que o pagava tão pouco e que pedia tão muito. Passou quase que reto por ela, mas olhou de relance, ela não percebeu. Depois baixou os olhos ansiosa pelo resultado de sua tão arriscada decisão. Ele sentou na cadeira ajustada, empurrou a carta para o lado, como se nem percebesse, como se quisesse escrever para apenas ir embora e continuou a trabalhar. Interruptamente.
Foi aos 14 anos, depois de muito latir no pátio dos fundos de uma casa que existe há quase 50 anos na rua Tomaz Edison em Porto Alegre, que o cachorro de nome Branco, mais carinhosamente conhecido como Branquinho, faleceu na tarde de hoje. Não era daqueles cachorros mais amáveis, que aceita carinho por qualquer besteira: era preciso conquistá-lo aos poucos. É verdade que a velhice o deixou mais tenro e mais suscetível a afagos pedintes. Mas no fundo dos olhos já esbranquiçados podia-se ver o velho orgulho ainda forte. Aliás, forte era uma boa palavra para determiná-lo. Nem o câncer na próstata o impedia de tentar levantar nos últimos dias. Era triste vê-lo deitado, abatido por uma doença que se propaga rapidamente e o pior de tudo, silenciosamente. Exatamente o contrário da sua personalidade, sempre latindo, sempre alerta. Agora, os moradores da casa de meio século da rua Tomaz Edison não sabem como vão conseguir dormir sem o conhecido uivo noturno que os acompanhava há tanto tempo. Ele não deixou filhotes, infelizmente não propagou para a humanidade um pouco da bravura – que tanto falta a alguns indivíduos.
Hoje fui até a Ilha das Flores, aquela mesma do famoso curta do Jorge Furtado, para tirar algumas fotos que faltavam para a matéria que produzi com o meu colega Arthur Dias para a próxima 3x4, revista semestral da Fabico. Resolvemos tirar a foto de uma flor da ilha, porque fechamos o texto da matéria com o título desse post, logo seria coerente para ilustrar. Mas depois de tirar essa foto pensei que poderia ser qualquer flor em qualquer lugar, uma vez que não dá para identificar a partir dessa imagem que estamos realmente na Ilha das Flores. Deveria eu colocar um cartaz escrito o nome da localidade ao lado? Obviamente que não. Acho que é por aí que se dá o laço de confiança tão perigoso, mas tão necessário na nossa profissão. Daí que vem a ética junto e tudo mais. Claro que se eu ilustrasse a matéria com uma foto tirada no jardim da minha vó poderia funcionar, mas seria falso, totalmente fake. Pelo menos fomos lá, nesse calor horrível. Era necessário.
Se me dissessem dois anos atrás que eu teria um blog que iria durar dois anos, atualizado frequentemente e bem visitado eu não acreditaria. Mas aqui estamos nós, nessa empreitada chamada Contagens que se revelou muito mais do que um simples blog, mas também uma extensão de muita coisa da minha vida. Talvez porque eu leve tão a sério a arte de escrever. Queria agradecer as pessoas que gostam de ler o que eu escrevo e que comentam, e aquelas que ficam pouco segundos na página, todas aquelas que passaram por aqui e que não passam mais. Todo mundo.
Fiz um top 15 das minhas postagens por ordem de importância/favoritas para comemorar os dois anos de aniversário do blog. Foi muito difícil fazer isso mas aí está. Provavelmente cometi alguma injustiça, mas não sei. Prometo revisitar esse top daqui algum tempo.
"Cavalos. Era essa uma das pautas que a professora da cadeira de reportagem em Jornalismo Impresso nos passou em aula. Só isso. Cavalos. E listou mais umas vinte. Havia outras também estranhas, como milho, batata, violão, perdizes. Quem já escreveu alguma coisa sobre perdizes? Um animal quase em extinção. Mas não pensei na ave, os cavalos não saíam da minha cabeça. Logo me surgiu uma possível história - sempre surgem elas, antes de tudo." Fiquei orgulhoso da reportagem que produzimos para a cadeira de redação jornalística II e nesse post falo um pouco sobre o making of dela. Importante porque foi ali que comecei a gostar mais do fazer jornalístico.
