domingo, 28 de fevereiro de 2010

Teoria número vinte e seis: sobre artimanhas e amadurecimento

Eu tenho que vencer várias artimanhas que eu mesmo crio para conseguir realizar algumas tarefas. É engraçado, quem coloca mais adversidade na minha frente é eu mesmo, na melhor das redundâncias. Elas ficam indo e voltando, confrontando-se com o meu objetivo.


E eu anseio, faço voltas em torno delas. Converso comigo mesmo e tento acalmá-las. Durmo. Relaxo. E elas simplesmente somem, quando chega a hora do momento de aflição, de finalmente cumprir o problema. Como se pregassem uma peça, só para incomodar. Como se quisessem apenas me ver nervoso.


Acredito, contudo, que isso também faz parte do processo de amadurecimento.


Que reside no fato de diminuir o caminho das peças que pregamos em nós mesmos. Aprender com os erros e tentar tomar melhores respostas, desviar das armadilhas. Até elas desaparecerem, ou pelo menos serem tão ínfimas a ponto de quase não a sentirmos. A ponto de só nos lembrarmos delas daqui a uns anos quando pensarmos, “Ah, como eu era bobo e me estressava por pequenas coisas, como eu era bobo e ficava nervoso antes de entrevistas”.


Algo me diz que será assim. Tenho certeza absoluta.

Crônicas de um repórter novato – parte XIV

Toda entrevista é uma espécie de estupro.


Percebi isso depois de fazer várias entrevistas na mesma semana para uma matéria dupla. Na realidade, acredito que vamos percebendo algumas ideias, algumas noções aos poucos. Só sei que ela veio pronta em uma tarde, após eu finalmente fechar o texto da matéria. “Toda entrevista é uma espécie de estupro”, foi o que pulou do meu subconsciente e caiu direto na minha mão, escapando para os dedos.


É uma espécie de estupro, porque da parte do jornalista uma entrevista é algo totalmente egoísta, mas nem percebemos isso. Temos que fechar a matéria logo e é absolutamente necessário que a fonte de seu depoimento. Precisamos “roubar” as suas palavras, as suas convicções e crenças. Fazer isso e depois abandoná-la, não dar mais a mínima satisfação.


A não ser o resultado final, a matéria pronta. E às vezes utilizamos apenas alguma citação, ou poucos segundos de um trecho de uma conversa enorme na televisão, ou no rádio. E todo resto que a pessoa disse? O que fizemos com aquilo?


Não tem devolução.


Fica por entre nosso corpo, ditando as futuras ações. Melhorando as nossas futuras entrevistas também. Toda entrevista é uma espécie de estupro. Consentido ou não. Necessário ou não.

sábado, 27 de fevereiro de 2010

Muito pouco


Foi quando resolveu levantar para ir atrás de uma vassoura que sentiu um líquido viçoso escorrer por entre suas pernas. Duas horas da tarde e ninguém da família em casa para socorrer Helena. O sinal de que seu filho estava pronto para nascer finalmente acontecera, mas por que em um momento tão desprovido de sorte, tão solitário? Malditos momentos errados, ela gritava na sua cabeça. Para logo depois ir ao telefone e discar para a irmã no trabalho. O telefone parece não cooperar com o momento também: chama chama chama e ninguém atende. Ô hora de querer sair, ô hora de querer descer. Pensou em amaldiçoar seu ainda não nascido filho, mas o pensamento foi tão rápido que se evacuou por entre um mar de ideias que deixamos de lado, que não valem a pena serem pensadas, ou mencionadas.


Era seu primeiro filho e talvez por isso ela não soubesse exatamente como agir. Não sentia dor. As peles das coxas passavam a conhecer o líquido que saia de sua vagina e deixava a roupa de baixo molhada. Tinha conhecimento que o trabalho de parto não começava necessariamente agora, mas seu espírito foi envenenado pela ansiedade – absolutamente natural para uma garota de 21 anos – e seu coração, graças a isso, pulsava em um ritmo frenético. Buscou o banheiro como opção para tentar se acalmar, tomaria um banho e aguardaria até que sua irmã chegasse do trabalho.


