Apagou os olhos.
De repente estava carregando o pai no colo. O nível da água começava a subir cada vez mais, alcançando os joelhos. Ao mesmo tempo, seu pai não parecia seu pai; era ele, mas mirrado, pequeno, frágil. Crescia em seu coração a certeza de que deveria protegê-lo, que deveria continuar levando-o sabe se lá para onde, sabe-se lá com que força. Já era escuro quando o depositou em uma cama branca. A água agora alcançava um pouco abaixo de sua cintura. Visivelmente cansado, sentou no pé da cama e começou a chorar. Não sabia mais o que fazer.
Agora estava com ela novamente. Na cama que dividiram prazeres, carícias e gritos de pesadelo. Deitados no meio da madrugada, ele podia sentir o vento que entrava pelas frestas da janela. Devagar, se insinuando estrategicamente, ela esfregava a as coxas nele. Logo, estavam enlaçados, beijando-se e mordendo-se mutuamente, como se tudo pudesse acabar no dia seguinte.
Via o cachorro de estimação com quem dividiu dezoito dos seus anos. Morrera vítima de um câncer, morrera na sacada de madrugada, sozinho. Se afastando de todo mundo. Mas agora lá estava ele na sua frente, com a língua de fora, os pelos cor de creme, a expressão alegre em vê-lo de novo. Eles ansiavam o toque, mas sempre que chegavam perto um do outro, alguma coisa impedia. Era impossível brincar.
É noite novamente, ele está em movimento. Do lado não há ninguém. Só consegue ver a sombra do motorista. Ele fuma, um cheiro insuportável. Quer falar algo, mas não consegue. Mexe as mãos para alcançá-lo, mas ele sempre desvia. Parece uma brincadeira. Tudo é tão alegre nesse carro em movimento, apesar de só estar os dois. Consegue ver que o homem tem bigode e parece sempre meio sorridente. É madrugada e toca música, toca música bem alto e ele nunca consegue falar nada.
Aos poucos abre os olhos, um faixo de luz, dia novamente.
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