sábado, 30 de maio de 2009
Teoria número dezessete: sobre as possibilidades e o não saber como agir
Sãs as malditas possibilidades que incomodam. Que incomodam todo mundo. Ouso em dizer que as pessoas atualmente são muito mais frustradas do que décadas atrás. Justamente por não ter o leque amplo de possibilidades que nós temos. Vai dizer que o seu pai ou a sua mãe, ou qualquer outro parente seu mais velho que você algumas dezenas de anos, não disse certa vez, “ah, você não sabe a sorte que tem, na minha época a gente tinha poucas escolhas”. Sorte? Não sei mais. Ao proporcionar muitos caminhos, muitas pessoas não sabem qual rumo seguir. O que me lembra um poema do Fernando Pessoa, talvez copiado por uma recente propaganda na voz do Antônio Fagundes, “você irá acordar hoje e virar para a esquerda ou para direita” (era algo assim, mais ou menos). O problema é que não temos só direitas, ou esquerdas, temos as diagonais, e muitos outros caminhos. Ou pensamos que temos. E logo vem aquela ânsia, estou fazendo o que realmente quero? Poderia estar fazendo aquilo? Tenho me dedicado pouco a mim? Deveria escrever mais? Deveria passar mais tempo com os amigos? Posso viajar? É muita possibilidade para a cabeça humana. Nosso corpo não acompanha as mudanças de tempo assim, não nos adaptamos tão depressa. Ainda não encontramos a Internet e suas dez janelas de MSN, mais youtubes, mais música tocando, mais não sei o que. Nossa cabeça ainda não está pronta para essa situação, para todas essas malditas possibilidades. Nós somos apenas a primeira geração pós-possibilidades, talvez nossos filhos, eles sim, estejam prontos para todas os caminhos que existirem.
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Rafael Gloria
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19:03
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teorias
terça-feira, 26 de maio de 2009
Crônicas de um repórter novato - parte V
Cavalos. Era essa uma das pautas que a professora da cadeira de reportagem em Jornalismo Impresso nos passou em aula. Só isso. Cavalos. E listou mais umas vinte. Havia outras também estranhas, como milho, batata, violão, perdizes. Quem já escreveu alguma coisa sobre perdizes? Um animal quase em extinção. Mas não pensei na ave, os cavalos não saíam da minha cabeça. Logo me surgiu uma possível história - sempre surgem elas, antes de tudo. Pensei em apostadores de corrida, que perderam muito por causa do vício do jogo. Pensei em narrar diferentes situações e cruzá-las a partir de diferentes narradores (dá-lhe Tom Wolf!), para isso freqüentaria reuniões de jogadores anônimos. Passaria-me por um deles, para então, ao menos, chegar perto de entendê-los. Afinal, não fazemos jornalismo para isso? Não tentamos ser repórteres para entender e explicar as pessoas? Era isso que eu tinha em mente. Dividi a minha opinião para com a pauta com dois colegas, afinal faríamos a reportagem em grupo. Em trios para ser mais exato.
Eles gostaram da idéia inicial de visitar o hipódromo e ver as apostas e tudo o que elas movimentavam. Visitamos o Jóckey do Cristal numa quinta-feira nublada (único dia em que ocorrem corridas) e ficamos surpreendidos com o retrato do abandono que é o local. Poucas pessoas assistindo e apostando nos páreos. E quando o faziam era pouco dinheiro. Talvez a minha ideia original pudesse ser escrita uns quarenta, cinqüenta anos atrás, quando o turfe ainda estava na moda e as pessoas realmente apostavam grande no hipódromo do Cristal, aqui em Porto Alegre.
Por outro lado, outra pauta estava nascendo. Como um local que um dia fora importante para a capital gaúcha pode estar tão abandonado assim? Um patrimônio histórico, tombado pela prefeitura em péssimo estado de conservação, ninguém mais liga para ele? A realidade é que as pessoas que trabalham no hipódromo parecem viver ainda naquele tempo antigo. Ou melhor, encontram-se deslocados no tempo. Quase abocanhados pelo BarraSulShopping que ronda o terreno do Cristal. É uma boa analogia para toda a reportagem, principalmente a sua conclusão.
