sábado, 26 de abril de 2008
sadismo
“ela me cobrou cinqüenta reais”, soltou evandro para paulo durante um bate papo descompromissado no elevador. “cinqüenta reais, a vagabunda, esse deveria ser o seu apelido, cinquentinha, cíntia cinquentinha”. paulo só ria, puro sorriso amarelo, quieto no canto, desejando que o elevador tivesse uns 100 metros quadrados de área. mas não. tinha que se contentar com o quase metro que o separava do conhecido. “que putinha, cara, que putinha, mas cobrar cinqüenta reais, a bagaceira não tem gabarito, a bagaceira não tinha gabarito...” , soltando tudo para fora. metido no seu terno engomadinho, a gravata preta, o óculos falso sério, evandro era um sádico. paulo era quieto. e só ouvia. até o décimo sétimo andar. “olha só vou te contar, cara, vou te contar tudo, foi bem assim..”, enquanto ele arrotava as palavras, paulo procurava não as entender, queria fugir na próxima parada, descer com a vertigem. porém, sabia que era perseguido, rastreado pelo colega, que, apesar de tudo, tinha o dom de colocar as palavras nos lugares certos. “morena, lisa, uma bunda, ahhhhhhhhh, cara, sem noção, mas não tinha gabarito de cobrar cinquentinha, ah, cíntia cinquentinha, cíntia cinquentinha!”. por azar de paulo, os dois encontravam-se sozinhos num elevador de capacidade de 600 quilos. pelo menos não passaria vergonha pública. evandro gesticulava, fazia poses, abria as mãos, brincava, o elevador era um grande palco, no qual ensaiava seu monólogo. faltando quatro andares para o fim do martírio, a porta resolveu se abrir, e o show foi interrompido por duas belas pernas. morena de sol, de saia curta e despreocupada. evandro agora parecia imitar paulo, ficando mudo também. quieto. os dois eram platéia, apreciando o espetáculo. em pleno silêncio. ela desceu logo em seguida, levando a quietude com ela. houve alguns segundos de marasmo entre os dois ainda, paulo já estava para descer, quando evandro o segurou forte pelo ombro, e perguntou com o conhecido sorriso sádico no rosto: e essa, quanto será que cobra?
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