Esse foi o ano em que eu cometi um erro de informação, esse
foi o ano em que eu fiquei confuso com quase tudo, foi o ano em que acabou uma
importante relação. De 2013, vou levar um misto de receio, solidão e incertezas.
Esse foi o ano em que eu recuperei a vontade de fazer
jornalismo, foi o ano em que eu me aproximei ainda mais dos meus amigos (e fiz novos),
foi o ano em que a vida mais me moldou. De 2013, vou levar um misto de alegria,
certezas e aberturas.
Ninguém é feito só de coisas boas ou só de coisas ruins, por
mais que a gente venda apenas o que acontece de positivo conosco –
principalmente nas redes sociais. Tive momentos bem ruins, inclusive, e em
maior escala do que os bons em 2013. Deixei de escrever durante muito tempo,
deixei de acreditar nas minhas qualificações, neguei trabalho, neguei amores, abracei
o descaso, abracei o desânimo. A maioria por medo, e o medo veio da falta de
certeza que os términos trazem. Fui negligente com algumas pessoas, tive
inveja.
Em uma época que cada vez mais abafamos o que temos de “ruim”
(mas que também constituem o que somos), e nos maquiamos de “super pessoas” para
nos apresentarmos devidamente àquela vaga de trabalho, àquele interesse amoroso,
ou até mesmo para um perfil da rede social, assumir as suas falhas é cada vez
mais complicado.
Venho pensando, entretanto, que somente soltando e
entendendo o que de pior há em mim será possível saber quem eu realmente sou.
Não escrevo isso, então, como um exercício de exibicionismo
torto, mas porque sinto que é necessário e, também, para deixar registrado que um
ano ruim é normal. E que atos falhos acontecem, é só não deixar que eles tomem
conta de si – e te atrapalhem depois.
Mas falar isso é fácil.
Não sei onde as
pessoas encontram forças, onde encontram os ânimos para seguir adiante. Venho
descobrindo, entretanto, como isso funciona em mim e acho que passa por
abandonar o que não me faz bem, por se arriscar mais e saber registrar o que
deve ser registrado. Sobretudo, escrever. E 2013 precisa ser registrado para que o ano que vem seja diferente.
Aposto que você não está fazendo nada do que disse que iria
fazer, quando resolveu sair lá de casa. Ah, sim, eu me lembro como se fosse
hoje – apesar de já fazer um tempo. Precisava ter novas experiências para se
conhecer melhor, precisava cair no mundo para ver se se reconhecia nele (sei que
não foi bem nessas palavras, mas foi quase isso). E isso tudo não dava para
fazer a dois, obviamente. E então eu gostaria de te perguntar: você está tendo as
tais novas experiências? Você está enlouquecendo na vida? Fazendo aquelas
coisas que você queria ter feito e não conseguiu porque é toda problemática, ou
simplesmente por ser medrosa? Sei que é meio ridículo perguntar, mas é que
sinceramente estou curioso em relação a isso tudo. Mas essa é uma carta que não será entregue,
porque eu não preciso que ela seja entregue, eu só preciso que a pergunta fique
no ar, que saia de mim e se espalhe por aí, para morrer em seguida, espero. Para
morrer em algum lugar entre esse apartamento meio abandonado e um carteiro
gordinho que entrega a sua carta no início da tarde. A verdade é que ela morre
aqui no papel, no ponto final.
Nesse outubro, a peça “Bailei na Curva”, do diretor Julio
Conte, está completando trinta anos. A obra é considerada um clássico moderno
do teatro gaúcho, que influenciou e mudou o panorama das artes cênicas aqui no
estado, inclusive, fazendo sucesso em outros lugares do País. Porém, mais do
que toda essa importância para o campo social e cultural, “Bailei na Curva”
também tem papel muito importante para mim, explico: foi o tema da minha
primeira matéria para um jornal, cinco anos atrás, justamente sobre os 25 anos
da peça.
Meu primeiro estágio, na realidade, foi no Rádio da
Universidade (UFRGS), na qual o então diretor André Prytoluk, professor do
curso de Publicidade da mesma instituição, me deu a vaga após uma breve
conversa. Fiquei por lá por cerca de seis ou sete meses, apesar de ser um bom
legal para aprender, eu tinha um grande interesse em descobrir o jornalismo
impresso – e o Jornal da Universidade parecia o lugar ideal para isso. Aí,
acabou surgindo uma vaga por lá, e como a seleção ainda não era realizada por
testes, acabei sendo indicado pela Sandra de Deus, então secretária de
comunicação e também professora da UFRGS, para uma vaga no JU (apelido
carinhoso do impresso).
E, então, tudo começou de fato para mim. Acredito que foi
por lá que moldei algumas das minhas crenças e costumes que carrego comigo até
hoje, nesse pouco tempo de “carreira” (não gosto muito do termo, mas...).
Conheci excelentes profissionais, em especial a Ânia Chala e a Caroline da
Silva. Apesar de, no nome, ser um jornal, na verdade a publicação está bem mais
para revista, em seu espírito editorial e tempo de publicação (é mensal). Talvez
pelo maior período de apuração e edição da matéria e também mais espaço (é um
jornal padrão standard), sentia-me mais propenso a ser criativo e, como era a
primeira matéria que ia produzir, queria que ela ficasse muito boa - então,
realmente me puxei. Não me recordo exatamente como essa pauta caiu para mim,
mas era na área da cultura, e me lembro de que sempre quis trabalhar por aí, então
fiquei muito satisfeito. Havia visto a famosa peça no colégio, mas não me
recordava exatamente dos detalhes e do contexto. Encontrava-me no terceiro ou no
quarto semestre da faculdade, ainda não tinha aulas mais técnicas de texto. Foi
tudo no feeling apoiado na ideia de escrever uma matéria interessante, em três
atos, fazendo uma espécie de brincadeira com o roteiro de uma peça de teatro.
Entrevistei quase todos os atores da primeira geração do espetáculo e alguns da
nova, assim como o crítico Antonio Hohlfeldt, o ator Zé Victor Castiel e, é
claro o diretor Júlio Conte (escrevi sobre essa experiência aqui).
Realmente entrei na história e produzi um texto gigante e, claro, um pouco
pretensioso, acho que tinha algum parêntese no título, originalmente, e também
tinha a ideia de fazer o primeiro parágrafo de cada cena, como se fosse
descrevendo a época, no mesmo formato de um roteiro de uma peça. Na minha
cabeça ficava bem...
