quarta-feira, 23 de junho de 2010

Há muito tempo

Francine G passou horas em frente ao espelho de casa, treinando os movimentos que deveria precisamente decorar. Toda a coreografia já havia sido acertada, todos os passos devidamente acomodados, todos os falsos sorrisos necessários, repassados. Duas da tarde quando chegou ao local da apresentação, horas antes de suas colegas de grupo. Gostava de conhecer bem o ambiente , e, se possível, subir no palco a fim de sentir o tipo de assoalho em que iria desenhar significados com o corpo. Se não houvesse um lugar para se pisar, não se poderia dançar. Ensaiou tímidos passos a uma platéia de cadeiras vermelhas vazias e foi para o camarim para começar a se arrumar. Ao largar sua mochila, com a roupa e as sapatilhas, notou que esquecera de um dos mais importantes itens de sua dança: a corrente escura que carregava em cada apresentação.


Pensou em voltar para casa e pegar a maldita corrente, mas isso seria não lhe daria tempo para fazer a maquiagem ideal, para combinar os últimos acertos com as suas colegas dançarinas. Além disso, morava muito longe, quase do outro lado da cidade. Faltava uma hora quando as outras dançarinas começaram a chegar para as preparações, e Francine G ficava cada vez mais desconfiada de sua performance. Era a primeira vez que teria a chance de fazer um solo naquela companhia de dança. Conseguira o respeito da bailarina chefe após dedicações exibidas, mas graças a falta de corrente no pescoço colocaria tudo para fora. Poderia ser idiota, mas aquele utensílio a segurava dentro de um perímetro de dança e confiança, como gostava de imaginar. Para ela estava tudo interligado: o chão, a corrente, as sapatilhas, o cabelo preso em forma de coque.


Encontrou Lucas Felt na entrada do prédio, já que ele havia combinado de vê-la dançando na quinta-feira. Ela não segurou o pranto, e pediu para que ele fosse rapidamente para a casa dela, buscasse a corrente. Descreveu a jóia , falou aonde estaria, e ele foi atrás, mesmo sem conhecer o apartamento de Francine. Com a chave da casa dela, como se fossem namorados há muito tempo.


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Acompanhe a história:


Meu diálogo com Francine G. --> 10/06/2010

Carta 05 --> 29/05/2010

Notícia que só a rua João Sabiá viu -->17/05/2010


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