Foi uma ótima experiência produzir essa matéria. Ainda mais escrevê-la com colegas divertidos e motivados para o trabalho. Como nós três estávamos sem estágio na época tínhamos tempo para nos dedicarmos a isso. Fomos várias vezes ao hipódromo a fim de falar com as pessoas, observar as suas instalações, realmente sujamos os sapatos (ou seriam tênis, no nosso caso) como disse Gay Talese. Demos até sorte, encontramos um locutor famoso – e lenda viva do turfe –, por acaso, numa agência de apostas. Ele acabou sendo fundamental como linha narrativa e temporal na reportagem.
Coloco o link aqui não para fazer publicidade, mas porque gostaria de divulgar esse site com reportagens produzidas por alunos do curso de Jornalismo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Todos nós tivemos trabalho para escrever e saiu muita coisa interessante.
http://www6.ufrgs.br/ensinodareportagem/
Eles gostaram da idéia inicial de visitar o hipódromo e ver as apostas e tudo o que elas movimentavam. Visitamos o Jóckey do Cristal numa quinta-feira nublada (único dia em que ocorrem corridas) e ficamos surpreendidos com o retrato do abandono que é o local. Poucas pessoas assistindo e apostando nos páreos. E quando o faziam era pouco dinheiro. Talvez a minha ideia original pudesse ser escrita uns quarenta, cinqüenta anos atrás, quando o turfe ainda estava na moda e as pessoas realmente apostavam grande no hipódromo do Cristal, aqui em Porto Alegre.
Por outro lado, outra pauta estava nascendo. Como um local que um dia fora importante para a capital gaúcha pode estar tão abandonado assim? Um patrimônio histórico, tombado pela prefeitura em péssimo estado de conservação, ninguém mais liga para ele? A realidade é que as pessoas que trabalham no hipódromo parecem viver ainda naquele tempo antigo. Ou melhor, encontram-se deslocados no tempo. Quase abocanhados pelo BarraSulShopping que ronda o terreno do Cristal. É uma boa analogia para toda a reportagem, principalmente a sua conclusão.
Foi uma ótima experiência produzir essa matéria. Ainda mais escrevê-la com colegas divertidos e motivados para o trabalho. Como nós três estávamos sem estágio na época tínhamos tempo para nos dedicarmos a isso. Fomos várias vezes ao hipódromo a fim de falar com as pessoas, observar as suas instalações, realmente sujamos os sapatos (ou seriam tênis, no nosso caso) como disse Gay Talese. Demos até sorte, encontramos um locutor famoso – e lenda viva do turfe –, por acaso, numa agência de apostas. Ele acabou sendo fundamental como linha narrativa e temporal na reportagem.
Coloco o link aqui não para fazer publicidade, mas porque gostaria de divulgar esse site com reportagens produzidas por alunos do curso de Jornalismo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Todos nós tivemos trabalho para escrever e saiu muita coisa interessante.
http://www6.ufrgs.br/ensinodareportagem/
sábado, 23 de maio de 2009
quarta-feira, 20 de maio de 2009
E a Ritinha?
- A gente já fez cada merda! Época que não volta mais.
- É verdade nem me diz, cara, mas é a vida, e foi divertido não foi?
- Com certeza. Pega a cerveja aqui, enche o copo. Depois se quiser mais me avisa.
- Ok.
- Se lembra daquela guria, aquela que eu sempre quis, mas ela nunca me dava bola. Como era mesmo o nome?
- Uma morena, não era? Baixinha talvez..
- Isso...a..Ri...Rita...Ritinha! Ritinha...ah..a Ritinha me fazia mal, queria ter pegado ali...como será que ela tá agora?
- Bah, aquela..eu matava certo...porra...era muito boa mesmo
- Pois é, tivemos sorte em questão de qualidade do mulherio na época da faculdade
- Tempos que não voltam mais
- Brindemos a isso
- Brindemos a Ritinha
- Saúde Ritinha! Esperamos que continue com uma boa saúde!
