São 11 horas de um domingo em que Eduardo não consegue descansar. Domingo frio, domingo desses de se amolecer na cama, de se esticar e não pensar em mais nada. E agora são 11:05, quando a porta do apartamento – até então cansado, até então inerte –, se abre, num alvorecer matutino. É como se a festa da madrugada anterior invadisse toda a sala: Marianne finalmente havia chegado em casa.
Soltando as botas pelo carpete marrom, tirando a meia calça, que libera a mostra as tão torneadas pernas brancas. Cansada, reclamona e com a maquiagem toda borrada. Os óculos escuros no rosto são atirados friamente no móvel mais próximo.
Dançando até o banheiro, como se ainda estivesse na festa, mexendo as pernas com ritmos alternados por entre os móveis da sala. Ela não via Eduardo, talvez não visse ninguém. Ele também não se fazia notar: mantinha-se quieto por detrás de um grande armário. Enfiado em suas angústias, tentando acreditar que a sua filha nada teria feito na noite anterior.
Do seu lado um retrato de sua esposa pendia na parede. Costumava falar freqüentemente com ela, como se ainda estivesse por perto. “Há pouco tempo era uma criança engatinhando. Elas crescem rápido. Elas crescem muito rápido. Chega a ser cruel, não acha? Chega a ser cruel. Não sei se estou fazendo certo, sabe. Não sei se tenho sido um bom pai. Acho que não, desde que você se foi, eu fiquei quase sem caminho. Ficou só eu e ela. Nunca tive muito jeito para a educação, mas, mas alguma coisa em mim, saiba, Maria. Saiba que eu tentei, mas não sei mais.”
Marianne se tranca no banheiro e o barulho do chuveiro se espalha pelo apartamento. Eduardo sai do esconderijo buscando as roupas atiradas no chão, vasculhando a bolsa da filha, mais por obrigação, rezando para não encontrar nada que pudesse condená-la. O que de fato acaba se confirmando. Só faltava mais uma questão que circundava em sua cabeça desde que Marianne passou a demorar demais para chegar da festa: onde ela havia dormido? Ou melhor, com quem?
Lutava desesperadamente com a ideia de que pudesse ter feito algo que em sua cabeça seus dezesseis anos não lhe permitiam. Lutava tanto contra a ideia que criava uma espécie de fé apocalíptica. Resolveu abandonar a questão. Sua filha, afinal de contas, havia chegado em casa. Deixaria esses assuntos para lá.
Recolheu humildemente as roupas, deixando-as no cesto. O barulho de água aos poucos ia cessando. “Marianne finalmente estava em casa, não é verdade?”, Eduardo conversava com o retrato da esposa., “ela está bem, de alguma forma prefiro acreditar que ela está bem”. Toca com a mão nos olhos pretos castanhos de sua esposa, olhos que Marianne herdou, e vai para o seu quarto finalmente descansar.
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Sugestão para o próximo tema: impulsividades.
4 comentários:
tu sempre consegue me surpreender!
muahh!
É, levou o 'prêmio criatividade' desta edição!
Fé nos outros é sempre a parte mais difícil...
Muito bonito o texto e bem criativo. Gostei muito.
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