quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

Das distâncias

Lá estava eu, e a uns quatro metros, lá estava ela também. O copo plástico branco de cerveja na minha mão, calmamente gelado, grudava na minha pele, levava-o à boca algumas vezes, como se ele fosse viciado em mim, e não ao contrário. Encontrava-me parado em frente ao bar com o Luís, que parecia mais extasiado do que qualquer outro. Por outro lado, eu não estava muito atento à barulheira, ou aos gritos exagerados, conversas bizarras, nem com a música ao fundo – até porque ela fugia do meu gosto. O que eu cuidava mesmo era a movimentação dela, o jeito como andava e saía e o modo como me dava pouca – mas sempre respeitosa – atenção. Sabia seu sobrenome, quantas vezes espirrava, irritada por alguma poeira maldosa que teimava aporrinha-la, e de certa forma compartilhava alguns de seus ideais. Mas o que eu queria mesmo compartilhar ela não deveria ter idéia, não tinha conhecimento de como seu corpo me fazia mal, de como há tempos tudo o que eu sei e leio nos livros refere-se a ela. Não considero uma doença, talvez algum transtorno que me ilude devagar, algo que entra na minha alma e fecha tudo. Fica ali. O cabelo preto, a pele morena, o vestido branco devagar olhando para lá e para cá, a cerveja gelada na minha garganta, Luis sem parar de falar ao meu lado. Tudo fluindo junto. O que ela pensaria de mim? Gosto de fechar os olhos e imaginar tudo quieto e ela se aproximando, como se fosse me fisgar, depois nós derretendo devagar, sempre juntos e quietos. Logo, bebemos uma cerveja qualquer, viciada em nossas mãos, e dormimos. Enquanto penso, ao mesmo tempo sei que continua tão longe quanto a luz falsa que banha a todos naquela sala, talvez tão distante quanto a minha própria consciência.