Som de cerveja descendo a garganta. O sol lá fora é escondido pelo preto fechado do começo da noite. Conversas em outras mesas. Barulho de copos escorregando nos plásticos.
- Casado então?
- Pois é, ela trabalha com vendas. Ganha um bom dinheiro. E agora o Jonas fica com a vó, o moleque já ta grande.
- É verdade. É verdade. Você já é pai. Cara, como isso aconteceu? Não sabia mais nada de você, desde o fim da faculdade. Se não fosse te encontrar por acaso agora há pouco na rua, talvez nunca mais soubesse..
- O tempo voa.
- O tempo é uma merda
- Brindemos a isso
- Não, brindemos a Ritinha
- Saúde Ritinha, muita saúde nesse corpo!
- É verdade nem me diz, cara, mas é a vida, e foi divertido não foi?
- Com certeza. Pega a cerveja aqui, enche o copo. Depois se quiser mais me avisa.
- Ok.
- Se lembra daquela guria, aquela que eu sempre quis, mas ela nunca me dava bola. Como era mesmo o nome?
- Uma morena, não era? Baixinha talvez..
- Isso...a..Ri...Rita...Ritinha! Ritinha...ah..a Ritinha me fazia mal, queria ter pegado ali...como será que ela tá agora?
- Bah, aquela..eu matava certo...porra...era muito boa mesmo
- Pois é, tivemos sorte em questão de qualidade do mulherio na época da faculdade
- Tempos que não voltam mais
- Brindemos a isso
- Brindemos a Ritinha
- Saúde Ritinha! Esperamos que continue com uma boa saúde!
Som de cerveja descendo a garganta. O sol lá fora é escondido pelo preto fechado do começo da noite. Conversas em outras mesas. Barulho de copos escorregando nos plásticos.
- Casado então?
- Pois é, ela trabalha com vendas. Ganha um bom dinheiro. E agora o Jonas fica com a vó, o moleque já ta grande.
- É verdade. É verdade. Você já é pai. Cara, como isso aconteceu? Não sabia mais nada de você, desde o fim da faculdade. Se não fosse te encontrar por acaso agora há pouco na rua, talvez nunca mais soubesse..
- O tempo voa.
- O tempo é uma merda
- Brindemos a isso
- Não, brindemos a Ritinha
- Saúde Ritinha, muita saúde nesse corpo!
domingo, 17 de maio de 2009
Obstáculo 17
O pior sentimento que existe é aquele que toma nosso corpo aos poucos. Aparece lentamente e lentamente é alimentado. Pelas pequenas coisas, pelas besteiras do cotidiano, pelas fofocas tradicionais. É triste perceber que aos poucos a razão vai se apagando do cérebro, sendo acobertada, escondida, pegando no sono. Esse sentimento talvez seja o mais trapaceiro de todos. O mais esperto, o mais malandro. Ele nos pega sem querer – quando percebemos já está alimentando todas as nossas conversas. E ele está espalhado por todas as cidades, em cada rua, em cada casa. Subindo as telhas, entrando pelos poros dos tijolos, circulando nosso corpo. Moldando-nos. Acredito que seja a maior poluição do nosso dia-a-dia. Capaz de infectar qualquer tipo de sistema. Alguma parte de mim ainda confia nas pessoas, alguma parte de mim ainda não foi tomada por esse sentimento e tenta combatê-lo todos os dias. É difícil, mas é necessário. Viver é perigoso, como já dizia o personagem Riobaldo de Grande Sertão Veredas. Ainda mais se você viver com rancor.
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Rafael Gloria
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20:54
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obstáculos
sexta-feira, 15 de maio de 2009
Obrigações
Ela caiu
Que pena. Nem queria mais mesmo.
Tava só doendo a coisa entre nós. Doente.
Isso é o que ela deveria ser.
Como não vi antes.
O precipício a minha volta – e eu beirando o instante.
Nem tenho mais medo.
Enquanto a gente troca os jeitos.
Beijos sem dengos, abraços afogados
Dormindo nessa composição.
“A verdade é que os nossos caminhos se cruzaram só por momento”, ela me disse.