"(...)Depois eu deitei na nossa cama, na qual dormimos nossas 8 horas regularizadas e somos despertados diariamente pelo alarme do celular. O celular dela, só para deixar claro. O celular e os verdes dela. É por isso que eu minto tanto. O passar dos dias, beijos triviais. É por isso que eu minto tanto. Noite que cai, nosso amor só com paz. É por isso que eu minto tanto nesses dias iguais."
Tenho uma particular afeição pelo final desse texto. O início é bem simples e a história um pouco boba, mas gosto do modo como consegui deixar poético, sem beirar ao sentimentalismo exacerbado de outras horas.
"Sempre achei semelhante o processo da escrita e o de saber a importância de uma pessoa. Quando termino de escrever um texto e preciso relê-lo muitas vezes para que goste, é sinal de que há algo errado. Bem errado. Significa que ele simplesmente não está excelente, porque o texto com qualidade é aquele em que lemos e que não precisamos tentar nos convencer de que está bom."
Uma das mais recentes teorias e que também explica bastante da minha visão, de como vejo o mundo. Observo e gosto de explicar as situações através da literatura, do texto. Nesse caso faço uma comparação entre o processo de conhecer uma pessoa e o processo de escrever um texto, ao meu ver, semelhantes.
"(...)Foi a paisagem noturna que me ajudou realmente a me enxergar. Pude me ver com outros olhos (ou com os olhos do outro), mesmo que infimamente. Acredito que meu outro esteja na noite, no cheiro dela, no modo como ela se espalha pelo céu fechando o sol, iluminando de um modo diferente as pessoas, quieta, insolúvel, necessária."
Esse post entra no top porque é um dos primeiros que mostra uma das características que eu gosto de explorar nos textos. O outro lado, o duplo, aquilo que nós também somos, mas dificilmente revelamos. Nesse caso, fui mais explícito dando um exemplo próprio.
"O problema é o tempo. As horas tendem a não combinar com os acontecimentos (pelo menos no meu caso). Sempre quebradas em vários terços diferentes, que teimam em se enrolar nas minhas mãos, no pescoço."
Esse obstáculo mostra o tempo como carrasco. Gosto do texto, porque ele é bem amarrado, fechado nele mesmo. Muito ritmado também, a solução que encontrei para a falta de tempo é a literatura, só ela pode cristalizar e parar os momentos.
"Foi por entre o forte cheiro de café, no meio das cascas de pão que preenchiam a mesa e ao redor do som das notícias espalhadas pelo rádio que eu percebi. O dia lentamente acordava, quando Aline chegou-se para sentar à mesa, ao meu lado. Trazia com ela a cara de sono, as leves olheiras brotando por baixo dos olhos castanhos claros, e o seu corpo vestia uma das minhas camisetas – que nela tornava-se larga o suficiente, confortável o suficiente...."
Ah, sempre achei bonito o cotidiano e para mim nada mais normal do que um café da manhã. Ao mesmo tempo gosto quando as ações emergem da simplicidade, e nesse caso a simplicidade venceu as notícias ruins do radio, a mesa, tudo, tudo.
"Já disseram que o universo está expandindo. E eu falo mais: todos nós estamos nos afastando também. Pouco a pouco, talvez, mas cada vez mais indo embora por completo. Não encaro mais as coisas como simples proximidades, as pessoas se conhecem, mas não permitem mais se aceitarem inteiramente..."
Uma das minhas primeiras teorias e das que mais me agradam. Acredito que consegui ponderar entre o que sentia no momento com bons argumentos. A linguagem é simples, mas não simplória e pinta um belo retrato das falsas aproximações.
"Você não fuja da minha história, desejo que saiba a causa deu ter feito isso. Não, não levante da cadeira, trate de se sentar, não quero esse medo escancarado no rosto do homem da cidade. O que vão pensar de mim lá no seu jornal? Mas chega de trela-trela. O que se sucede é que o que houve não era algo planejado; e nem foi pensado em última hora. Simplesmente aconteceu, tal qual o cavalo aprende a estancar de pé, a galopear e depois sai andando pelo campo afora. Até encontrar uma portera fechada, daí, só daí, ele se acalma.. A gente é e não é..."
É importante porque foi a primeira postagem temática e uma das que mais gostei. Talvez o texto deva ser mais elaborado e melhorado no futuro, mas a ideia de máscaras havia me inspirado a mais uam vez escrever sobre aquilo que não beira a superfície. Nesse caso a estranha história de um senhor de uma cidade do interior.
