terça-feira, 24 de junho de 2008

Diálogo

(...)

- Tenho tido azar. Estou numa situação delicada. Fui casado muito tempo. Achei que viveria melhor sozinho e foi ótimo. É excitante, mas solitário também. Eu deveria ter ido atrás de você, assim que a conheci, mas não. Acho que o motivo foi que tive medo porque despertou sentimentos verdadeiros em mim. E fiz outra besteira. Mas vou desfazer. O que fará amanhã?

- Isso é você, ou o seu romance?

- Amanhã vou estar bem, juro.

- Não quero causar problemas a ninguém.

- Claro. E você e o David?

- Já disse a ele que preciso de alguém que me domine e não acho que ele consiga. Todo cara que saí comigo acha que vai me fazer ser fiel. Portanto, fique avisado...

- Não me assusto tão facilmente.

- Estou dizendo, não me conhece.

- Conheço, escrevi sobre você. Você foi o obscuro objeto de desejo nos meus livros. Um fracasso. Por culpa minha. Mas conheço bem, até demais.

- Não se engane. Não sou sua personagem.

- Estou dizendo que a inquietude, a inconstância e a imprevisibilidade com que tem magoado os outros, e, amor, você tem magoado, acabaram hoje.

- Como pode estar tão confiante? Ou estará com medo?

- Não sou David. Criei você duas vezes na minha imaginação. Escrevi sobre você antes de saber que existia. Só que eu sabia que ia conhecê-la.

- Hum...Diga o que estou pensando.

-“Queria que ele calasse a boca, e me beijasse”

- Mas chegou atrasado.

- Não cheguei, a hora é essa. Mas por que beija-la aqui, se o seu apartamento fica perto?

- Como sabe disso?

- E eu não ia saber onde você mora?

- Você foi Steffi no meu primeiro livro e Louise no segundo. E agora...você é Nola.

Beijo

(...)

Diálogo extraido do longa “Celebridades” de Woody Allen. É minha parte favorita do filme, acredito que consegue falar sobre uma coisa que todos nós fazemos em algum ponto da vida: a idealização. É claro que o filme exagera, quando o protagonista diz que a criou duas ou três vezes em seus livros. É uma analogia para o que fazemos em nossas mentes, criamos mundos, vontades, pessoas. Brincamos com nossas maiores dores, ou aquelas que podem se tornar as maiores dores. É verdade, sou rei disso, sempre fui, mas ando aprendendo a controlar a imaginação chata. É o velho embate entre racionalidade e emoção, medo e coragem, vontades díspares que brigam sempre, que se machucam sempre.

2 comentários:

Ângela disse...

Maravilhoso comentário!
Mas é justo com nós mesmos não deixarmos livre a nossa imaginação? Claro que, assim, nossa dor nunca será tão grande (decepções são inevitáveis!) - mas estaremos, também, nos privando da felicidade total. O racional ou o emocional: onvindo qual dos dois nos machucaremos menos? Não sei.

Beijo!

Anônimo disse...

"entre razões e emoções a saída é: fazer valer à pena".
palavras do mestre. cuidado pra não se afogar na profundidade dessas palavras!