Não me lembro como respondi. Tirei o dinheiro da carteira e atirei na cama:
“Puta por obrigação”
Que pena. Nem queria mais mesmo.
Tava só doendo a coisa entre nós. Doente.
Isso é o que ela deveria ser.
Como não vi antes.
O precipício a minha volta – e eu beirando o instante.
Nem tenho mais medo.
Enquanto a gente troca os jeitos.
Beijos sem dengos, abraços afogados
Dormindo nessa composição.
“A verdade é que os nossos caminhos se cruzaram só por momento”, ela me disse.
Não me lembro como respondi. Tirei o dinheiro da carteira e atirei na cama:
“Puta por obrigação”
quarta-feira, 13 de maio de 2009
Em primeira pessoa
Sempre gostei de textos narrados pelas impressões do indivíduo. É o modo mais fácil de escrever – e por isso mesmo, é muito mais suscetível a virar banal. Contudo, quando o texto é bem escrito, a narração é meticulosamente amarrada e a história é interessante, a primeira pessoa se tornará uma ótima arma para uma maior aproximação com o leitor. E é esse o seu maior ponto forte, ao escrever em primeira pessoa, insere-se um maior laço de “atenção” com a pessoa que folheia as páginas. Rubem Fonseca é o exemplo clássico, inserindo-se no personagem, pensando com – e como – ele, fazendo-o falar em sua linguagem. Viver o seu mundo histórico e conversar com a realidade. Parece uma coisa fácil de pensar, mas...mas não é.
É por isso que o velho Fonseca é mestre e é por isso que há vários textos narrados em primeira pessoa ruins. Eles não prendem a atenção porque não universalizam os temas: acabam só inflando o ego do autor.
É por isso que o velho Fonseca é mestre e é por isso que há vários textos narrados em primeira pessoa ruins. Eles não prendem a atenção porque não universalizam os temas: acabam só inflando o ego do autor.
domingo, 10 de maio de 2009
É
Não sei fazer outra coisa, senão escrever.
Se eu soubesse cantar, tocar bem algum instrumento, se eu fosse bonito, se eu soubesse atuar, se fosse ótimo com público, se eu contasse piadas engraçadas. Ou ainda se eu tivesse talento em ensinar, construir casas, em mexer em fórmulas químicas, matemáticas. Ou se acaso eu pudesse dirigir filmes, planejar festas, cozinhar inúmeras coisas diferentes, saber me relacionar muito bem com outros indivíduos.
Mas não.
Pensando bem, eu posso fazer tudo isso, de um único modo: escrevendo. Olhando o mundo ao meu redor, observando, pensando. Moldando as minhas ações com o único intuito de transcrever para o papel o que eu invento, o que eu penso.
Sorte que eu não sei fazer outra coisa, senão escrever.
Se eu soubesse cantar, tocar bem algum instrumento, se eu fosse bonito, se eu soubesse atuar, se fosse ótimo com público, se eu contasse piadas engraçadas. Ou ainda se eu tivesse talento em ensinar, construir casas, em mexer em fórmulas químicas, matemáticas. Ou se acaso eu pudesse dirigir filmes, planejar festas, cozinhar inúmeras coisas diferentes, saber me relacionar muito bem com outros indivíduos.
Mas não.
Pensando bem, eu posso fazer tudo isso, de um único modo: escrevendo. Olhando o mundo ao meu redor, observando, pensando. Moldando as minhas ações com o único intuito de transcrever para o papel o que eu invento, o que eu penso.