É aí que entra a importância da Carol, que me ajudou
bastante durante a produção dando dicas de como seguir na matéria e de quem entrevistar
e orientações do texto também para buscar aquela almejada clareza e tirar os
preciosismos, que não combinam necessariamente com um texto jornalístico – ou sim,
depende do momento. Também, é claro, orientação da Ânia, e a edição do texto principalmente
pós-produção, deixando mais limpo e coeso, e me chamando para me orientar,
quando fazia isso. É o modo como um editor deve agir, ainda mais com um
estagiário que, em tese, está aprendendo. Descobri que jornalismo se faz em
conjunto. Por essas e outras, o JU foi um grande lugar para trabalhar. Por
essas e outras, eu gostei da ideia do jornalismo impresso, da área cultural. Uma
das coisas que me marcou nessas entrevistas sobre “O Bailei na Curva” era o
modo como eles acreditavam naquilo que eles criaram, a força da expressão
artística e da criação sempre me interessou e, nesse momento, aquilo me
despertou para o jornalismo cultural também, e toda a sua responsabilidade de
ser algo além da simples divulgação. Começava a criar em mim a crença de que o
aprofundamento é algo necessário no jornalismo, o ímpeto de que a reflexão
sobre a pauta e o objeto a ser discutido deve ir muito além do que a simples
informação – apesar, é claro, de entender hoje que tudo é necessário.
Mas foi por lá, em algum momento nessa matéria, que tudo
começou a se formatar para mim. Se eu pudesse falar com o Rafael Gloria daquela época, eu agradeceria.
Se não me engano, comecei a frequentar festas com 14 ou 15
anos, tendo agora 25 outonos, posso dizer que em dez anos já fui em muitas,
muitas festas. Festas sempre me causaram alguma sensação, seja um estranhamento, epifania,
diversão, raiva, carinho, tristeza, paixão. É. Não entendo a aversão que algumas
pessoas têm a festas, acredito que seja um ótimo campo de estudo do
comportamento humano. Esse também é um dos pontos que mais me interessa aqui.
Não importa o tipo de festa, mas, mesmo assim, vou enumerar alguns elementos
para classificar o conceito de festa que estou me referindo. Elas acontecem à
noite, em um clube ou ambiente fechado (residência), há bebida alcoólica, você
está pagando para entrar e o som é mecânico, ou há um DJ tocando.
Acredito que quase todo mundo já frequentou uma assim.
Explicando um pouco desses elementos, todos eles contribuem
para influenciar um estado diferente na pessoa. A noite sempre foi um aspecto
interessante, primeiro porque ela é misteriosa e complexa por excelência, e
principalmente porque durante o dia, normalmente, estamos presos às obrigações
corriqueiras – seja no trabalho, ou estudando. O dia é onde funciona o sistema.
À noite também, é claro, mas ela é mais livre, suas horas não são contadas no
fundo de previdência, então, a princípio, é um lugar propício para a pessoa ser
mais autêntica, para assumir comportamentos diferentes do cotidiano. Delimitei
o espaço de um ambiente fechado, clube ou residência, porque festas em ambiente
aberto têm outra proposta – talvez mais interessante que as fechada, mas não é
o caso da discussão. Delimitar um ambiente já é delimitar barreiras para uma
festa, e isso é o aspecto interessante aqui. É uma festa “fechada”: aquelas
pessoas estão ali para serem notadas, e notar alguém. Parece-me, inclusive,
quase claustrofóbico pensar que se está em um ambiente assim, quase sempre
cheio e com música alta – e que você está pagando por isso. O que me leva ao
fato do dinheiro. Festa é também um produto, pensada para ser vendida e
consumida; sim, há um publicitário por trás da temática da festa, que está
fazendo o trabalho dele tentando comercializar aquele conceito para você. E
você deve pagar para entrar naquele mundo (festa) criado nos cartazes e nas
redes sociais. Só que o ato de pagar já nos traz a ideia de que temos que
conseguir algo em retorno. Não parece coerente? Você vai ao supermercado para
comprar batatas, para matar sua fome, e você paga por aquilo. Você vai a uma
festa para quê? Qual o intuito? Diversão? Conhecer outra pessoa? Dançar? É
muito mais abstrato e também mais interessante, já que não é garantido que você
vá sair satisfeito. O som deve ser mecânico, sem apresentação ou shows, porque,
daí, já se perde a característica de festa no sentido mais clássica. Se fosse
um show ou uma apresentação, teríamos um público, uma plateia. E são coisas
diferentes. Por último, e não menos importante, o fator alcoólico, que também é
vendido no local. Em uma festa, é comum a pessoa beber um pouco mais além da
conta. O álcool pode ser transformador, revelador, pode te deixar louco, feliz,
triste. Depende muito do seu estado, e de como ele funciona em você. Então,
beber é uma escolha e de certa forma, pode servir como uma mutação.
Dito isso, vamos para os seis tipos de pessoas que se
encontram em festas (esclarecendo que essas pessoas podem ser você mesmo em
diferentes fases da vida):
O
desiludido feliz ou o triste iludido.
Em toda festa há aquela pessoa
que está puta da cara ou infeliz com alguma coisa na vida e vai para a festa
com o único intuito de esquecer tais acontecimentos. Provavelmente essa pessoa
acordará com uma dor de cabeça horrível no dia seguinte, mas aproveitará a
festa, bebendo um monte, dançando como se não houvesse amanhã e, de repente,
atacando várias pessoas na noite. Cuidado, ou não.
O
julgador
É aquela pessoa que foi arrastada
para a festa, ela não queria ir a princípio, mas seja lá por que motivo
conseguiram levar a criatura até lá. E lá vai ela ficar em um canto, com a cara
emburrada, pensando porque essas pessoas estão lá bebendo, ouvindo música ruim,
etc. Julgando todos os outros a partir da sua visão de mundo.
O
vida loka
É quem está sempre nas festas,
ele conhece todos os lugares que mais bombam na cidade. Conhece os DJS, é amigo
das hostes, e ganha free nas festas. Normalmente, adorado por todos, é ele quem
movimenta a festa e traz o espírito da diversão juvenil e estúpida – altamente
necessária para a vida – ao restante das pessoas. Essa pessoa nunca para, está
sempre circulando na festa e entre as festas.
O
Casal
Essa é para aqueles casais que
são praticamente um só, porque não se desgrudam em nenhum momento. Inclusive
nas festas. A época de sair deles já passou,
de repente já foram “vida loka”, mas agora estão felizes juntos e
assistindo filmes de comédia da década de cinquenta sábado à noite bebendo
cerveja. Mas para mostrar que ainda estão jovens eles vão a festas de vez em
quando. E daí tem vários subtipos de casais em festas, desde os altamente
liberais, até os conservadores. Qual é o seu?