"É estranho perceber quando a paixão acaba por uma pessoa. Você pode deixar de se sentir apaixonado por alguém porque a imagem idealizada que você construiu na sua cabeça, por qualquer motivo simples, desapareceu. A paixão é muito frágil e tem tempo contado..."
Esse post é importante para mim, pois me ajudou a organizar os pensamentos naquela época. Eu que sempre precisei colocar tudo no papel primeiro para depois pensar em como agir. Escrever sempre foi um refúgio e uma solução.
"Eu te amo./E não é nem meio dia./Imagina quando chegarna metade da nossa vida..."
Um poema onde a temática é o amor fazendo uma analogia com as horas do dia. Gosto dele, porque ele é simples na linguagem, mas um tanto rebuscado na forma e no arranjo, justamente o modo como gosto de escrever poemas.
"(...)Quanto mais você ultrapassa as camadas, quanto mais descobre as pessoas, maior tendência você tem a se apaixonar. John Lennon estava certo quando dizia que você tem que esconder o seu amor: encontra-se aí toda a graça da vida, esta aí o motivo principal de existir."
É uma das minhas teorias em que consegui elaborar mais sobre o tema e foi onde ganhei mais gás para manter essa postagem mensal. E é realmente uma das teorias que realmente se comprova na minha vida. Ainda acho que o amor vem em ondas e mantém o mesmo trajeto, passando por várias camadas. É aquela ideia sempre presente nos meus textos, em que você tem que ultrapassar as camadas mais superficiais para encontrar a narrativa certa. Ou nesse caso, o amor.
"Ela chegou lá pelas 22 horas e foi embora às 2 da manhã se segurando – quase caindo pelos lados e sorrindo de ponta a ponta – no pescoço de um cara que bem poderia ser o seu pai. Estava enfiada em um vestido bem curto, meio apertado e todo preto. Não sei o que os seus pés usavam, porque para eles nem olhei. Fixei observação em suas coxas, na tez branca lisa, na quantidade exata de pele em um espaço milimetricamente moldado..."
Um dos meus textos favoritos, a começar pelo título. Acho que aqui utilizo bem uma característica que sei que é uma das minhas maiores qualidades. Explorar uma cena minuciosamente e a partir dela exibir todo um conjunto maior. Do pequeno para o amplo. As coxas brancas surtem efeito avassalador em um homem totalmente acostumado ao casamento.
"E lá vamos nós novamente. Joga a chave da casa para fora. Enche a mala. Pega as suas roupas favoritas. E corta. Lá vamos nós novamente. Faz essa cara de braba, não me perdoa por mais nada. Guarda as mágoas da noite passada. Lá vamos nós novamente. Agora junta todos os sapatos, todos os pertences, pega as jóias que eu te dei e atira no bolso. Da calça jeans surrada. Do tempo que você usava, quando só era minha namorada. Isso. Não faz birra, fazendo birra..."
Outro dos meus favoritos, e mais uma vez sobre um casal com problemas. A história totalmente fictícia fala de um cara que ta acostumado com os erros da relação, com as brigas e sabe que nunca mudará. Vão continuar se desentendendo, mas logo já estarão juntos novamente. O tipo de erro favorito dele. Linguagem simples e ritmada, conseguindo um texto bem dinâmico e rápido. Passando a mensagem bem.
" 'Eu vou contigo para onde tu quiser', ela me diz meio bêbada, entre algumas latas de cerveja, que depois são espalhadas por nós rapidamente pelo assoalho de madeira. A música de mau gosto ainda passeia pelo ar. Assim como os nossos beijos que se misturam sem ordem, sem nexo, confundindo as peles, e contornando a boca, exalando liberdade."
É um dos meus favoritos textos, porque ele consegue ser conciso, denso e aberto. É também o primeiro, talvez em que consegui escrever desse modo. Mostrando tudo, mas também escondendo tudo, não foi fácil até consegui construir um texto curto aberto sem soar estranho; bem como eu queria escrever na época – e como continuo querendo.
"(...)Acho que o meu desafio como jornalista, como pessoa que gosta de escrever, como pseudo escritor (ou escritor que gostaria de ser) é unir esses dois cortes, esse dois jeitos de se ver uma história. A clareza unida a uma sensibilidade atemporal."
