quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Carta 01

Ah, não acredito que estou fazendo isso, mas eu encontrei a velha máquina atirada ao canto e de súbito a peguei. Para a minha surpresa funcionava perfeitamente. Pensei em escrever qualquer coisa e veio a ideia de carta. Então lembrei de nós. Dos pensamentos imbecis que eu tinha antes de dormir e como eu gostava de te cutucar com o cotovelo. Só para brincar, só para te iludir, só para me machucar. Daí você vinha com aquelas frases sempre cheias de metáforas...E o maldito modo como você adorava citar o Caio Fernando de Abreu, aquela da planta que cresce a tal ponto que ele tinha que abrir as janelas e depois as portas, derrubar tudo para que ela se expandisse por aí. Essa é uma das minhas analogias favoritas dele. Que desgraçado que sabia mexer tão bem com as palavras. “Você cresceu em mim de um jeito insuspeitado”, eu queria ter escrito essa frase e ter posto em uma camiseta, ou pintado no muro branco que tem lá na frente de casa. Eu seria o cara daquela frase bonita, sabe? E de algum modo, graças a isso, nós ainda dormiríamos juntos. Com certeza. Então estou escrevendo uma carta, mas daquelas que nunca serão entregues. Na realidade, não sei nem para quem escrevo, nem sei que tipo de narrador sou eu. É algo assim perto do Eu Bruto, narrador Eu Mesmo, eu diria. Sem leitor almejado ou pensado. Talvez escrever cartas seja uma espécie de autobiografia, uma biografia bem egocêntrica, não sei. É besteira quem diz que escreve para outros lerem, eu fico feliz em escrever aqui e guardar para sempre. Mas é besteira maior quem fala que não escreve por medo da pressão. Não há outro ato tão natural e tão almejado. Escrever é se expandir em cada linha. Às vezes é preciso abrir as orações coordenadas, mudar os advérbios, substantivos e até tirar alguns pontos finais, para uma frase que você nunca esperou que pudesse ser tão boa. E assim você se descobre mais uma vez apaixonado por isso. É, acho que acabei utilizando a analogia do Caio. Que filho da mãe que escrevia tão bem. Mas posso dar uma de ladrão, ninguém vai ler mesmo.


De mim para mim, Estevão.


Um comentário:

Mariana disse...

A nova série de posts começou em grande estilo, hein?
Ótimo, como sempre.