Só
vim para caçar
Outra figura carimbada em festas
é a pessoa que está lá para se divertir, mas também para caçar. Ele(a) não parecem
ficar satisfeitos até conseguirem chegar e trovar a maioria das pessoas da
festa. E não sossega até conseguir ficar com pelo menos alguém. Muitas
vezes acaba se frustrando se sair de mão abanando. Na verdade, tudo isso
costuma esconder uma grande carência.
Mais
uma foto, por favor
Essa é uma tendência nova e que
começou nessas festas de clube e também com o crescimento das redes sociais e
da ideia de compartilhamento. São as pessoas que tiram várias e várias fotos na
festa e compartilham em seus perfis na internet. Nada mais natural na nossa
época e é uma forma da festa se perpetuar a própria festa nos comentários de
amigos e comentário do dia seguinte. Também é uma boa forma de se mostrar o que
está fazendo e dar indiretas para possíveis desastres amorosos. Ou só mostrar
que está se divertindo mesmo.
Acho engraçado alguns textos que são replicados por meus contatos na timeline do facebook. A maioria deles são sobre como os homens deveriam agir com as mulheres, e,
obviamente, a maioria desses textos são escritos por homens que se vangloriam
(mesmo falando que essa não é a intenção) de ter muita experiência com elas.
Por mais que muitas vezes bem camuflados, a maioria desses textos reproduz a
ideia de que há uma receita para um relacionamento dar certo, quando não, não
há receita ou comportamento que vá garantir seu sucesso com o sexo oposto, ou o
sucesso no seu namoro.
Acontece que é muito mais atrativo vender uma ideia pronta.
Um caminho. As pessoas, em geral, são preguiçosas para pensar, ou até para
questionar as próprias pequenas atitudes do cotidiano. Para nós, o problema
sempre é com a outra pessoa. Afinal, o que
eu poderia fazer de errado, não é verdade? Além disso, parece haver uma pequena
implicância com a questão sobre relacionamentos, como se fosse algo típico
apenas ao gênero feminino. Exemplificando, podemos com frequência observar isso
no cinema, com os filmes de romance. De modo geral, há a tendência de que eles
seriam realizados para o gosto feminino, quando o bom filme de romance foca no
relacionamento do casal, nos dois, nas dificuldades, nos bons momentos, nos
piores momentos, na imensa trajetória de suas vidas. Por isso é tão difícil achar
bons filmes desse gênero (e eles existem), e por isso também é muito difícil
achar escritores, textos que transmitam algo que vale a pena ser lido sobre
relacionamentos.
É que falar sobre relacionamentos não implica em receitas ou
em descrever atitudes ou experiências, trata-se de entender uma vida, uma vida
compartilhada. E quando me refiro a entender significa ter experimentado ou
observado algumas situações, e também ter refletido em cima daquelas vivências.
Já que somos seres comunicativos, precisamos de informações e de experiências
para criarmos a nossa visão de mundo, e, consequentemente, para criamos a nossa
visão de um relacionamento. Pode parecer
clichê, mas um dos meus filmes favoritos do gênero é Annie Hall, do Woody
Allen, em que é nos apresentado uma relação contada pelo narrador em off. Desde
o começo do filme, sabemos que eles não acabam juntos, mas, mesmo assim, ele
vai nos apresentando a história. Como se conheceram, o primeiro beijo, as
brigas, etc. É impossível não criar uma afeição pelo casal, por suas histórias –
mesmo sabendo que não vai acabar bem. Tudo isso vem regado a sua ótima reflexão
final, que deixo aqui com vocês:
E é fato que a maioria dos relacionamentos de sua vida não
vai dar certo. Isto é, você não viverá com a pessoa para sempre. Não haverá o
momento feliz, depois de duas horas, como um filme. As coisas simplesmente não
são assim, mas é aí que reside a graça também. A vida está nas entrelinhas e
nos aprendizados quase que diários, em notar as suas evoluções, que você realmente
não se importa mais com algo que lhe incomodava até um tempo atrás. Que você
amadureceu, nem que seja um pouquinho. E
que um pouquinho dos outros ficou em você também. E que tudo isso vai nos
modificando até sermos algo novo, em eterna constância. – ou inconstância. Quanto
a fórmulas ou receitas: uma hora, a gente aprende alguns meandros, alguns
detalhes que se repetem entre as pessoas, mas isso não é uma regra. Não há regras
quando se fala de afeto, não há padrão para o amor.
De repente estava carregando o pai no colo. O nível da água começava a subir cada vez mais, alcançando os joelhos. Ao mesmo tempo, seu pai não parecia seu pai; era ele, mas mirrado, pequeno, frágil. Crescia em seu coração a certeza de que deveria protegê-lo, que deveria continuar levando-o sabe se lá para onde, sabe-se lá com que força. Já era escuro quando o depositou em uma cama branca. A água agora alcançava um pouco abaixo de sua cintura. Visivelmente cansado, sentou no pé da cama e começou a chorar. Não sabia mais o que fazer.
Agora estava com ela novamente. Na cama que dividiram prazeres, carícias e gritos de pesadelo. Deitados no meio da madrugada, ele podia sentir o vento que entrava pelas frestas da janela. Devagar, se insinuando estrategicamente, ela esfregava a as coxas nele. Logo, estavam enlaçados, beijando-se e mordendo-se mutuamente, como se tudo pudesse acabar no dia seguinte.
Via o cachorro de estimação com quem dividiu dezoito dos seus anos. Morrera vítima de um câncer, morrera na sacada de madrugada, sozinho. Se afastando de todo mundo. Mas agora lá estava ele na sua frente, com a língua de fora, os pelos cor de creme, a expressão alegre em vê-lo de novo. Eles ansiavam o toque, mas sempre que chegavam perto um do outro, alguma coisa impedia. Era impossível brincar.
É noite novamente, ele está em movimento. Do lado não há ninguém. Só consegue ver a sombra do motorista. Ele fuma, um cheiro insuportável. Quer falar algo, mas não consegue. Mexe as mãos para alcançá-lo, mas ele sempre desvia. Parece uma brincadeira. Tudo é tão alegre nesse carro em movimento, apesar de só estar os dois. Consegue ver que o homem tem bigode e parece sempre meio sorridente. É madrugada e toca música, toca música bem alto e ele nunca consegue falar nada.
Aos poucos abre os olhos, um faixo de luz, dia novamente.
Gustavo era o responsável pelo caderno de carros do jornal de menor prestígio de Curitiba.
Não recebia muito bem, mas pelo menos podia viajar a convite das empresas.
Fazia o test-drive para depois escrever sobre a sensação de dirigir.
Os carros estavam em várias vezes no jornal.
