sexta-feira, 5 de setembro de 2008

As minhas mortes

A primeira vez que eu me dei conta que as pessoas não viveriam para sempre eu tinha 7 anos. Já era quase meia noite, e eu não conseguia dormir, vira na televisão que talvez um meteoro acertasse a terra, lá pelos, então distantes, anos 2000. Até esse momento eu pensava que ficaria eternamente com os meus pais, minhas irmãs, meus brinquedos. Por que tudo aquilo deveria acabar? Não seria justo. Meu pai, percebendo minha angústia, me acalmou, falando que seriam somente suposições, não se poderia confirmar, e que ele sempre estaria por perto. Minha mente avoada de criança deixou o assunto de canto – mas aprendera uma lição: todo mundo ficará sozinho em algum momento.
A segunda vez que eu me dei de cara com isso, foi quando estava na quarta série, era aniversário da minha mãe e eu recebi uma ligação de um colega e amigo de colégio. Uma das primeiras notícias mais tristes da minha vida, nossa companheira de sala havia morrido num acidente de carro. Ainda me lembro da minha reação: eu comecei a rir. Primeiro, porque achei que era uma brincadeira de mau gosto, mas depois que confirmei a veracidade de suas palavras, o riso tomou outro rumo, o do nervosismo, o de não saber lidar com a situação. Como uma pessoa que por vezes sentara do meu lado poderia desaparecer de uma hora para outra?
A terceira vez foi quando eu realmente percebi como a morte age, porque foi perto de mim. Ela tinha quase 16 anos, já era velha para o padrão canino, e tudo parecia atacá-la. O tempo, os pêlos, as patas, os medos. Já era a sua hora, e o manto preto rondava a casa, como se escurecesse toda a nossa família. Me lembro nitidamente da última noite, todo mundo sabia que não possuía muito tempo de vida, tentávamos animá-la, fazê-la dormir dentro de casa, dar um cobertor, tentar impedir de alguma forma o final já esperado. Mas ela se recusava. Já era noite, quando de longe a vimos caminhando respeitosamente para o canto do pátio, perto de um aglomerado de folhas caídas da árvore. Ela ali deitou e esperou, como se fosse o destino de toda a humanidade, de cada ser vivo que respira na terra. Nenhum de nós ousou ir atrás para forçá-la a entrar em casa, ela não queria isso, ou melhor, ela não merecia isso. Iria morrer, como escolhera, como tudo no final evacuará: sozinha.

3 comentários:

Ângela disse...

Li :).
Não sei bem o que dizer, mas acho que ficar sozinho pode ser também ser uma escolha: não quero morrer fazendo com que pedaços de quem eu gosto morram comigo.
E, aposto, a terceira morte foi a que mais doeu - além de perder alguém que TU amava, perdeu alguém que TE amava.

Pam disse...

Iria morrer, como escolhera, como tudo no final evacuará: sozinha.
ha ha ha..
eh foda perceber q somos sozinhos neh?
eu acho entao, q o post n eh sobre perda.. mas sobre perceber a finitude da vida (propria) e sobre ser sozinho.. q eh a condiçao, pelo jeito, nao soh humana.. mas de td q vive.. ahn?

Rafael Gloria disse...

de certa forma é sobre perceber coisas
as minhas mortes de ingenuidades..
de certa forma..
beijo, tainaa