O bebê poderia esperar mais um pouco. Já esperara nove meses. Acabaria nascendo sobre o sol de gêmeos. No dia 6. Ela criaria sozinha e eles seriam felizes, apesar das dificuldades. Enquanto a água caia sobre os cabelos pretos de Helena, e enquanto a água limpava o líquido que se acumulava entre as coxas brancas, pensava em como tudo havia acontecido tão rápido e, ao mesmo tempo, tão devagar. A gravidez foi indesejada por certo tempo, mas acabou a unindo com a irmã mais velha, a única que a apoiara na família, quando decidiu não abortar.


“A gente vai crescer juntos”, ela pensava enquanto passava a mão na barriga e vestia a roupa para ir ao hospital. “Sem nenhuma merda de homem nos enganando”, continuava. Ela havia esperado por João um bom tempo, mas ele nunca voltara. Mas não importava mais. Agora ela era duas, ou melhor, três. Vestiu a roupa de baixo, vestiu a roupa restante e sentindo uma leve dor de cabeça resolveu se sentar na sala. Faltava pouco para que sua irmã chegasse do trabalho. Muito pouco. Faltava pouco para que Helena fosse mais de uma também.


Esse é um novo post que estou criando aqui no Contagens, todo mês farei um texto com uma ilustração. Quem fez a ilustração de inauguração para o post foi meu pai, Nilton Luiz Cardoso Gloria. Ele poderia ter sido um ótimo pintor, mas a vida dá vários caminhos. Espero que tenham gostado.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Obstáculo 26

Eu tenho que vencer o cara burocrático para ser o que eu quero ser. Há dentro de mim alguém que me prende quando almejo algo maior, alguém que bate no meu ombro e diz coisas como, “por que você quer tentar o mais complicado para fazer melhor? vá pelos caminhos conhecidos, faça várias coisas até chegar lá, perca muito do seu tempo....”. Daí eu parto para as minhas artimanhas para distraí-lo, trancá-lo em alguma porta do meu subconsciente maldoso. Acontece que algumas armadilhas já não funcionam mais. Ele já descobriu como destrancar o cadeado e se libertar das minhas correntes. Mas, por enquanto, eu sempre dou um jeito. Nunca quero ser tomado pelo cara burocrático que há em mim. Um dos melhores remédios contra ele é recitar aquele belo poema do Manuel Bandeira:


“Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente

protocolo e manifestações de apreço ao sr. diretor.

Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário

o cunho vernáculo de um vocábulo.


(...)


Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbados
O lirismo difícil e pungente dos bêbados
O lirismo dos clowns de Shakespeare.

- Não quero saber do lirismo que não é libertação.”

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

please, let me keep this memories



"E eu pensei: 'nossa que estranho, estou me sentido atraído pelas costas de alguém'. Você estava com o casaco laranja que eu iria conhecer tão bem - e acabar odiando"

" - É isso aí, Joel... Logo vai acabar.
- É. Eu sei.
- O que vamos fazer?
- ...Aproveitar."




"- E eu ainda achava que você ia salvar minha vida, mesmo depois daquilo.
- Eu sei.
- Seria diferente, se pudéssemos ter outra chance.
- Lembre-se de mim! Faça o melhor que puder, talvez possamos.
"


De dar nó no coração.

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Das camadas


Tudo pessoas felizes.

Cantando o tempo e olhando

o que os filhos fazem

na área de lazer.


Tudo pessoas felizes.

Rindo com suas taças de champagne,

contando viagens à Europa,

e tentando parecer...

(....uma melhor que as outras)


Tudo pessoas felizes.

Nadando na enorme piscina,

que construíram roubando

dos “fundos” o dinheiro alheio.


Quem se importa?


Todas as pessoas tristes.

Elas olham os seus filhos,

morrendo de fome na esquina.