Terça-feira ele pegou um fiat e quase se acidentou.
Sobre o assunto escreveu uma resenha terrível.
O editor não comprou a ideia.
O carro era popular.
Ia vender, lucrar.
Anunciar.
Julio resolveu ter um carro e juntava dinheiro para um zero.
Barato, mais prestações e propaganda - era óbvio.
Ao sair da loja, uma semana tudo certo.
Até a direção morrer.
Cair no arroio.
Afogar.
Ninguém sabe dizer ao certo o exato momento em que se
apaixona por uma pessoa. Todos conhecemos, entretanto, aquela sensação pulsante que te prende, que
te faz querer estar com o outro. É essa mesma sensação que pode vir a crescer
tanto e unir dois indivíduos antes desconhecidos, ou não, em um relacionamento.
Tenho amigas e amigos, porém, que frequentemente estão em dúvidas, assombrados
por algo que muitas vezes parece se assemelhar a um jogo de caça ao rato, ou
pior, a um jogo de adivinhações, cheio de paranoias e preocupações demasiadas
(ele não me ligou, ela viu a mensagem e não respondeu na – insira a rede social
ou o dispositivo tecnológico aqui – etc.). Quando tudo ficou tão complicado?
Faço um paralelo com a sociedade estadunidense, baseada em
competição desenfreada, maior país capitalista, e, por consequência, um paralelo
com os produtos culturais que ela produz. Muito da linguagem utilizada por eles,quando
falam sobre relacionamentos, vem do jogo, do esporte. Além, é claro, do termo “date”,
o encontro. Parece que há fases padronizadas para se conhecer uma pessoa. “First
base”, “Second Base”, “Third Base”, termos utilizados no Beisebol e também
figuras de linguagem para certos comportamentos, que seriam quase que
cumulativos – do tipo, já estamos no terceiro encontro, então é hora de rolar o
sexo. Como se tudo fosse assim tão regrado, como se existisse uma normatização para
o desconhecido. Quanto a isso, acredito absolutamente que não há, o contato é
anárquico e literalmente revolucionário para o seu sistema. Por isso não há
ordem nesse caos todo.
Há sim evidências, há pequenas pistas, há atitudes sutis que
podem indicar um caminho em comum para ambos. Mas isso deveria vir naturalmente
e sem muito esforço, sem tantas brigas, sem tantos joguinhos, paranoias ou
padronizações. Há gente que valoriza demais a dificuldade em conquistar alguém,
a dificuldade em manter aquele relacionamento, quando o contrário me parece bem
mais necessário. A leveza é sempre mais interessante e, no final das contas, não
gera tanto ressentimento. Minha experiência, pelo menos, sugere isso: todas as
mulheres importantes da minha vida até então simplesmente demonstraram
interesse também – sem tantos jogos, sem tanto medo.
Não posso relatar com
certeza o exato momento em que me descobri apaixonado, mas guardo alguns dos indícios
de que poderia ser feliz com elas – até para lembrar, quando acontecer de novo.
A menina que me olhava na escola e cuja carta eu, relutante, enviei. ; a ruiva
extrovertida que pegou na minha mão durante um show; aquela que eu deixei um
recado no Orkut e em seguida nos conhecemos; a moça do interior que eu ainda
confundo com saudade. Todas também tomaram a iniciativa, ou retribuíram sem
hesitar a atenção que dei a elas. Quando insisti demasiadamente, ou tentei
combater a frieza e escárnio da indiferença, não obtive sucesso. E, nos raros
casos que obtive, não foi para frente.
Lembrei daquele velho
ditado que diz que só há duas pessoas no mundo: “Você e todo o resto”. Mas, se lembre
de que isso vale para os outros também. Então nos vários e diferentes relacionamentos
não pense só em você, mas também no outro – se ele ainda quer, se você está perdendo o seu
tempo – por que, às vezes, simplesmente não é para acontecer.
No inverno, é verdade que elas se escondem, ou melhor, se camuflam
a partir das mais diversas fantasias, das mais diversas roupas, dos ornamentos
em forma de cachecóis enrolados majestosamente no pescoço. Sejam sérias,
bem-humoradas, sacanas, pueris, amorosas. O frio as faz ficarem mais contidas,
mas isso não significa que parem de se comunicar ou se comuniquem menos. Não,
só há formas diferentes falar. É só
prestar a atenção para ver que sempre que andam cansadas, ligam o “foda-se” e não
se maquiam totalmente, esquecem-se daquela parte que não seria esquecida em
qualquer outro dia normal – e é isso que faz toda a diferença. Saem para a rua,
um pouco mais irritadas, pisando mais firme no chão, mais propensas a não
aguentar as suas baboseiras e, meu amigo, eu sei que você é propenso a falar
muitas besteiras. Mas elas são seres, se não superiores a você, muito melhores
em vários quesitos e entre esses quesitos está a capacidade de se reinventar,
de mudar tudo, de ficar confusa e de se entregar, porque isso é parte da vida ,
algo tão difícil para nós. E é essa entrega, que pode ser contida, ou não, que
pode ser alegre, ou não, que pode ser derretida, ou não, é que faz esse nosso
mundo pequenino girar. E se tornar grande, se tornar confuso, se tornar certo,
se tornar propício para morar com uma pessoa. Morar em uma pessoa, você e ela morando
juntos, tão diferentes, tão perto. Sem se perguntar o porquê, é lá onde mora o
amor.
- Sim, 15, completou 15 anos mês passado, e eu nem tava lá.
- Como foi isso?
- Minha mãe me ligou agora há pouco, chorando, assim que ela começou a falar eu já sabia. Só podia ser...
- Como tá a dona Fátima?
- Triste, muito triste. Era a única companhia dela lá, né..
- Eu sei, eu sei...mas e tu? Sei o quanto aquela gatinha significava pra ti..
- Sim, cresceu comigo. Nem sei como eu tô, olha, sente só aqui minha mão. Tu sabe, como eu era apegada nela, né, tu sabe. Às vezes ela até dormia com nós na cama, quando a gente ia visitar minha mãe...
- É verdade, manhosa, ela, costumava dormir bem em cima das minhas pernas, quando eu tava lá..de manhã meus pés tavam tudo formigando.
- Sei que é estranho eu te ligar, desculpe, mas eu não sabia com quem mais falar.
- É, quando eu vi teu nome no celular, eu não esperava, mas tu sabe que, apesar de tudo, tô aqui. Vem cá, vamos secar esse choro. Tu que nunca foi muito de chorar. A Dida tá num lugar melhor..
- E eu nem tava lá para ver ela, que droga, que droga.
