Hélio nota as pessoas que jantam ao seu redor lá pelas oito horas da noite de uma segunda feira, quando o garçom traz o drink, com um sorriso no rosto e vai embora para sempre da sua visão. A senhora gorda, com o cabelo marrom encrespado sentada na mesa da frente, coça as costas com dificuldade, enquanto se ajeita na cadeira, ao mesmo tempo em que leva o garfo ao prato em busca de mais comida, mais comida, mais comida. Ele observa a cena com frieza: o quase tombo daquela estranha figura e o vestido apertado laranja claro só ajudavam a completar o bisonho quadro. Conduziu o drink até a boca e desviou o olhar. Gostaria de imaginá-la mais bonita, mais educada, mais sensual. Por que o mundo conspirava contra ele até nos coadjuvantes? Porque não poderia beber uma boa bebida sem que houvesse também uma boa mulher para admirar? Nesses momentos costumava fechar os olhos e imaginar a sua parceira ideal, ou alguém com quem pudesse pelo menos jantar. Há tempos não jantava com ninguém. Sentiu uma dor de barriga e chegou a cuspir para fora um pouco de sua bebida, quando na sua imaginação ainda aparecia à figura da mulher a sua frente. Agora sem roupa, com os seios flácidos caindo até a metade da barriga, as pernas tortas e os braços gordos. Braços gordos. O rosto ainda era uma incógnita. Permanecia disforme uma vez que só conseguira ver as suas costas. Ainda bem, ele pensara. Não entendia porque ela aparecia sem roupa, ou por que ela aparecia. Justo ela? Talvez fosse a bebida, talvez o garçom risonho, o maldito garçom com aquele sorriso de funcionário serviçal no rosto tenha o envenenado. Pronto, era isso, agora a noite estava estragada. Não conseguiria dormir com tamanha visão, não conseguiria escapar daquela mulher. Ela o havia amarrado de uma forma estranha e confusa. E ela continuaria comendo, comendo, comendo. Até o fim da noite.
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