sábado, 26 de setembro de 2009

Cara Cecília, - Postagem Temática


Esse caso aconteceu há alguns anos aqui nessa casa, inclusive perto daqui, perto dessa sala onde estou localizado e onde escrevo essas palavras nesse momento. Desculpe se sou demasiado detalhista, mas é de detalhes que as pessoas precisam. Por isso que estou enviando essa carta, eu sei que posso lhe confiar essa história.


É quase certo que ninguém acreditará, mas eu não me importo com o que os outros dirão, contanto que alguém saiba, qualquer pessoa. Por sorte, ou azar, acabou sendo você. Não a vejo há muitos anos, mas de alguma forma você nunca saiu da minha cabeça. Tudo o que estou querendo dizer é que precisava desabafar sobre essa história que me deixa trancado em casa há anos. Que me fez perder dias, amigos, dinheiro, paz interior. Que me fez perder você.


Se lembra como eu costumava ser uma pessoa normal? Trabalhava, saia, fazia amigos com facilidade, dirigia o carro do ano, cumprimentava a todos no bairro. Eu tinha 30 anos e estava no auge. O tempo era meu amigo. Ser jovem não é isso? Achar que vai viver para sempre...


Claro, você estava comigo naquela época, quando tudo começou a ficar mais escuro. A minha vontade de não sair de casa só aumentava e com o tempo os meus gestos se esvaziavam também, meus olhos já não contemplavam mais seu corpo. Eu diria que eles não contemplavam nada. Até hoje me perco no espelho com medo de não me ver. E quase nada vejo.


Acabei me apagando aos poucos.


Enfim, eu estava ficando cada vez mais distante, porque aconteceu algo comigo naquela época que eu não disse a ninguém. Não queria passar por louco. Dessa maneira, você acabou indo embora, acho até que você resistiu por muito tempo. Não havia como lidar com as minhas atitudes ou ações. Não a culpo, obviamente.


Tudo mudou quando eu desci ao porão numa tarde de primavera atrás de uma lâmpada. Você não estava em casa. Eu desci porque ainda estava claro e o sol entrava por frestas no escuro do porão. Foi lá que eu encontrei o que mudaria a minha rotina, os meus dias claros, o meu medo de liberdade. Foi lá que eu encontrei aquele maldito álbum de fotografias.


E veja só, não era um álbum comum. Ele tinha exatamente 50 páginas. Uma foto por cada página. Era grande, respeitável, marrom claro com dourado, ou melhor, as letras eram douradas. Estava todo empoeirado. Soprei e as letras formaram o meu nome: Tarcísio Freitas. Para a minha surpresa, quando folheei as páginas do álbum, encontrei em cada página uma foto minha que ocupava toda a folha, como já escrevi antes. Mas só para frisar.


Era estupendo e horrível, como isso poderia acontecer? Um álbum mostrando a minha cronologia até os cinquenta anos!? Lá estava eu quando criança, eu com 12 anos, com 18, com 25, com trinta, com 40 e com os malditos 50!


Você pode não acreditar, mas é verdade, eu tinha 30 anos e achava que o mundo era meu. Mas esse maldito álbum de fotografias me destruiu; e por que ele parava aos 50 anos? Eu morreria depois? Imaginei que poderia ser alguma graça sua, alguma graça de algum amigo do trabalho, ou algum amigo antigo, mas não via real motivação para que isso acontecesse.


E como eles produziriam aquilo tão bem? Era meu rosto ali. Eram fotos que, até então, eu nunca tinha visto. Como se a porra da câmera tivesse capturado toda a minha essência, as minhas futuras essências também, brincando com a minha vida. A partir daí não consegui mais largar o álbum, vivia com ele para todos os lados. Tentando vislumbrar o futuro, me trancando em casa com medo de que alguma coisa pudesse acontecer comigo lá fora. Eu deveria me guardar de tudo. Me guardar com aquelas fotos.


Vasculhei inúmeras vezes aquele maldito porão atrás de outras evidências. Mas a cada ano que se passava, eu parecia exatamente com a foto do álbum. Os cabelos brancos chegaram e quando percebi os 49 anos batiam a minha porta. É certo que você irá se perguntar porque não coloquei ao fogo o maldito álbum, por que não procurei ajuda, ou porque não aceitei ajuda das várias pessoa que vieram me procurar.


Não aceitei ajuda simplesmente porque elas não acreditariam no que estou contando para você. Não espero que você acredite também, mas é a pura verdade. Me dariam por louco e eu acabaria internado em um hospício. Prefiro ficar conhecido por recluso, do que acabar em uma droga de hospício. E colocar fogo? Nunca faria isso.

Não saberia o que poderia acontecer ao meu corpo, a minha idade.


Meu aniversário será semana que vem, os cinquenta estão chegando. Já estou igual à foto. Talvez por isso tenha me motivado a escrever essa carta. Alguém tinha que saber dessa história. E como você foi a mulher mais importante da minha vida até então...besteiras atrasadas...


Provavelmente dia 12 próximo não estarei mais aqui. Quando receber essa carta, venha ao endereço que está no remetente, aonde encontrará um corpo velho e um álbum com 50 fotografias dele ao seu lado.


Tarcísio F.


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Sugestão: Fé

3 comentários:

Anônimo disse...

tudo isso inspirado pela palavra "fotografia"? Fantástico...

Mariana disse...

Uau. Que idéia!

Pam disse...

que loucura! vai ser criativo assim na pqp!!!