Todas as pessoas tristes.

Elas batalham para sobreviver

e suam as suas mãos,

sonhando com aquilo...

(...que não podem ter)


Todas as pessoas tristes.

Elas morrem de frio,

nunca sobem na vida, e ainda

engulem o caducado brio.


Quem se importa?


Todas as pessoas felizes.

Todas as pessoas tristes.


Vamos inverter as posições?

12/10/04

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Mapa de recordação

Lá pelos idos de 2006, 2007 eu tinha um caderno de anotações onde escrevia lembranças, textos, histórias ou qualquer tipo de invenções a fim de guardar para uma possível posteridade. Acabei encontrando esse caderno hoje e to postando aqui no Contagens alguns trechos soltos pelas folhas de ofício brancas que eu mandei encardenar numa lojinha aqui perto (parece que foi ontem!). Enfim, espero que gostem, para mim serviu como uma espécie de mapa de recordação.


“Eu dormiria eternamente com você.
Aqui comigo, descobríamos rindo
sensações que vivo não admitindo.
Mas encontro sempre ao vislumbrar...
...os nossos pés juntinhos!”


“Abri a porta e a fechei num relance, a verdade é que ainda estava perplexo com a situação. Caso eu saísse o que aconteceria com esse mundo? Poderia desaparecer?”

“Jonas desmonta o pinheiro do Natal, colocando-o na caixa para que passe mais um ano afastado da civilização. E eu apenas embrulho a cidade em Neon”

“E não há botão que funcione
tão bem quanto o adeus.
Desliga todas as funções vitais,
interrompe todos os costumes.”

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Mesmo endereço

Você ainda veste aquela camiseta e mantém o mesmo endereço. O número de três dígitos conta quantos degraus há na escada, depois observa os seus passos esotéricos até o portão. E tudo desaba. Desaba novamente. Saí às 7 e 15 da manhã pega o ônibus e se desenrola. Pega a mochila e se desassossega no assento ao lado da mulher que cheira mal. O homem gordo encosta a barriga na sua cara e você tem vontade de vomitar. O cabelo bonito, comprido, castanho encaracolado que tanto cuidou e que tanto lavou antes de sair de casa todo dia às 7 e 15 da manhã – e que ninguém percebeu (não faz mal mesmo, você faz só para você)– ganhava um cheiro ruim. Graças a moça sentada no banco de trás, que fumava um cigarro bagaceiro. Ônibus de merda e você nem está bêbada para não dar bola para aquilo. Ônibus de merda e você ainda está na TPM e fica mal humorada para complementar com tudo. Você ainda veste aquela camiseta e mantém o mesmo endereço. Ela é roxa e cheia de adereços, a casa é azul e é de madeira pela metade. Desce do transporte quase caindo pelos lados e sem jeito, agora em uma diferente parada. Enjoada e com cólica dolorida. "É a vida".

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

"...mas o amor não existe para fazer a gente feliz?"

Clique na imagem para melhor visualização


O criador da fantástica série em quadrinhos Peanuts morreu hoje há dez anos e pouca gente comentou sobre o assunto. A franquia é conhecida aqui pelo nome do protagonista, Charlie Brow, um dos mais célebres personagens já criados. Sua história durou cerca de cinquenta anos sendo publicada em vários jornais ao redor do mundo.


Charlie era o espelho de Schulz, da sua infância, dos seus problemas pessoais talvez nunca resolvidos. Havia muitas semelhanças entre os dois, mas a melhor de todas é a da idealização em cima da garotinha ruiva. Ironicamente, ela realmente existiu na vida do autor, chamava-se Donna Mae Johnson. A biografia autorizada de Schulz, Peanuts and Shulz: A biography de Harper Colins ,explica que o desenhista chegou a pedir a moça em casamento na década de cinquenta e ela recusou. O criador do Snoopy acabou amargando a rejeição pelo resto da vida.


E a garotinha ruiva se transformou no principal fantasma de Charlie.