- Não se culpa..não iria adiantar, não daria para fazer nada, ela tava velhinha já ..
- Eu só queria deitar mais uma vez com ela, para ela se enrolar na minha perna também. Depois de velha e acomodada ela ficou assim, toda manhosa. Mas quem é que não fica, né?
- É, quem não fica...
.................
- Me abraça..só um pouco..
- ....Eu...
- Só um pouco, amanhã a gente finge que isso não aconteceu, eu finjo que a Dida ainda tá pulando por aí, incomodando as pernas das pessoas e caçando insetos...
- Você parece que nem precisa se arrumar pra ficar toda
bonita assim.
- Ah, mas eu me arrumo, sabe, eu gasto um tempo mesmo na
frente do espelho. Eu gosto. Eu me arrumo é pra mim.
- Eu sei, eu sei. É pra você antes de tudo, assim que tem
que ser, a gente tem que se gostar antes que os outros gostem da gente.
- Aham..
- Mas eu acho que eu gosto de ti antes de mim, pode ser? Nem tô, é verdade. Só queria dizer de uma vez.
Aí já me solto mais.
- Desde quando isso?
- Não sei bem, acho que quando te vi lá na praça, quando nos
conhecemos. Nossa, nem sei quando descobri: acontece que brotou, e era isso. Mas nem sei,
sempre tive vergonha, mas tive vontade de te falar, ainda mais agora que tu tá assim, tão bonita, tão maquiada.
Olha, é verdade, gosto antes de ti e depois de mim.
- Olha, nem sei o que dizer
- Nem fala nada, deixa eu só te olhar um pouco, aproveitar o
frio na barriga. Deixa tudo pra depois e olha, olha para as nossas mãos como ficam bem juntas...
Neil Young toca nas caixas de som. É pouco mais de duas
horas da tarde. Estou acordado há umas oito horas, quase. Um pouco menos. O sol está forte lá fora. E tem um monte de
livros sobre a minha mesa. Eu os peguei ontem na minha antiga faculdade. A gata
chega perto do meu pé, meu pé que mesmo com meia, está gelado. Ela sai agora,
caminha, se apoia nos livros e esboça se deitar, mas desiste. No meu quarto não bate muito sol, e ela prefere
o sol. Quem não prefere?
Estou dando um tempo entre o almoço e o voltar a estudar. Na
verdade, sinto que estou dando um tempo há certo tempo, para ser redundantemente
explicativo. Foi preciso para voltar a acreditar nas minhas possibilidades, nos
projetos, para tentar abrir um caminho em toda essa confusão que foi o semestre
passado. Não gosto de papo de autoajuda, ou, pior, autoafirmação, mas é preciso
tomar uma atitude quando você chega a certas encruzilhadas.
Vai ficar e desistir? Vai continuar em barco que só promete
afundar? Vai deixar ir?
Há tempo que eu estava perdendo para mim mesmo, deixando
passar oportunidades por achar que eu não seria simplesmente capaz de fazer.
Quando, em outros tempos, eu tirava de letra. Não cheguei a essa encruzilhada
por nada. Ao me formar jornalista, profissão
que continuo admirando, percebi certa distância do meu pensamento com a lógica
do mercado dominante (fato que, obviamente já crescia forte em mim, mas depois
de formado, floresceu). Somado a isso o fim de um relacionamento (não quero
entrar em detalhes aqui para não tirar a privacidade de ninguém), me levou a
uma pequena grande crise do homem comum formado há pouco tempo. Meu primeiro
semestre todo foi de retomadas, de reconscientizações, de nutrir impulsos para descobrir
ser capaz de apostar novamente em mim. E, desse modo, sair da minha concha para
voltar a minha função – mesmo ainda não sabendo bem qual ela é.
Não necessariamente
ser forte, mas se sentir forte..., como diria o protagonista (baseado em personagem real) de “Na
Natureza Selvagem”. Um cara que queria viver simplesmente, desraigado da sociedade
em que não compartilhava dos mesmos ideais. Talvez o segredo seja por aí:
sentir-se capaz de mudar a sua profissão, a sua rotina, a vida. Ainda mais em
um momento em que se luta cada vez mais por mudanças sociais, acho que todos
nós passamos um pouco por uma crise de identidade, uma crise em que em alguns
pode se agravar ainda mais, e que, em outros, pode não afetar quase em nada o
comportamento. Em mim, balançou, admito. Fiquei paralisado por muito tempo até
conseguir me retomar – ainda estou, é verdade, no processo, ainda estou “entre”
muita coisa. E isso não é algo fácil de admitir, mas é só admitindo que se
torna vivo, que os problemas aparecem na nossa frente e conseguimos combatê-los.
É só assim que, sei lá, você consegue andar, consegue pular do barco afundando,
todas essas metáforas bobinhas, mas necessárias.
Eu ainda não sei exatamente
o que vai ser, mas eu sei que está um pouco a minha frente. Estou quase
alcançando, já dá até para ver. Talvez, estivesse lá o tempo todo e eu não vi.
Talvez, seja algo totalmente novo. Só sei que será diferente de agora, e isso
já é alguma coisa por que se vale lutar.
Eu quero escrever sobre ansiedade e talvez por isso já tenha tentado várias vezes começar o texto, mas nenhuma delas deu certo. Opa, agora que abri o jogo é mais fácil de emparelhar as ideias. Ansiedade essa que não me deixa concentrar e me paralisa. Ela me detém tantas vezes, porque tantas vezes eu tenho ideias sobre o futuro. Penso em planos que não vão necessariamente se concretizar, mas que na minha imaginação correm alucinadamente. Imagino histórias para escrever, e a ansiedade, cada vez mais, as tornam difíceis de colocar no papel.
É preciso driblá-la, mas andava frequentemente perdendo a batalha. E, junto com ela, a fé necessária em mim para continuar com os planos, com os projetos, com a vontade de trabalhar. Isso tudo e mais acontecimentos pontuais da minha vida nesse ano me levaram a procurar uma ajuda profissional, no caso uma terapia, para eu aprender a lidar melhor comigo mesmo. Faz pouco tempo que estou me consultando, mas percebo algumas pequenas melhoras.
Quando falamos de nós mesmos para outras pessoas sempre é benéfico, até mais do que escrever, porque você tem um contraponto, e é quase que obrigado a se compreender melhor no processo. Não é nada fácil, não é nada rápido, porém, é o que vai me ajudar a tomar o rumo da minha vida de volta. Sinto-me um pouco como aquele título do livro do Bukowski: "O Capitão Saiu para o Almoço e os Marinheiros Tomaram Conta do Navio". Isto é, minha vontade (minha razão de fazer as coisas) parece que foi dar uma volta e deixou todos os pequenos problemas caminharem pela cabeça. É claro que isso não aconteceu de uma hora para outra, estou descobrindo ainda os motivos,as razões (se há realmente elas).