Sorte que eu não sei fazer outra coisa, senão escrever.
terça-feira, 5 de maio de 2009
Sala dos escritores Portugueses e Brasileiros – Final de 2008
Um homem visivelmente nervoso, vestido a rigor, chega próximo a grande porta de madeira antiga – empoeirada pelo tempo – e a abre. Ao adentrar a extensa sala, preenchida por várias estantes, é surpreendido pela voz experiente de um velho mulato brasileiro, também elegantemente trajado, e que se encontra sentado à poltrona, na ponta de uma comprida mesa. “Está adiantado para a sessão de hoje, senhor Pessoa. Puxe uma cadeira, os outros ainda não chegaram. Agora, me diga, como tem passado?”, pergunta o escritor de sotaque carioca. O português se senta, apresenta uma expressão desanimada escancarada no rosto e diz: “ando muito confuso, os últimos acontecimentos estão acabando comigo, não entendo o novo acordo, as regras não podem mudar assim”. Enquanto fala, ele mexe os olhos, procurando todas as obras clássicas da literatura de seu país enfileiradas em uma estante gigantesca, que se estende a uma altura em que não é possível terminar de se enxergar. “O que acontecerá com a minha pátria, a Língua Portuguesa, Machado?”. O velho de olhos de ressaca se levanta, sorri ironicamente, observando outra estante gigantesca que se encontra ao lado da anterior, com todo o acervo de livros publicados em seu país e solta, “ao contrário de você, não vejo um problema real nisso, será bom para os dois países. As duas ortografias vão entrar em acordos, cede-se um acento ali, uma regra aqui, mas as palavras vão sempre existir”. Enquanto Machado tece o discurso, Pessoa imerge cada vez mais em si, como se esperasse da língua o que ela não poderia lhe dar no momento: conforto.
“Não há respostas simples e você sabe muito bem disso”, continua o brasileiro, com uma voz calma e afiada, desafiando a postura do escritor português e prossegue, “Os livros, bem, eles viraram sinônimo de dinheiro, todo mundo sabe que a economia subverteu a literatura...”. Machado não pôde continuar sua explicação, um Pessoa que não era mais só uma pessoa – e sim talvez três, ou talvez 30 – pulou da cadeira, deixando cair o chapéu. Pôs-se de pé rapidamente e soltou um grito misturando todos os seus diferentes timbres. O brasileiro surpreendeu-se, ainda não conhecia aquela face do companheiro de reuniões literárias, justo ele que sempre fora tão reservado, tão talentoso, mas tão introvertido. De alguma forma, ele se dera conta que era tarde demais: Pessoa já se encontrava desfragmentado.
Foi então que o português recolheu seu chapéu, e fitou fixamente Machado, soltando, “sabe o que mais me incomoda? O que descontenta todas as pessoas em mim, e tudo aquilo que eu dia fui, e que ainda sou?”. O escritor brasileiro não sabia o que dizer. O ato inesperado havia lhe surpreendido. Ele estava encurralado. Acabou optando pelo em silêncio, esperando a reação. Pessoa, então, bufando de raiva logo gritou, subindo na cadeira: “O sentido! O maldito sentido! A ortografia é um certificado de existência de cada país, e ela não deve ser alterada! Os meus livros não podem ser modificados, porque o sentido, o sentido não seria o mesmo. Viva a minha pátria, a língua portuguesa!”.
Machado discordava de tudo em Pessoa, desde o momento em que ele subiu na cadeira, até a última letra de seu discurso idealista. As palavras agora lhe voltavam calmamente. Exigiu que descesse do assento o mais rápido possível e que fosse mais sensato. “O sentido das palavras não mudará, e ninguém mexerá nos seus poemas, meu amigo, agora desça e me escute”, disse. O brasileiro lhe deu a mão, como se assinasse uma trégua, como se lhe oferecesse ajuda para enfim voltar à realidade. Mas não foi o que aconteceu. Num golpe de cólera, Pessoa o empurrou, jogando-o ao chão. Ao mesmo tempo, o escritor luso também despencou, colidindo com a estante dos livros portugueses – seus conterrâneos –, e atirando boa parte das publicações ao chão. O impulso fez várias das obras brasileiras seguirem o mesmo caminho. Mesmo que eles não quisessem, agora estava tudo misturado. Os corpos velhos estendidos no chão, cobertos pelos livros das duas nacionalidades. As diferenças encontrando-se, quem sabe criando vida nova, quem sabe, desse modo, construindo novos sentidos.