É das minhas lembranças mais remotas eu me encontrar no meu quarto assistindo a um desenho da série. Nele, Charlie por sua vez também assistia à televisão, só que acompanhava um jogo de basebol. De repente ele viu uma garotinha ruiva, complexamente linda na arquibanca. Era certo, obtuso e juvenil: Charlie estava apaixonado. A partir disso, sua fixação na moça misteriosa só aumentava. Dividia o seu problema com os amigos, com o seu fiel e romântico cachorro Snoopy, e traçava planos para encontrá-la. Mas nunca chegou perto e quando chegou, nada fez.


Era medo que ele tinha. Era rejeição e receio por não ser aceito, era receio de destruir toda aquela imagem de que nós construímos da outra pessoa. Charlie Brown de certa forma é feliz porque nunca cresceu. Ficou estancado na metáfora daquele amor idílico que perseguimos principalmente na juventude: o platonismo tão fugaz, tão intenso e tão inerente ao ato de ser.

"...mas o amor não existe para fazer a gente feliz?"


Nem sempre, Minduim, nem sempre.


Aqui vai uma das minhas tiras favoritas: talvez porque eu tenha tido uma irmã, quando eu já tinha uns 10 anos. Essa sensação me é extremamente conhecida. Simples e encantador, nenhuma tirinha faz isso atualmente.



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Para os puristas: sim, há um episódio em que Charlie beija a mocinha ruiva, mas ele não foi autorizado pelo autor. Seu rosto nunca realmente chegou a aparecer na série em quadrinhos, foram só os produtores de TV sempre astutos por mais audiência que inventaram tal trama.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Trevoada - postagem temática

Rega todo dia

a terra no pátio,

traz bastante sombra


e


espera pacientemente.

Enquanto se desdobra


uma a uma,

quatro folhas verdes.


Elas desenham

mapas no corpo,

iludem um novo caminho.


Prendem a boa sorte.


Mas também fixam os teus pés

na terra.


(Aproveita e

absorve tudo)


Cresce junto,

pra florescer

o tão esperado

único

e necessário

destino.


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Sugestão para o próximo tema: Retorno.


Essa postagem faz parte do Projeto Postagem Temática, no qual é escolhido um tema, por meio de uma enquete, e vários blogs postam sobre ele. Entre no Blogsintonizados para maiores informações

domingo, 7 de fevereiro de 2010

Meu outro eu

Duas e meia da manhã e eu sozinho, quando um barulho vindo da sala chama a minha atenção. Observo pela janela do quarto que alguém abre o portão de entrada de casa. No entanto ninguém, além de mim e dos meus pais possuem a chave certa para isso. Corro até a sala e tranco a porta com o trinque, coloco uma cadeira para dar mais peso e suporte à porta. Como isso poderia ocorrer? Meus pais estariam bem? Foram viajar há umas duas semanas e só voltariam no fim do mês. Roubaram a chave deles. Será que roubaram a chave deles. O negócio é ligar para a polícia.

Duas e meia da manhã quando eu chego em casa vindo da festa da Luiza, estranho que ainda há uma luz ligada no meu quarto. Me lembro de ter apagado todas antes de partir. Meus pais já teriam retornado? Eles só voltariam no fim do mês...não, não pode ser. Bebi demais e estou imaginando coisas. Parece que há movimento dentro de casa. Agora a porta de casa...como assim trancada por dentro? Com o trinque? Que porra está acontecendo aqui..

Ligo as luzes da rua para o intruso perceber que há alguém em casa, disco o número da polícia enquanto observo pelo olho mágico para ver alguma movimentação. Dá para ver as costas do indivíduo, é alguém da minha estatura, com a mesma cor de cabelo: castanho escura. Foi quando ele virou, assim pelo lado esquerdo, falando algumas coisas sem sentido, que eu reconheci o timbre. Depois vi que também conhecia a camiseta, os tênis, o rosto. Era igual a mim. Era eu? Como poderia ser eu ali fora? E aqui dentro também? Eu de pijama e eu lá fora. Isso não existe. É alguma pegadinha? É melhor abrir a porta e ver o que está acontecendo realmente...