Postagem importante porque foi quando comecei a me dar conta de como queria escrever, o começo de tudo digamos assim, de certa forma uma epifania. Pensei em misturar o texto jornalístico, com a sensibilidade da ficção, que sei que possuo. Tudo isso traduzido em um corte diferenciado. Aprendendo a cortar palavras e ideias com o jornalismo, mas também com aquele outro corte, o mais sensível, e o atemporal oriundo da arte literária. É o que tento fazer nessa luta diária e necessária, mas sempre recompensadora.
Trago alguns vídeos do grande guitarrista/cantor/compositor que morreu em 1997, precocemente com apenas 31 anos. Melhor não escrever muito, assim como sua vida curta composta por poucas páginas, é melhor deixar as músicas falarem por ele, e as belas guitarras:
Eu cresci acostumado com o seu barulho ao entrar em casa. Eram sempre os mesmos passos: a batida notadamente forte na porta, a estridente caída de chave metálica na mesa e os seus pés preenchendo o silêncio que a casa entendia. E não era só a casa, todos nós entendíamos também e sabíamos de imediato que você havia chegado, porque a atmosfera nos mudava. A sua presença tão distante fazia contraste com o tanto, tanto, tanto do que nunca dissemos um ao outro. E é assim que a sua imagem permanece em minha mente. Fixa, intragável e sempre longe.
E é assim que ela provavelmente permanecerá.
Não adianta construir uma ponte ou um barco. O tempo já não permite tais intervenções entre as nossas estradas. Tudo apagado pelo que eu gosto de chamar de “blecaute mental”. Tudo diluído pelo que eu gosto de chamar de “contraste relevante”. A gente desliga o que não deve importar. Só me lembro da distância metálica da chave, dos seus passos pela casa e a porta batendo cada vez mais forte. Fechando tudo. A música solitária.
Me peguei olhando para todas as minhas revistas antigas hoje. Abri o meu armário também já surrado – não que eu dê importância para essas coisas: adoro tudo aquilo que tem história. Abri meu passado ao abrir a porta do móvel. Todas as minhas revistas em quadrinhos que eu demorei anos para colecionar e manter estavam lá. Intactas. Muitas revistas de todos os tipos, e que marcaram momentos também se acumulavam nos cantos
Não só elas, várias cartas que recebi faziam-se presentes. Todas guardadas porque ali tem vida, ali tem passado e acontecimentos. Naquelas cartas estão trancados alguns dos melhores momentos que passei. Todos os passeios, as tardes na redenção, algodão-doce, medo, receios, sorte.
Todas aquelas velhices maravilhosas e que me levam ao meu futuro também.
Sim, uma vez que tudo o que vivemos, tudo o que guardamos naquele armário antigo constrói o que seremos no futuro. Ajuda a definir nossas percepções sobre problemas que, provavelmente, passaremos. Dessa forma contornaremos os desafios de um modo mais fácil.
Espero que todo esse meu passado, guie-me para melhores tomadas de decisões, e para mais facilidades em encarar algumas situações. Deve haver alguma coisa nas poeiras dos móveis que podem nos tornar pessoas melhores.
Estou meio que gostando de ser jornalista e isso está me deixando feliz e também preocupado. Serei uma daquelas pessoas sem tempo para nada e totalmente viciada no trabalho? Terei reuniões chatas com os meus colegas, quebrando a cabeça para decidir coisas que as pessoas raramente se importam?
É incrível como o jornalismo sempre me deixou com dúvidas e curiosidade. De certa forma essas duas coisas sempre me atraíram. Acredito que quando eu consigo resolver situações que tenham essas duas características, eu me realizo. Será que um dia poderei resolver o jornalista que há em mim?
Ah, muitas perguntas para poucas frases.
Comecei a me dar conta que estava sem tempo para tudo, quando a minha irmã mais nova, de apenas dez anos reclamou comigo que eu não brincava mais com ela. Que eu não jogava mais bola, ou videogame, essas coisas.
Me senti péssimo na hora, e prometi que tentaria arranjar mais espaço para ela. Comecei a pensar logo depois se o jornalismo me concederá tempo, quando eu precisar. Para a família que um dia eu possa vir a ter...não sei.
São apenas suposições, mas o fato de eu não ter horas para as pessoas que amo não me agrada nenhum pouco. Espero que o tempo me ajude de vez em quando, para transformar as confusões em certezas e assim criar mais e mais momentos livres.