* texto enviado para um concurso
“Não há respostas simples e você sabe muito bem disso”, continua o brasileiro, com uma voz calma e afiada, desafiando a postura do escritor português e prossegue, “Os livros, bem, eles viraram sinônimo de dinheiro, todo mundo sabe que a economia subverteu a literatura...”. Machado não pôde continuar sua explicação, um Pessoa que não era mais só uma pessoa – e sim talvez três, ou talvez 30 – pulou da cadeira, deixando cair o chapéu. Pôs-se de pé rapidamente e soltou um grito misturando todos os seus diferentes timbres. O brasileiro surpreendeu-se, ainda não conhecia aquela face do companheiro de reuniões literárias, justo ele que sempre fora tão reservado, tão talentoso, mas tão introvertido. De alguma forma, ele se dera conta que era tarde demais: Pessoa já se encontrava desfragmentado.
Foi então que o português recolheu seu chapéu, e fitou fixamente Machado, soltando, “sabe o que mais me incomoda? O que descontenta todas as pessoas em mim, e tudo aquilo que eu dia fui, e que ainda sou?”. O escritor brasileiro não sabia o que dizer. O ato inesperado havia lhe surpreendido. Ele estava encurralado. Acabou optando pelo em silêncio, esperando a reação. Pessoa, então, bufando de raiva logo gritou, subindo na cadeira: “O sentido! O maldito sentido! A ortografia é um certificado de existência de cada país, e ela não deve ser alterada! Os meus livros não podem ser modificados, porque o sentido, o sentido não seria o mesmo. Viva a minha pátria, a língua portuguesa!”.
Machado discordava de tudo em Pessoa, desde o momento em que ele subiu na cadeira, até a última letra de seu discurso idealista. As palavras agora lhe voltavam calmamente. Exigiu que descesse do assento o mais rápido possível e que fosse mais sensato. “O sentido das palavras não mudará, e ninguém mexerá nos seus poemas, meu amigo, agora desça e me escute”, disse. O brasileiro lhe deu a mão, como se assinasse uma trégua, como se lhe oferecesse ajuda para enfim voltar à realidade. Mas não foi o que aconteceu. Num golpe de cólera, Pessoa o empurrou, jogando-o ao chão. Ao mesmo tempo, o escritor luso também despencou, colidindo com a estante dos livros portugueses – seus conterrâneos –, e atirando boa parte das publicações ao chão. O impulso fez várias das obras brasileiras seguirem o mesmo caminho. Mesmo que eles não quisessem, agora estava tudo misturado. Os corpos velhos estendidos no chão, cobertos pelos livros das duas nacionalidades. As diferenças encontrando-se, quem sabe criando vida nova, quem sabe, desse modo, construindo novos sentidos.
* texto enviado para um concurso
domingo, 3 de maio de 2009
Resfrie-se
É a coisa mais legal do mundo. Pegue uma gripe – menos a do porco. É divertido, é aconselhável. Vai te fazer repousar, você será cuidado. As pessoas ao redor vão passar a se importar mais com você. Até aquelas que nunca foram muito de lhe dar tempo, ao menos, quando você estiver resfriado, elas lhe notarão, para assim poderem te evitar.
É fato comprovado.
Pegue uma febre, ou coriza. Há males que vem para o bem, no mínimo terá uma desculpa para ficar em casa descansando. Debaixo do edredom, enquanto seus irmãos saudáveis, seu pai, sua mãe vão correr durante o dia. Você verá filmes, tomará chás, pastilhas, etc. E se ainda tiver uma avó, ela lhe cuidará, com todo o carinho que nenhuma outra pessoa pode oferecer.
Fique gripado é legal. Aproveite a ótima época do ano que proporciona esse fantástico bem-estar.
É fato comprovado.
Pegue uma febre, ou coriza. Há males que vem para o bem, no mínimo terá uma desculpa para ficar em casa descansando. Debaixo do edredom, enquanto seus irmãos saudáveis, seu pai, sua mãe vão correr durante o dia. Você verá filmes, tomará chás, pastilhas, etc. E se ainda tiver uma avó, ela lhe cuidará, com todo o carinho que nenhuma outra pessoa pode oferecer.
Fique gripado é legal. Aproveite a ótima época do ano que proporciona esse fantástico bem-estar.
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