O que é que passa por nossa cabeça, afinal de contas? Sei que muitos dos nosso maiores medos, receios, estão no inconsciente, e ele escapa nos sonhos, nas falas ditas de arreganho - quando você quer falar algo, mas tem receio e usa o artifício da brincadeira. Acho que no fundo tudo isso passa por me cobrar menos, por me perdoar por alguns erros que cometi, por deixar pessoas irem embora.
Algo me diz que eu levo a vida muito a sério às vezes. Mas, aos poucos, a gente vai ficando mais leve.
Manifestação começou tranquila em frente à Prefeitura Municipal
“Hoje a noite vai fechar”, meu amigo me disse assim que
passou o helicóptero por cima das nossas cabeças. Devia ser por volta das 19h30
quando os manifestantes atravessavam a João
Pessoa. Lá na frente dava para ver algumas luzes piscando. A PM? Já havia barreira
ali? “Não sei, não sei.”
Do lado de cima, pedaços de roupas, lençóis, toalhas brancas
surgiam nas janelas, voando calmamente. Foram recebidas com empolgação pelos
manifestantes. Tudo corria bem, é verdade, desde o começo lá na Prefeitura
Municipal. Perto das 18h já tinha gente
pra caramba e a promessa era aumentar. Havia
cartazes, muito mais do que do último protesto - e muito mais criativos. E as bandeiras,
também, é claro. Algumas pessoas enrolaram a brasileira no corpo. Veja só: nada
relacionado a futebol.
Depois que começamos a nos locomover em direção a Borges e,
em seguida, tomando o caminho da Salgado Filho para descer a João Pessoa dava
para ver a verdadeira extensão da manifestação. Não tenho os dados de quantos compareceram,
mas, com certeza, foram mais de dez mil.
“Caramba, é muita gente”, eu disse em voz alta para ninguém
ouvir. Ficou perdido entre os gritos ecoados pelos manifestantes. Mas para que
gritavam? Contra o que era esse
protesto? Eu estava mais interessado nas perguntas do que nas respostas no
momento. Talvez porque eu seja jornalista, talvez porque acredite que, como
cidadão, só o fato das pessoas saírem para a rua e mostrarem sua indignação já
é válido. É claro que a coisa não é tão simples assim, mas seja lá pelo o que
você esteja protestando, ir para a rua já é um começo. Aqui em Porto Alegre,
pelo menos, protestávamos pelo transporte público, pela mobilidade urbana, pelo
ato de poder protestar sem termos a nossa liberdade roubada, ou violentada. Para que possamos andar com vinagres. Protestávamos
para que pudéssemos continuar.
Quando desembocamos na Ipiranga, foi que o protesto, até
então pacífico, começou a degringolar. E
aqui é bom fazer um adendo. Não sei qual a opinião de vocês sobre atos de
vandalismo, mas procuro observar isso dentro de um contexto. É muito fácil chegar
a uma rede social e intitular tal grupo de vândalos e baderneiros, porque
depredaram instituição, patrimônio público, etc. Compreendo os ânimos alterados,
mas pelo menos onde eu estava, lá perto do prédio da Zero Hora na Avenida Ipiranga os
policiais pegaram pesado com o armamento de gás lacrimogêneo, balas de
borracha, etc. Um grupo estava enfrentando um pelotão de choque no lado da
Ipiranga em que fica a Zero Hora. Eu me encontrava do outro lado, filmando. Tempos
depois eles começaram a atirar as tal bombas de efeito moral para o nosso lado.
Uma caiu perto de mim. Encarei pela primeira vez a fumaça branca e densa. A primeira
sensação é a de asfixia,a garganta fechando. Daí vem o impulso da tosse, sobe o
asco, sobe a vontade de expelir algum líquido. Ânsia de vomito. Os olhos
formigam, ardem, lacrimejam. A multidão corre, alguém grita para não correr,
mas é difícil muito difícil não correr. Perco-me dos meus amigos, mas ainda
tenho um pouco de vinagre no cachecol preto de guerra. Afinal, é uma cena de
combate.
O vinagre ajude a recuperar o ânimo depois de um tempo.
É revoltante, é claro. Depois disso, vi muitas pessoas mais
a frente comentando que violência deve se combater com violência. Depois disso,
vi muito dos “revoltados, anarquistas, vândalos” ficarem ainda mais putos da
cara. Foi aí que voltando para a João Pessoa vi cenas exageradas e que na hora,
com o sangue fervendo, quase apoiei, quase aplaudi. Ônibus foram apedrejados, muitos containers foram
queimados, vidros de lojas quebrados...Não soube de saques, mas não duvido que
tenham acontecido.Veja só: não estou legitimando a ação desse pessoal ( que eram
minoria), estou dizendo que consigo compreender que ação truculenta da Brigada
Militar incitou – e muito – a revolta de quem já queria fazer merda. Não
acredito que violência se responda com violência, mas esse sou eu. Nesse
momento, me dei conta que a sede da Zero Hora na Avenida Ipiranga é o lugar
mais protegido do Estado, quiçá do Brasil, já que em Brasília os manifestantes
chegaram no CONGRESSO NACIONAL , em São Paulo no Palácio da Justiça, aqui mesmo
chegamos no Palácio da Justiça. Mas não se consegue protestar em frente ao
prédio da Zero Hora.
Momento de depredação de um ônibus na João Pessoa
Dentro da própria manifestação não havia uma unanimidade.
Presenciei uma quase briga pós o “combate” com os Policiais Militares entre
dois manifestantes. Quando um grupo dos “revoltados” virou um container, logo veio
outro grupo e foi levantar a lata de lixo gigante. Alguns aplaudiram a atitude,
outros vaiaram. Então chegou um dos revoltados e foi tirar satisfação com um
dos caras que levantou o container, alegando que ele estava deslegitimando toda
a manifestação com aquele ato. Que os "porcos" estavam jogando bombas e que derrubar
o maldito container era, de certa forma, uma resposta. Ainda não sei o que
pensar sobre isso.
Alguns grupos se separam, não vi a cavalaria, fui seguindo para
o Largo Zumbi dos Palmares na Cidade Baixa, onde aparentemente estava mais
tranquilo. Eu já estava cansado, com fome, nauseado por causa do gás e com o
tornozelo torcido. Meu amigo, aquele do
início do texto,e eu fomos para a Lima e Silva, pensávamos em qual era a melhor
rota para seguir. Estávamos com receio caminhar em nossa própria cidade e
sermos parados por algum policial mal intencionado. No fim, deu tudo certo.