Qual é a melhor coisa a fazer numa situação dessas? Ligar para a polícia. Quem quer que esteja lá dentro é um idiota. Se trancar e ficar lá parado. É alguma bobagem. Pegadinha do Thiago. Só poder ser....Aquele filho da puta do Thiago. Mas ele não teria como fazer cópia da chave. A luz ligou. Que espécie de bandido ligaria a luz? Há algo estranho por aqui... barulho na porta, o trinque....

- Quem é você, porra? Que brincadeira sem graça é essa?

- Quem é você é o que eu pergunto...E o que você faz na minha casa?....peraí.... o que é isso? Você é igual a mim! Eu bebi mais do que o normal na festa da Luiza...só pode ser isso..

- Como assim? Você que é igual a mim. Onde arranjou essas roupas? E a Luiza? Você conhece a Luiza também?

- Isso só pode ser uma espécie de brincadeira...

- Sim, uma droga de brincadeira...

- Ou um sonho, um maldito sonho.

- Nós somos iguais, e isso é impossível...

- Sim, é óbvio que eu conheço a Luiza. E finalmente consegui ficar com ela hoje, depois de muito tempo!

- O que? Com a Luiza? Eu gosto dela desde que a conheci! Como pôde? Mas peraí..se você é igual a mim então...

- Ficamos com ela, Rodrigo!

- Então ela sempre gostou de nós?

- Sim, você deveria ter ido lá..

- Mas acho que eu fui de certa forma...agora entra aqui em casa e me conta tudo, quero saber todos os dealhes...

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Carta 01

Ah, não acredito que estou fazendo isso, mas eu encontrei a velha máquina atirada ao canto e de súbito a peguei. Para a minha surpresa funcionava perfeitamente. Pensei em escrever qualquer coisa e veio a ideia de carta. Então lembrei de nós. Dos pensamentos imbecis que eu tinha antes de dormir e como eu gostava de te cutucar com o cotovelo. Só para brincar, só para te iludir, só para me machucar. Daí você vinha com aquelas frases sempre cheias de metáforas...E o maldito modo como você adorava citar o Caio Fernando de Abreu, aquela da planta que cresce a tal ponto que ele tinha que abrir as janelas e depois as portas, derrubar tudo para que ela se expandisse por aí. Essa é uma das minhas analogias favoritas dele. Que desgraçado que sabia mexer tão bem com as palavras. “Você cresceu em mim de um jeito insuspeitado”, eu queria ter escrito essa frase e ter posto em uma camiseta, ou pintado no muro branco que tem lá na frente de casa. Eu seria o cara daquela frase bonita, sabe? E de algum modo, graças a isso, nós ainda dormiríamos juntos. Com certeza. Então estou escrevendo uma carta, mas daquelas que nunca serão entregues. Na realidade, não sei nem para quem escrevo, nem sei que tipo de narrador sou eu. É algo assim perto do Eu Bruto, narrador Eu Mesmo, eu diria. Sem leitor almejado ou pensado. Talvez escrever cartas seja uma espécie de autobiografia, uma biografia bem egocêntrica, não sei. É besteira quem diz que escreve para outros lerem, eu fico feliz em escrever aqui e guardar para sempre. Mas é besteira maior quem fala que não escreve por medo da pressão. Não há outro ato tão natural e tão almejado. Escrever é se expandir em cada linha. Às vezes é preciso abrir as orações coordenadas, mudar os advérbios, substantivos e até tirar alguns pontos finais, para uma frase que você nunca esperou que pudesse ser tão boa. E assim você se descobre mais uma vez apaixonado por isso. É, acho que acabei utilizando a analogia do Caio. Que filho da mãe que escrevia tão bem. Mas posso dar uma de ladrão, ninguém vai ler mesmo.


De mim para mim, Estevão.