Manifestação começou tranquila em frente à Prefeitura Municipal |
“Hoje a noite vai fechar”, meu amigo me disse assim que passou o helicóptero por cima das nossas cabeças. Devia ser por volta das 19h30 quando os manifestantes atravessavam a João Pessoa. Lá na frente dava para ver algumas luzes piscando. A PM? Já havia barreira ali? “Não sei, não sei.”
Do lado de cima, pedaços de roupas, lençóis, toalhas brancas
surgiam nas janelas, voando calmamente. Foram recebidas com empolgação pelos
manifestantes. Tudo corria bem, é verdade, desde o começo lá na Prefeitura
Municipal. Perto das 18h já tinha gente
pra caramba e a promessa era aumentar. Havia
cartazes, muito mais do que do último protesto - e muito mais criativos. E as bandeiras,
também, é claro. Algumas pessoas enrolaram a brasileira no corpo. Veja só: nada
relacionado a futebol.
Depois que começamos a nos locomover em direção a Borges e,
em seguida, tomando o caminho da Salgado Filho para descer a João Pessoa dava
para ver a verdadeira extensão da manifestação. Não tenho os dados de quantos compareceram,
mas, com certeza, foram mais de dez mil.
“Caramba, é muita gente”, eu disse em voz alta para ninguém
ouvir. Ficou perdido entre os gritos ecoados pelos manifestantes. Mas para que
gritavam? Contra o que era esse
protesto? Eu estava mais interessado nas perguntas do que nas respostas no
momento. Talvez porque eu seja jornalista, talvez porque acredite que, como
cidadão, só o fato das pessoas saírem para a rua e mostrarem sua indignação já
é válido. É claro que a coisa não é tão simples assim, mas seja lá pelo o que
você esteja protestando, ir para a rua já é um começo. Aqui em Porto Alegre,
pelo menos, protestávamos pelo transporte público, pela mobilidade urbana, pelo
ato de poder protestar sem termos a nossa liberdade roubada, ou violentada. Para que possamos andar com vinagres. Protestávamos
para que pudéssemos continuar.
Quando desembocamos na Ipiranga, foi que o protesto, até
então pacífico, começou a degringolar. E
aqui é bom fazer um adendo. Não sei qual a opinião de vocês sobre atos de
vandalismo, mas procuro observar isso dentro de um contexto. É muito fácil chegar
a uma rede social e intitular tal grupo de vândalos e baderneiros, porque
depredaram instituição, patrimônio público, etc. Compreendo os ânimos alterados,
mas pelo menos onde eu estava, lá perto do prédio da Zero Hora na Avenida Ipiranga os
policiais pegaram pesado com o armamento de gás lacrimogêneo, balas de
borracha, etc. Um grupo estava enfrentando um pelotão de choque no lado da
Ipiranga em que fica a Zero Hora. Eu me encontrava do outro lado, filmando. Tempos
depois eles começaram a atirar as tal bombas de efeito moral para o nosso lado.
Uma caiu perto de mim. Encarei pela primeira vez a fumaça branca e densa. A primeira
sensação é a de asfixia,a garganta fechando. Daí vem o impulso da tosse, sobe o
asco, sobe a vontade de expelir algum líquido. Ânsia de vomito. Os olhos
formigam, ardem, lacrimejam. A multidão corre, alguém grita para não correr,
mas é difícil muito difícil não correr. Perco-me dos meus amigos, mas ainda
tenho um pouco de vinagre no cachecol preto de guerra. Afinal, é uma cena de
combate.
O vinagre ajude a recuperar o ânimo depois de um tempo.
O vinagre ajude a recuperar o ânimo depois de um tempo.
É revoltante, é claro. Depois disso, vi muitas pessoas mais a frente comentando que violência deve se combater com violência. Depois disso, vi muito dos “revoltados, anarquistas, vândalos” ficarem ainda mais putos da cara. Foi aí que voltando para a João Pessoa vi cenas exageradas e que na hora, com o sangue fervendo, quase apoiei, quase aplaudi. Ônibus foram apedrejados, muitos containers foram queimados, vidros de lojas quebrados...Não soube de saques, mas não duvido que tenham acontecido.Veja só: não estou legitimando a ação desse pessoal ( que eram minoria), estou dizendo que consigo compreender que ação truculenta da Brigada Militar incitou – e muito – a revolta de quem já queria fazer merda. Não acredito que violência se responda com violência, mas esse sou eu. Nesse momento, me dei conta que a sede da Zero Hora na Avenida Ipiranga é o lugar mais protegido do Estado, quiçá do Brasil, já que em Brasília os manifestantes chegaram no CONGRESSO NACIONAL , em São Paulo no Palácio da Justiça, aqui mesmo chegamos no Palácio da Justiça. Mas não se consegue protestar em frente ao prédio da Zero Hora.
Momento de depredação de um ônibus na João Pessoa |
Dentro da própria manifestação não havia uma unanimidade.
Presenciei uma quase briga pós o “combate” com os Policiais Militares entre
dois manifestantes. Quando um grupo dos “revoltados” virou um container, logo veio
outro grupo e foi levantar a lata de lixo gigante. Alguns aplaudiram a atitude,
outros vaiaram. Então chegou um dos revoltados e foi tirar satisfação com um
dos caras que levantou o container, alegando que ele estava deslegitimando toda
a manifestação com aquele ato. Que os "porcos" estavam jogando bombas e que derrubar
o maldito container era, de certa forma, uma resposta. Ainda não sei o que
pensar sobre isso.
Alguns grupos se separam, não vi a cavalaria, fui seguindo para
o Largo Zumbi dos Palmares na Cidade Baixa, onde aparentemente estava mais
tranquilo. Eu já estava cansado, com fome, nauseado por causa do gás e com o
tornozelo torcido. Meu amigo, aquele do
início do texto,e eu fomos para a Lima e Silva, pensávamos em qual era a melhor
rota para seguir. Estávamos com receio caminhar em nossa própria cidade e
sermos parados por algum policial mal intencionado. No fim, deu tudo certo.
Os manifestantes sentados na rua perto do Largo Zumbi dos Palmares |
Fui para o protesto com o coração aberto e com o celular
ligado, queria fazer uma cobertura bacana. Sincera. Vi muitos amigos meus
trabalhando em diversos veículos, e tenho orgulho deles. Acredito na causa e no lado humano, acho que
isso deve ser o norte do bom jornalismo, da boa vida. Jornalismo nem devia ser profissão,
jornalismo é estilo de vida. Esse sou eu, contando um pouco do que vi, com meu
modo de pensar. É quase 3 da manhã e não estou com sono, estou, como posso
dizer, enérgico. Tem algo de diferente vindo aí. Tem algo que vai furar o
concreto, algo que, como uma rosa (diria Drummond), vai nascer do asfalto.
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