sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Todo amor que houver nessa vida

Despida sob a luz da lâmpada quente amarela, Elisa não era tão bonita quanto nas fotos que trocávamos por correspondência. A leveza do seu punho e a delicadeza da letra pareciam não pertencer àquele corpo magro e demasiadamente branco, como se não houvesse cor em nenhuma parte da sua pele. Minto. Há algumas manchas arroxeadas em formato redondo, plano, quase pairando em suas costas, mas que nesse momento poderiam passar completamente despercebidas, se não fosse a sua posição de bruços. Mesmo assim havia alguma áurea de decência, principalmente em seus olhos, e no modo como eles fechavam e abriam, querendo se desculpar por alguma coisa, mas não conseguindo completar o objetivo.

Não me lembro como chegamos à minha cama. O que recordo com mais precisão é do nome do restaurante e do vinho que pedimos. A conversa só começou a fluir após a quarta taça, mas quase não tínhamos segredos, eram meses de trocas de cartas sentadas conosco à mesa. Somos duas pessoas com personalidades e problemas parecidos: separação, um emprego chato e a falta de perspectiva para o futuro. Por não saber o que falar de novo, ou não querer entrar em assuntos chatos, logo já não se sabia mais o que dizer. O silêncio que se instalava no jantar era expulso por uma tosse frequente de Elisa. Uma tosse seca e prolongada – embora ela não fosse fumante – que se espalhava por todo o ambiente.

Pensava que a noite acabaria no momento em que o vinho terminasse, uma vez que as frases não se completavam e a distância só aumentava com o passar dos minutos. Talvez tudo só funcionasse se houvesse quilômetros nos separando. Para piorar o quadro, Elisa quase não comia, e quando ingeria o arroz e alguma verdura que pedira, fazia com tamanha dificuldade, implorando para que a garganta tivesse força para empurrar o embrulho alimentar.

Foi então que os olhos se encontraram no meio desse silêncio, e a perna dela roçou a minha, como dois amantes que não se fitam há muito tempo. Mesmo que tenha sido sem querer, o que aconteceu embaixo da mesa acabou causando uma revolução na parte superior. Não que a bebida não tenha ajudado, mas algo no modo como ela mexeu os olhos foi o sinal de que as coisas poderiam acabar bem. Essa é a minha última lembrança do bar.

Depois já estávamos na minha casa, Elisa nua, seu corpo quase esquelético em cima do meu, causando um medo de machucá-la durante o sexo. A vontade animal pulsando junto com certo asco e prazer ao mesmo tempo acabaram afugentando o receio. Procurei pela camisinha, mas ela insistiu que não precisava, tomava anticoncepcional e dizia estar limpa. A bebida no meu corpo e a falta de sexo há algum tempo, ajudaram-me a concordar rapidamente com ela.

Mesmo sem aparentar forças, sentia que durante a relação, a sua energia aumentava e, como num fogo em declínio, apagava-se rapidamente até chegar ao seu final. Não foi desanimador, mas também não era a melhor experiência. Ensaiamos um abraço depois da relação, mas logo Elisa foi embora. Ela fechou a porta com vagar extremo e se afastou, furtiva, como quem abandona um doente que acabara de adormecer à meia-noite.

Um comentário:

Camila. disse...

nossa!a descrição da mulher é quase assustadora.adoreeei, como sempre.=)
beijos!