sexta-feira, 11 de abril de 2008

Eu nunca vou saber

“Ela não fala a mesma língua que eu” grita Raquel, enquanto bate na cama, bravamente. Depois olha para o seu cachorro ao lado da escrivaninha no quarto, quieto e de orelha abaixada, marrom, sincero, sempre sozinho. Talvez todos nós sejamos assim. Ao invés de continuar o espancamento imbecil contra seu leito, agora faz carinho no colchão, depositando o seu corpo inconformado na cama. Família é tão estranha, ainda mais para uma adolescente idiota de quinze anos. O cãozinho esfrega-se nos seus pés pequenos soltos, gravitando imerso no ar, para baixo, tudo para baixo. Segura o travesseiro meio grande demais, conformado demais, chora demais. Mas passa rápido, xinga a mãe com toda a raiva que guarda, depois explode de calma, vira brisa por aí, quase um sereno enxaguando as lágrimas no lençol. Chegada a calmaria, afana o cachorro com a mão, esfregando o focinho, depois desliza pelo seu pêlo cansado, calmo, reto e coeso. Ele chora feliz, solta a pata, vibrando o rabinho, iluminando o terreno do quarto. Seu terreno, o terreno dela. De repente ela se levanta em paz, séria, pega o seu batom vermelho, da terceira gaveta da escrivaninha e anda até o espelho, no qual se arruma todo dia antes de sair, e atira: “eles nunca vão entender nada”.

3 comentários:

Mari Gil disse...

já passei por explosões dessas...iiih, váárias vezes.. ^^
mas a maneira como tu descreve o caozinho sentado, só esperando para confortá-la e depois receber carinho, tá demais! adorei!

Anônimo disse...

Adoro ler tudo por aqui. Adoro ler sempre, pra falar a verdade.

Gabrielle Calegari disse...

Bah, colega, demais!!!
Emoções saltando do texto, muito tocante!!!
Vou começar a passar mais aqui... vale a pena!