— O quê?
— Ahn...nada...nada.
— Não, não. Fala de novo!
— Mas não é nada demais...esquece.
— Se não é nada demais, por que tu falou então?
— Foi algo rápido, fugiu, caiu da boca...
— Pára, chega de enrolar, Gilberto! Droga, tu sempre faz dessas.
— Mas...mas..
— Meu Deus! Como posso continuar com esse idiota? Tão fraco, sempre se arrastando quando fala!
— Olha, Isabel, me deixa quieto, tu sabe como eu sou...nunca reclamo das tuas ofensas...tu anda muito rabugenta, tão nova e tão chata desse jeito.....
— Viu, viu? É sempre assim, tu começa falando alto, até parecendo homem de verdade, mas no fim vai diminuindo...murmura, parece que ta falando com a droga de uma parede. Que raiva! Não aguento mais, já são dois anos nessa lenga lenga. Só eu para te suportar mesmo...
E eu vejo a casa toda soando como uma grande briga, e todos os pequenos animais que lá vivem parecem ter combinado de se desentender. Os periquitos azulados bicam, arranham os de coloração mista verde-amarela, confrontando-se numa batalha que não tem sentido, justificada, talvez, por um instinto acima de ambos, que os infesta e os contagia. O pequeno cão, também, sente-se meio tonto, latindo alto, uivando, correndo, jogando-se contra a parede, enfrentando a sua sombra. Até os ácaros no sofá velho da sala guerreiam, formado uma grande disputa, talvez uma eterna batalha por território, justiça e vida. O fraco do Gilberto fixa os olhos em Isabela, e depois os tira rapidamente, colocando-os no sofá, como se pudesse ver, também, a grande guerra dos diferentes tipos de ácaros, e então, sempre calmamente, fala:
— Olha, por que tu não relaxa antes de dizer algo, é necessário ficar tão irritada assim? Poderia ao menos medir as palavras, até parece que sou um grande covarde ou algo do tipo...
As palavras só pareceram irritá-la ainda mais, de alguma forma, Isabela sempre vinha com respostas que o machucavam, aborrecendo o constantemente. O papo desprevenido de Gilberto, realmente, nunca adiantou.
— E não é? Sempre sem jeito, de canto em tudo, parece a bosta de um pombo comendo as migalhas dos outros...nem vou falar do que você faz para ganhar dinheiro, né?
- O que tem a droga do meu trabalho?
Ta certo que o trabalho dele não era grande coisa, mas era um trabalho. E quanto a ela, que não fazia nada, sempre pintando as unhas e colorindo a cabeça como se fosse filha de madame.
- Você ainda chama aquilo de trabalho, olha pro Alexandre, aquilo que é trabalho. Aquilo que é ganhar dinheiro...
- De novo esse cara, sempre mete ele no meio, não me compare com esse cara, não me compare com esse merda...
Alexandre. Sempre ele. Olha a roupa do Alexandre, olha o carro novo do Alexandre, olha a carteira cheia de dinheiro da porra do Alexandre. Olha os músculos dele, olha a cara de quem estudou mais dele. Olha o cheiro que ele exala. Olha o sorriso publicitário de anúncio de margarina do Alexandre.
- Mas ele sabe o que fazer.
- Como assim? Sabe fazer o quê? Transar contigo? Te beijar melhor? Te dar mais dinheiro e roupa?
- Ele sabe o que fazer. Da vida, em tudo.
- Como você sabe que ele sabe fazer tudo bem?
A minha raiva por essa mulher só aumenta, aliás, nunca gostei dela, desde que Gilberto pousou os olhos nela, eu fechei os meus. Nunca gostei de ser mandado.
- Não sei, mas imagino, um homem assim não se encontra todo dia...
- Chega! Cala boca, droga, não sei como tinha a intenção de me casar contigo....
- O quê?!
- Isso mesmo, eu aqui, não a merda do nosso vizinho, queria casar contigo, mas eu realmente não sei mais o porquê.
- Eu não mereço um pedido de casamento assim. Droga, esse momento não era para ser assim, e muito menos com um homem como você..
Tá, agora eu vou me apresentar, por que... Bom, não sei, porque chegou à hora. Eu sou a raiva trancada do Gilberto, analisando tudo há anos. Narrando para mim todos os acontecimentos, guardando cada palavra dura e descabelada no meu subconsciente. Ele nunca me liberou, mas agora, bom, agora...
- Vaca! Saí da minha casa, cai fora, cadela, some! Desaparece antes que eu acabe contigo, pega esses teus trapos de vadia e se manda.
- O quê? Cala boca que tu não é homem dis...
Ela não consegue terminar a frase, o meu punho fechado impede, soqueio loucamente a boca, o lábio inferior desliza nos meus dedos fechados. Anos de ódios controlados. O sangue cobre o chão e ela cai amaldiçoando o mundo. Seguro pelos braços, forço o pescoço para a frente, abro a porta e a enxoto.
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