Joguei a folha rabiscada com a frase para Elisa que fugiu após escutar o papel caindo no chão da sala. Foram alguns passos até estancar no meio do carpete, parada perto do sofá. Ela nada dizia. Eu permanecia calado, esperando alguma reação após a minha desesperada tentativa de contato. Acredito até que ela tenha chegado a ver a frase, mas não dera atenção; preferiu se omitir de minhas palavras para não precisar responder. Falar também já não mais adiantava, desisti após semanas de contínuos vácuos que só serviram para me inibir e partir para essa vexatória tentativa de aproximação por meio da palavra escrita. Comecei então, desde que percebi que a oralidade não adiantaria, a colar pequenos recados em cada cômodo da nossa residência, tais como:
Nunca obtive reação. Depois de um tempo os encontrava amassados por várias partes da casa, e já que colar nas paredes não bastava comecei a tentar surpreendê-la atirando em sua direção os pequenos pedaços de papel com as palavras para ela ler. Era patético. Mas eu não estava nem aí para nada, o fato do silêncio cru, malicioso e genérico em relação a mim me incomodava tanto que ao invés de ir embora, ao invés de sumir do lugar permanecia ali só de birra, só para ver quem venceria a nossa briga.
Foi então que decidi mandar o último recado, aquele que seria o derradeiro, e joguei para ela as últimas palavras no papel acertando as suas costas, ela não me olhou (como ela sempre faz, com aqueles malditos cabelos lisos ruivos escuros compridos até um pouco antes da bunda maliciosa, aquela pele que só por aparecer já se faz mais presente do que todas as peles de todas as pessoas que eu já cansei de ver por aí). Ela não me olhou e ainda riu como de escárnio, com a boca rosa colorida pelo batom que eu havia lhe dado no seu aniversário há alguns meses, e sentou no sofá.
Pegou lápis qualquer e começou a escrever emendado – pude notar que era emendado por causa do tempo que tomou, por causa daquela letra caprichada que eu sabia que ela tinha. Escreveu e nunca olhando para mim, retirou o pequeno papel do caderno, denunciando aquele barulho cru e sangrento que cometemos ao cortar o cordão umbilical da folha. Depois disso, como se não bastasse, ainda decidiu amassá-la e – sempre olhando para o lado – jogou agora pequena bolinha de papel para mim.
Eu, como se buscasse o ouro das mãos de alguma ninfa de algum deus grego antigo, busquei a folha e revirei vigorosamente o pedaço torto do papel. Revirei até deixar visíveis as palavras, e então a frase e logo o ponto final. Era torto e necessário:
Esse conto também é minha humilde homenagem ao escritor Raduan Nassar .
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Sugestão para a próxima edição: novelas.
2 comentários:
É verdade, aquelas três apareceram em vários posts... acho que, no fim das contas, são as palavras que a gente mais quer ouvir, né?
Mas, olha só, que guria sem coração =S
xD
adorei o texto. mesmo que a guria seja meio insensível... eu não seria a mais indicada para julgá-la, de qualquer forma x)
beijO!
...denso!
Muito denso, deu para sentir o climão daqui de casa.
Procurar o reto e desnecessário e achar o torto necessário é f()d@!
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