Meu top 5 e também a minha postagem temática será sobre seriados, ou melhor sobre momentos que me marcaram dentro de seriados. É um top bem pessoal e espero que gostem, vamos lá:
(ah, vejam os vídeos também!)
Aquele em que quatro estão na frente (Scrubs)
Minha relação com Scrubs começou sem querer, numa dessas tardes tediosas em que se passa na frente da televisão. Scrubs conta a história de John Dorian, mais conhecido como JD, um estagiário na medicina que começa a ver como as coisas são na prática. Há muito realismo fantástico em Scrubs: boa parte do programa se passa na imaginação de Dorian. Ele é o narrador em primeira pessoa, logo muito da trama é observada do seu ponto de vista. Tanto que o nome da maioria dos episódios começa com o pronome “My”. Exceto por aqueles em que são narrados por outros personagens, se não me engano ao longo do seriado cada personagem tem a chance de narrar pelo menos uma vez. Escolhi esse trecho porque evidencia bem duas características de Scrubs: a ótima utilização de música e as viagens de JD. Esse trecho foi retirado do primeiro episódio da segunda temporada, no final da primeira todos haviam meio que brigado e discutido. Overkill do Men at work funciona direitinho com o momento.
Aquele em que três estão na frente (Barrados no Baile)
Eu tinha 15 anos. Não conhecia muitos seriados, e durante as férias de verão acabei me deparando com o Beverly Hills 90210. No começo tinha um pouco de preconceito, mas com o tempo fui entrando na trama, admito. Alguns episódios eram bem feitos e os personagens, por mais estereotipados que fossem, eram carismáticos. Principalmente a dupla Brandon e Dylan. Tão diferentes, mas bons amigos. Brandon era o estudioso, bom moço e esforçado. Tinha aquele charme de vir de uma cidade de fora e de não ser tão rico quanto os outros (embora não fosse nenhum pobre). Já Dylan era o esperto, gostava de viver perigosamente, e costumava fazer sucesso entre as mulheres com aquele estilo playboy bad boy rico. O legal é que todos os personagens mudaram muito com o decorrer da série. Escolhi uma parte da sexta temporada, onde Dylan perde a esposa assassinada, na verdade era para ser ele o morto. Eles haviam casado no mesmo dia. Seu amigo Brandon está lá com ele, quando Dylan encontra sua mulher assassinada. Ele havia perdido o pai recentemente também. Atordoado, ele resolve abdicar de sua vida em Beverly Hills e se manda na manhã seguinte com sua moto, pela estrada, sem se despedir de quase ninguém. Não sei porque essa cena me marcou tanto, talvez fossem os meus quinze anos, mas o sofrimento de Dylan seguido por uma cena dele indo embora de moto no horizonte me parecia – e me parece ainda – muito bem feita. Talvez porque seja a despedida de um bom personagem, que depois acabaria voltando, mais para o final da série.
Aquele em que dois estão na frente (Twin Peaks)
O que pode surgir quando um diretor como David Lynch resolve fazer um seriado? Uma trama elaborada, complexa e instigante, é claro. Mas somente esses adjetivos, que todo mundo sabe que caracteriza a obra do americano, não são capazes de definir Twin Peaks. Ainda há o humor negro, os personagens fantásticos e interessantes, capazes de amarem a simples sensação de tomarem um bom café preto (more black than a night!, como dizia o agente Cooper). Este último, aliás, é um dos grandes personagens criados nos últimos 20 anos em seriados. O agente especial do FBI agente Cooper não era nada arrogante e usava métodos de apuração e investigação inusitados. Ele seguia os rastros que apareciam em seus sonhos e também se utilizava da filosofia hindu para dar base as suas investigações. Quando chegou à pequena cidade de Twin Peaks para cuidar do caso do assassinato de Laura Palmer, foi possível observar o impacto que a sua presença causou no local. Escolho uma cena clássica dentro do seriado, quando Dale está sonhando e recebe várias dicas do assassinato. E quando escrevo dicas refiro-me a um anão de terno vermelho dançando bizarramente e falando ao contrário, uma Laura Palmer morta, mas ainda sensual, beijando um Dale Cooper 25 anos mais velho e falando coisas aparentemente sem sentido e um estranho cabeludo gritando. Sim, é Lynch. Fazer o quê?