Os manifestantes sentados na rua perto do Largo Zumbi dos Palmares
Fui para o protesto com o coração aberto e com o celular
ligado, queria fazer uma cobertura bacana. Sincera. Vi muitos amigos meus
trabalhando em diversos veículos, e tenho orgulho deles. Acredito na causa e no lado humano, acho que
isso deve ser o norte do bom jornalismo, da boa vida. Jornalismo nem devia ser profissão,
jornalismo é estilo de vida. Esse sou eu, contando um pouco do que vi, com meu
modo de pensar. É quase 3 da manhã e não estou com sono, estou, como posso
dizer, enérgico. Tem algo de diferente vindo aí. Tem algo que vai furar o
concreto, algo que, como uma rosa (diria Drummond), vai nascer do asfalto.
Queria ter ido dormir mais cedo naquela noite, tanto que já havia preparado a cama, desligado o computador e agora só dependia dos seus pensamentos para apagar. Confuso, suas vergonhas e lembranças criavam pernas e caminhavam sobre a cama, invadindo o cobertor, misturando-se com o lençol, criando tempestade de braços.
Tinha receio de que não conseguisse, enfim, sonhar e isso só o deixava cada vez mais agitado. Toda a mente lhe corria. Lembrou-se de vergonhas, coisas de colégio, humilhações exploratórias que em questão de segundo sumiam para dar lugar a alguma desfeita mais recente. Desafetos também apareciam, e como. Amores traidores, amores traídos, amigos desleais, atitudes não realizadas, todo o tipo de desgraça por que já havia passado agora atravessava seus olhos, como um filme.
Sem opção de dormir no meio, se acostumou a observar a paisagem desagradante. Acostumou tanto que acabou pegando no sono, finalmente, com todo desespero que ansiava acabou fechando os olhos e - finalmente, mais uma vez - sonhou. E sonhando viu a vida se repetir melhor.
Lembro do meu vô sentado no degrau em frente ao portão de
casa. Parado, às vezes passava horas lá, sozinho, pensando, analisando o
movimento da rua, veja só uma rua sem saída. Sempre foi simpático ele, sempre
foi de brincar com os outros chamando de apelidos diferentes, mas talvez o que
eu mais me lembre do meu vô seja o modo como ele cortava a bergamota. Deslizava
a faca sob a pele laranja bronzeada, quase crocante da fruta, cortando-a
gentilmente , praticamente moldando, tal como um artesanato. Então, metia os
dedos para tirar as sementes, que ficavam por ali, na rua mesmo, para algum pássaro catar. Depois desse pequeno processo,pegava a metade da bergamota e a desfrutava
também devagar, lentamente, com legítimo prazer. Não importava o tempo, o
clima, lá estava ele logo depois de almoçar. Sempre.
Soube que você está se alimentando melhor. Isso é ótimo. Sei também que faz apenas duas semanas, mas já está até notando uma melhora na sua dor crônica no estômago, não é verdade? Finalmente, tomou uma atitude em relação a isso, então. Eu fico muito feliz, ficar saudável queira ou não é essencial para tudo que você quer fazer. Ficar saudável e se motivar também.
É, eu sei que é difícil, mas é preciso olhar além.
Ah, eu também sei (como sou xereta) que você voltou a estudar, frequentar a Universidade novamente, agora com outros olhos. Meio afastado daquela confusão juvenil do primeiro semestre, tintas, festas, afinal você já passou por tudo isso. Talvez você ainda não saiba exatamente se vai se formar nesse curso ou não, se ele será uma ponte para outra oportunidade, que pode aportar, mas só de tentar aprender mais alguma coisa nova, eu já acho o máximo.
Queira ou não, parece uma boa ideia.
Aposto que está sem tempo, mas última coisa: soube que você está voltando a escrever e quer se dedicar mais a isso, fazendo oficina literária e tal. Finalmente. Uma ideia de lançar um livro, vi no seu blog. Não é fácil, né, requer muita disciplina, foco, atenção. Eu sei como é, o que eu faço precisa de muita disciplina. Mas eis aqui o meu segredo para tentar ser mais espartano: além de ter metas bem definidas, deve-se dar um passo para trás sempre antes de seguir em frente. Se avaliar, retomar, relembrar, reler, reescrever, reestudar, e então partir para a próxima etapa. Não é fácil, mas no momento que você consegue, terá mais facilmente os resultados que aguarda.
Continuo sempre me preocupando contigo, mas agora cada vez menos.
Estamos sempre perto,
Um abraço,
Do seu Rafael
Obs: Soube também que está estudando para concurso público. Sei que você até gosta dessas provas, né. Aqueles dois anos de estudo para o vestibular da UFRGS te marcaram mesmo. Mas, vai com calma. Organiza os horários e segue em frente, que tudo dará certo. Foco.
Não me sinto tão diferente de quando eu tinha dezesseis anos, o que muda é que fica mais fácil. Fica mais fácil tudo, na verdade: perceber, esquecer, superar, tentar. Com 25 anos me sinto aberto para tentar de tudo, ao mesmo tempo que me sinto preocupado de não conseguir nada. Mas isso é coisa minha e da minha cabeça que procurar prever as possibilidades para não se machucar depois. Para não se perder mais.
Sinto vontade e penso grande sobre tudo que acontece ao meu redor, sinto falta da cumplicidade dos amigos diariamente, algo que tive no colégio, na faculdade, e não sinto agora. Talvez eu me sinta um pouco solto. Tenho, é claro, grandes amigos, mas não os vejo com tanta frequência. E nada é melhor do que uma boa conversa sobre a vida, porque falar, conversar, é um modo de organizar o seu mundo, você. A vida é uma chegada eterna a epifanias baratas em conversas muito importantes. Ou pode ser o contrário também.
Com 25 anos, a gente pondera demais sobre as coisas, quando devia simplesmente viver sem estar preocupado. Estar ansioso, ou receoso, não me leva a nada. Se preocupar com suas características inerentes, não leva a nada também.
Com 25 anos, a gente começa a pensar no que já fez. Com quem se reuniu, o que conquistou, as experiências que obteve. E me sinto bem nesse campo até, pois eu vivi, amigos (e vivi amigos). Eu senti muitas coisas, muitos sentimentos, muitas pessoas, e momentos tão divertidos, quanto tristes. Criei laços que certamente vou levar até fim.
Com 25 anos, a gente percebe que limitar é necessário, afinal, você deve tomar decisões. Decisões que podem nem sempre parecer boas, mas que podem se mostrar corretas tempos depois.
