domingo, 28 de março de 2010

Para quebrar o silêncio – Postagem Temática

Sabe Isadora nosso filho me perguntou hoje por que eu nunca disse “Eu te amo” para ele. Foi como se eu tivesse batido o carro; não, foi como se eu tivesse ficado meio sedado e com a garganta fechada, procurando uma resposta. Eu não me lembro o que eu disse. Eu só beijei a testa dele e fechei a porta do quarto. Deixei ele dormindo lá sozinho. Isso foi agora há quinze minutos, Isa. Não sei se ele está dormindo ainda. Não tenho coragem de entrar lá para conferir. Você sabe. Não, melhor, você não sabe. Nem eu sei. É, você tem toda razão me olhando com essa cara de espanto. “Que monstro é esse com que eu me casei”, você vai se perguntar. Mas não era isso que eu queria que você pensasse.


Veja só, você não chegou a conhecer o meu pai. É uma pena, ele era um grande homem, bem respeitado. E como todo homem desse porte ele era de difícil entendimento. Ninguém o captava direito, nem minha mãe, nem a mãe dele. Ninguém. Às vezes ele ouvia música durante horas a fio, apenas bebendo o whisk – ficando muito tempo em silêncio nos intervalos das trocas dos álbuns. Era desolador.


Mas de alguma forma eu o admirava.


Houve uma noite em que a mãe não estava em casa e ele me levou para a sala para ouvir a música. Nós ficamos em silêncio todo o tempo, enquanto a agulha do toca disco deslizava nos sulcos e a música se formava. Eram todas ótimas canções, algumas, inclusive, eu escuto até hoje. Você já deve ter percebido. Mas não são as músicas que eu mais admirava naqueles momentos e foi isso que eu percebi. Era o silêncio, era o modo como o silêncio entre tudo (mesmo com a música alta) dignificava aquela posição e o quanto ele me fazia entender o meu pai. Uma espécie de amor e compreensão que só se percebia daquele jeito.


Por isso para mim é sempre difícil dizer “eu te amo”.


E eu achei que eu poderia me fazer entender, como eu entendia o meu pai. Era uma relação estranha, eu sei. Achei que eu poderia desenvolver com o meu filho um outro tipo de laço também, um atalho para não proferir as três palavras. Mas talvez eu esteja errado. Talvez eu possa sim facilitar para o nosso filho, talvez seja hora de quebrar o silêncio.


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Sugestão para o próximo tema: Sexo

3 comentários:

Pricilla Farina Soares disse...

adorei pelo simples fato de me sentir parte da história. Relação com pais silenciosos é sempre difícil mas, quando entendemos não há nada melhor ^^

Anônimo disse...

Adorei o texto, um dos teus melhores textos.

Laura Reis disse...

delícia de texto.