Aquele em que um está na frente (The Office)
The Office é um dos seriados que me pegou direitinho nesses últimos tempos. Meus amigos comentavam bastante sobre ele, mas ainda não tinha tido tempo ou relutava em assistir. Acabei baixando e me viciei. Todos os personagens são ótimos e as situações criadas são bem diferentes das comédias que até então eu havia visto, tudo parece mais humano. Em The Office você aprende a rir da vergonha alheia e do humor por muitas vezes quase cruel. Principalmente na figura do gerente Michael Scott, interpretado por um genial Steven Carell (fez filmes como Um Virgem de 40 anos, Pequena Miss Sunshine). O chefe do escritório é uma daquelas pessoas extremamente carentes e solitárias, que tenta ser engraçado e que se acha muito engraçada, mas a maioria das vezes não consegue agradar. Ou melhor, consegue sim: acabamos rindo desse seu jeito bitolado e depois de um tempo acabamos gostando dele e de certa forma o entendendo. Não poderia deixar de falar do Jim e da Pam, obviamente, um dos casais mais bem bolados e bem amarrados dessa safra de seriados dos últimos cinco anos. Depois de um tempo de idas e vindas, de acertos e desacertos, eles acabaram se casando. Escolhi esse momento, porque na realidade foram dois casamentos. Um em um barco nas Cataratas do Niágara, longe de todo mundo, só eles. Não é isso que realmente importa? Ah, e depois eles se casaram na igreja também...mas foi mais uma formalidade e ao som de Chris Brown ainda. Imitando o famoso vídeo do Youtube. Fantástico!
Aquele em que ninguém está na frente (Friends)
Friends foi um fenômeno da cultura pop na década de noventa até metade dessa década. Para se ter uma ideia em sua última temporada, cada um dos seis atores recebiam cerca de R$ 1,000,000 de dólares por episódio. O que eu achava mais interessante em Friends é que não havia um protagonista fixo: tinha espaço para cada um dos seis amigos desenvolver a história. Tanto que todos eles tiveram seus momentos de protagonistas dentro do seriado. O casal Ross e Rachel talvez tenha sido o mais atrapalhado e o mais cheio de problemas no relacionamento. Escolhi um momento muito bom dos dois, quando eles finalmente ficam juntos pela primeira vez, e a Rachel entende que o Ross gostava dela há muito tempo, desde o colegial. Só vendo mesmo. E o vídeo esta aí em cima para isso. =)
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Sugestão de tema: Dança
Essa postagem faz parte do projeto Blogsintonizados.
Entre lá, leia o editorial e participe você também.
Ele me perguntou no meio da rua. Não fumava, na realidade achava um nojo aquele vício, mas também não comentei. Apenas coloquei as mãos no bolso do casaco em tom de protesto, abanei a cabeça e respondi que não. Continuei a caminhar.
Era meio dia e meia e eu ainda não havia almoçado. A fome é uma das poucas coisas que me deixa irritado – além do calor e das frescuras. Graças a alguma entidade superior não era verão. E eu não era um cara de frescuras.
Caminhando até o restaurante mais barato que eu conhecia, um dos meus calçados grudou em uma laje do chão. Certo que era velho, sujo e maltratado, mas eu gostava daqueles tênis. Foi com esforço que lutei contra a maldita laje e desgrudei o sapato, que por sua vez perdeu a sola. Essa ficou grudada no chão, presa ao planeta Terra.
O cara do cigarro só observava a minha cena. Ria contido e merecia uma boa surra. Filho da puta a gente conhece de longe. Fui ao seu encontro assim mesmo sem um par de tênis e o derrubei no primeiro soco. A boca cheia de sangue agora não poderia fumar mais nenhum maldito cigarro.