Acho que o que importa com o tempo é o quanto você consegue evitar se iludir. Ninguém precisa armar contra si mesmo, mas todo mundo faz isso um pouco. São os abafamentos diários os males mais ariscos, as palavras não ditas, os medos não compartilhados, as vergonhas alheias, as opiniões não dadas, o medo de machucar...É desse modo que se morre aos pouquinhos, lentamente. E com 25 anos, você vai percebendo, porque fica mais fácil.
Agora a luz está batendo bem de frente na casa. É quase oito
da manhã, e ninguém acordou ainda. A gata malhada escancara a boca, anunciando
o dia. Mas que dia, o que uma gata poderia fazer, que tipo de preocupações
poderiam lhe passar pela cabeça? Ainda mais àquela hora da manhã. É muito cedo
até para uma gata malhada fazer alguma coisa.
Devagar, ela vai andando pela casa, chega a cozinha, aonde
com uma versátil delicadeza, senta alguns instantes. Espera, espera seriamente, mas nada acontece. O seu pequeno rabo agora está esfregando o chão
calmamente, como se fosse natural. Cansada de esperar, ela simplesmente volta a
andar. De repente (do nada mesmo) algum estalo de algum móvel mais antigo
escancara e pronto, ela para mais uma vez, encarando. Como se tudo fosse
horizonte e não houvesse mais nada em volta. Em um segundo está disposta a
correr, perseguindo um barulho. Uma das melhores qualidades dos felinos, atacar
sons, sensações.
Quase palpável, tenta acertar o ruído no ar. Então pula,
girando o corpo e caindo tal qual uma contorcionista. Parece fácil, mas ela é
uma bailarina num chão de cozinha às oito e pouco da manhã. Depois de algumas tentativas, finalmente
desiste, mas não se mostra derrotada – essa não parece ser uma opção. Ao
contrário: segue indiferente, firme, em linha reta. Está quase chegando aonde
deveria, enquanto a manhã corre saborosa, ainda pequena, nunca pronta.
A janela da peça da dispensa estava aberta o tempo todo e o
vento que entrava à noite não impediu ninguém de dormir. Que tipo de
aventuras a malhada poderia encontrar lá fora, aonde tudo parece sempre tão novo
e mutável. Parada em frente a abertura, ela encara o horizonte, mesmo que não saiba exatamente o que está fazendo.
Queria conseguir-lhe escrever mais sobre tudo que está
acontecendo comigo nesse momento. Mas eu não consigo. Agora que você cruzou
para o outro lado, não tem quase mais ninguém para eu falar o que é importante.
Não no dia a dia. É tarde. É muito tarde para qualquer mentira, apesar de eu
costumeiramente me cobrir com elas quase sempre. O que será que anda
acontecendo comigo. Em que parte da história eu perdi o rumo. É o que venho me
perguntando nos últimos dias. Acho que é
tarde demais para epifanias, o bom que é tarde demais e tarde demais é essencial
para bons sonhos também. Sinto muito, ando transmitindo pouco. Tenho irregular
prazer nas coisas pequenas, justamente as que deveriam nos trazer mais prazer. Prazer
é felicidade? Não sei. Ando desejando
pouco porque não tenho um grande objetivo à minha frente, acho. Meu objetivo
atual era aproveitar o momento, simplesmente, sem pensar muito no futuro, sem
se apegar ao passado. Porém, acho que isso pode me tornar cínico para caramba –
como se não bastasse eu ter isso de família. Durmo demais e de menos, quando
acordo as coisas não mudam. O tempo anda uma merda atualmente, está nublado e
quente. O sol se esconde só de babaca, enfornando todo mundo para depois sumir
por uns dias e voltar. Não me lembro de algum outro fevereiro assim. Um
fevereiro nublado e chato. A gente acaba sendo um pouco de mercadoria, ocupando
horários com trabalhos remunerados, travando conversas que não vão levar a
lugar algum, se incomodando com os problemas dos outros. Se estressando com
faltas de linhas, de declarações. No final, tudo vira um jogo de preencher
espaços. Talvez a vida seja um pouco disso, não é. A gente sempre se sente um
pouco vazio em alguma parte, tentando desesperadamente preenchê-lo, nem que
para isso tenha que desocupar outro espaço.
Estou retomando o blog, e relendo essa coluna fiquei docemente nostálgico. Tantos momentos importantes eternizados nesses pixels. O Rafael Gloria estagiário com receio e nervoso nunca sairá de mim, porque eu nunca deixarei. Ele é essa pessoa apaixonada por escrever, apaixonada em descobrir os outros e pelo fazer jornalístico. Por que eu mudaria isso?
Tudo que ele precisava era um pouco de coragem. E acho que isso eu consegui.
Desejo que o Rafael Gloria estagiário seja a pedra fundamental da minha profissão. O marco, a fé, a lembrança que faz seguir adiante. Afinal, o que não é o jornalismo se não a eterna perpetuação do banal? Sim, banal, porque tudo - atravessado pelo tempo - fica banal em algum momento. Tudo é solúvel e medroso perto da poeira de estrelas.
Não existe a tal objetividade, só existe o princípio de encontrá-la, buscá-lá, sem nunca nunca a encontrar. Há algo mais poético que isso?
Jornalistas, então, são seres emocionais que anseiam o factual. A subjetividade coberta por concreto, nascendo e morrendo todos os dias.
Bem, Tom Waits diria que a noite desperta diferentes sensações nas pessoas, e eu concordo. Em 2012, mais do que tudo, fiquei ainda mais amigo da noite. Não no sentido boêmio do termo, não no sentido pejorativo e quase ridículo da frase “vamos para a noite”. Digo no sentido fraternal mesmo, na cumplicidade de dois velhos conhecidos que apreciam a companhia um do outro.
A noite é escura e densa, quase insolúvel, e totalmente impermeável. A noite é camada e protege os que se escondem e os que a escondem. A noite é dissimulada e sabe aceitar todos os problemas. Há sempre um pouco de desconfiança com ela, pois é tudo baseado em contratos emocionais, olho no olho, boca na boca, toque no toque.
A noite é papel de decoração, amor ferido, quase brutal.
Já tive medo dela, confesso. Já tive receio, porque não a entendia, admito. Não é vergonha. O passar do tempo confirma para o que realmente fomos feitos. E a noite foi feita para sondar, iludir e sonhar - talvez o grande motivo para que eu a ame tanto. Sonho durante toda a noite e, às vezes, sonho até mais quando não estou dormindo. Imagino, crio, antes de dormir e esqueço também (a noite, querida, às vezes pode ser traidora). Mas, alguma coisa sempre fica da noite para a gente carregar durante o dia.