terça-feira, 28 de outubro de 2008
Ainda sem nome
É aquela sensação novamente, é necessário correr das coisas que andam me ofuscando, e que eu conheço bem, caso soubessem que eu posso me entender, que tenho certa consciência. O gorducho tinha que se ferrar mesmo. Nunca gostei dele. Sempre vigiando, batendo, jogando pedras, ameaçando-me, que raiva! Mas hoje eu me vinguei. E agora estou correndo feliz com o meu feito. Só não consigo acreditar que ele segue bem mo meu encalço, como uma poça de banha pode ter tanto fôlego? Por que não se dissolve nesse sol escaldante? Derrete e destrói todos esses seres idiotas a minha volta. O meu mundo é mais embaixo, onde eles não olham. E os raros que me enxergam só me dão afagos que não enchem o estômago. Todos voltam para suas casas felizes. Eu não quero só viver. Quero ser de madame e gastar do bom e do melhor. Esse mundo não é para mim. Acelero ainda mais minhas patas, pelo menos tenho quatro delas, posso tirar vantagem nesse terreno. Apesar de eu ser um cachorro e suar pela língua, não é a minha que está para fora: o balofo meio que se perde, não é só a sua boca que demonstra cansaço, todo o seu corpo parece estar ruindo, tropeçando, enfim, destruindo-se pelo calor. Vendo ele parado há alguns metros, de joelhos, e as mãos no chão, é como se eu o encontrasse no meu mundo. Estamos no mesmo plano agora, ele não me encara, baixa a cabeça, parecendo dizer que se entrega, está cansado demais para continuar correndo. E eu meio que paro. É necessário dar uma pausa, o maldito sol queima meus arredios pêlos brancos, pintando o meu manto canino de uma coloração queimada. Poucos momentos bons nessa vida irrequieta. E um deles foi ver a cara desse gordo ao morder a sua mão, o sabor da carne e o sangue escorrendo deram um ânimo a mais nessa tarde. Droga, não gosto de parar. Começo a refletir. E isso tem me feito mal. Só sei que não quero passar mais um segundo a me entregar para estranhos. Jamais. Esse sujeito, é só mais um de uma quantidade enorme de opressores, não pode continuar assim. A questão biológica fala mais alto, entre meus devaneios, me dá sede, muita mesmo, como se viesse de um golpe só, atravancando minha garganta e toda a minha circulação de pensamentos. A calçada está no fim, vejo do outro lado, uma poça gigante de água parada daquelas que se atiram do céu, acumulada. Não penso duas vezes, remexo-me novamente, atrás dela, contudo, na minha frente há aquele deserto cinza e tenebroso, onde máquinas gigantes brincam de correr. Quando era mais moleque até tentava alcança-las, mas nunca sequer as toquei. Desisti então, mas pelo restante da vida senti um temor, algo que me chamava muito a atenção nelas. Ao mesmo tempo em que observo o andar dos grandes gigantes de ferro, ouço a voz conhecida: era o gorducho novamente. Levanta-se parece revigorado, sórdido, inconseqüente, com um sorriso e várias raivas na mão. Ele se aproxima e salta ao meu encontro. E então eu não vejo mais nada, coloco-me no deserto, atrás da água e para longe dele, caso chegasse à outra margem estaria salvo. Mais por desejo e por medo que me atiro, não vejo máquina nem nada. Tudo que sofro é um forte impacto, que me joga a alguns metros de distância, não estou com mais sede, porém, sinto algo escorrer na minha boca, meio meloso, é certo, mas já me solidifica. Minha próxima visão é o barulho e sombras daqueles seres estranhos a minha volta. Sinto algo me segurando, e por fim, vejo-me alcançando a água. Está tudo deserto agora. E aquela poça é só minha. Bebo um pouco e descanso solitário. Nada mais ao meu redor.
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