Foi por entre o forte cheiro de café, no meio das cascas de pão que preenchiam a mesa e ao redor do som das notícias espalhadas pelo rádio que eu percebi. O dia lentamente acordava, quando Aline chegou-se para sentar à mesa, ao meu lado. Trazia com ela a cara de sono, as leves olheiras brotando por baixo dos olhos castanhos claros, e o seu corpo vestia uma das minhas camisetas – que nela tornava-se larga o suficiente, confortável o suficiente. Toda descabelada, as pernas finas agora se ajustavam à cadeira. Sorrindo como se fosse para sempre, ela pegou a faca e lentamente a passou no pote de margarina , em seguida a atravessou em um pedaço de bolo de laranja. A mesa do café até que estava farta. Eu só observava. As cascas de pão doce e as notícias sobre roubo de carros sumiam, quando ela me encarava em tom doce-jocoso, ou brincava com o meu cabelo recém lavado do banho. Assim desse jeito descabelada, com olhar cansado e sincero, assim com o sorriso de quem só quer estar ali, puxando minha mão toda hora, eu sequer pensava nas oito horas de trabalho, nos colegas chatos, nos dois ônibus que teria que tomar. Eu simplesmente não queria sair daquele momento. Talvez tenha sido apenas o efeito da sua mordida no bolo de laranja, mas meu joelho arrastou-se para o chão, e lá pelas oito e pouco da manhã de uma segunda-feira, por entre o cheiro de café, por entre as cascas de pão, por entre as notícias ruins do noticiário, por entre o piso frio da cozinha, eu pedi a mão de Aline – ou os olhos cansados, o sorriso sincero, o jeito de passar a margarina no bolo – em casamento.
Só queria dizer que é bom saber que mesmo com oceano duas horas de diferença do fuso horário frio/calor sol/ chuva dúvidas/certeza o sorriso e a felicidade absolutamente não mudaram
HEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEY, Tom Wolfe está vindo para Porto Alegre na próxima segunda-feira para participar da última edição deste ano do projeto Fronteiras Brasken do Pensamento. O encontro acontecerá no Salão de Atos da UFRGS a partir das 20h.
Quando eu for velho também quero ter uma bengala. e ser estiloso assim.
Depois do parágrafo explicativo é com muita felicidade que matarei uma cadeira lá no Vale (cadeira que não posso mais matar, aliás, mas vou conversar com o professor) para ver o escritor norte-americano daqui quatro dias. E melhor ainda, vou à entrevista coletiva que ele concederá às 17h, antes da palestra. Imagina, há cerca de seis meses nem sonhava em ver Tom Wolfe por essas bandas, agora tenho a chance de fazer uma pergunta para ele.
Isto é, acho que não arriscarei em fazer uma pergunta, já estou plenamente satisfeito em acompanhar a cobertura. Só a chance de observar o velho jornalista escritor falar sobre o Espírito do Nosso Tempo (o tema do seminário) já ta valendo.
E isso tudo é a cereja sob o bolo que é o meu estranho bom momento no jornalismo. Eu que sempre relutei em me aceitar nas condições de um jornalista, vejo-me cada vez mais nesse mundo e cada vez mais sendo sugado por ele. E estou gostando. Serei eu uma espécie de ser depreciativo que acaba gostando de sofrer pelos prazos?
Não sei, mas concordo com a minha professora Márcia Benetti, quando ela disse recentemente que jornalismo não é apenas uma profissão, mas um estilo de vida. Você não consegue sair do seu trabalho, e desligar-se completamente do jornalismo, uma vez que o material bruto da nossa profissão é justamente o que acontece no mundo. Somos jornalistas em tempo integral, a toda hora pensando na sua pauta e no que pode fazer para melhorar aquele texto.
Ninguém se dá conta, mas a chuva é talvez o único fenômeno da natureza que pode petrificar, ou consolidar momentos. Um dia ensolarado acaba, assim como uma noite cheia de estrelas: esses tempos têm horas contadas para existir, mesmo que depois surjam novamente. A chuva não. Ela não tem prazo de validade; pode aparecer durante o dia e durar até o fim da noite, e continuar. Ninguém comanda a chuva e nem há hora marcada para a precipitação. Fora que ela inspira alguma sensação que o corpo reconhece de imediato, é claro. Uma vez que a a água é uma balizadora, a fonte da vida, a substância química mais importante do nosso corpo. Ela acaba atraindo os nossos pensamentos mais profundos. Talvez por isso você fique com aquela sensação melancólica doce quando a chuva fina começa a bater na janela do seu quarto. Essa sensação sempre me pega. É a chuva te lembrando que é possível ser eterno, é a chuva que marca os momentos mais importantes. É ela que consolida o nosso tempo, o tempo de cada um. É por isso que eu desejo sempre ótimos dias com chuvas. Você nunca sabe o que esperar. Pode ser que dure para sempre. Que maravilha, né?
Sugestão: Top 5 (fazer um top 5 sobre o assunto que você escolher)