domingo, 31 de agosto de 2008

Teoria número oito: sobre auto-mentira e desilusão esperada.

Não há como contestar, todo mundo mente para si mesmo, o que pode variar é a sua intensidade, a sua importância para futura resoluções. Porque, ao fazermos isso, acabamos criando um mundo que não existe, uma “outra realidade”, onde você pode ser a pessoa mais importante do momento, ou alguém que tem tudo que sempre quis. O indivíduo modifica o mundo que está em sua cabeça, por meio de uma ilusão, obviamente. Contudo, isso é tão fraco quanto a estrutura de um copo de vidro fino. A mentira não dura muito tempo, e se durar, ela vai minar o seu subconsciente. Pouco a pouco. Cada vez mais suas atitudes caminharão para que a verdade seja dita. A pessoa se autoconfrontará numa batalha sem vencedores. E então chega a desilusão que sempre foi esperada. Que só espreitava de mansinho, esperando a hora de chegar. E todo o seu mundo escapa por água a baixo, por entre pensamentos falsos, por entre meia verdades desconexas. E então o que fica é o seu "eu real", que agora deve ser trabalhado, reconstruído sem tantas mentiras, sem tantos medos.

Obstáculo 8

O problema é o tempo. As horas tendem a não combinar com os acontecimentos (pelo menos no meu caso). Sempre quebradas em vários terços diferentes, que teimam em se enrolar nas minhas mãos, no pescoço. Uma vez alguém me soprou que os minutos eram o contexto da vida, por onde caminhávamos, deixando as pegadas, as solas dos pés. Digamos que, se for assim, meus sapatos sempre estão muito sujos. A verdade é que o tempo sempre será inversamente proporcional ao que eu gostaria de ter mais. Conversas, amizades, beijos, música, viagens. Tento, não sei se com muito sucesso, cristalizá-lo nas palavras, nas frases, esse é o único modo de transcender todas as coisas efêmeras da vida.

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Entre

O que me deixou mal, na realidade, foi o desdém. Próprio. O achar feio, chato, não necessário, quando eu já soube muito bem como os corpos se pedem. É que eu estava no meio. Entre o casal. Os dois magros, finos, delicados, brancos e loiros. Pareciam ser de outro país. Ele entra no ônibus meio torto, como se não quisesse ir embora, ela fica na calçada, perto da janela, perto da janela onde ele está de pé. Ônibus cheio. Eu também estou ali, só que sentado. No meio daquele amor, daquela generosidade enjoativa. Beijos desenhados no ar, as palmas da mão batendo no peito, insinuando que ali mora um sentimento incrível. Eu penso que também já o senti, que não é nada demais. Noto-me um velho rabugento perante eles, como se estivessem fadados para o fracasso, que nada dura. Fiquei ali sentado, observando-os, não querendo olhar, mas não conseguindo evitar a tentação. Enfim, eles se despedem: ele joga a mão para a fora, ela o alcança, as peles se tocam, mais uma vez. Talvez eles se vissem daqui a uma hora novamente, ou talvez ele fosse viajar e eles nunca mais trocassem olhares. Aquilo não importara no momento. Quando as pessoas realmente se gostam, as emoções são muito fortes. Tanto que consegui sentir na minha pele. Foi nesse momento que o desdém desapareceu, substituído por uma doce nostalgia romântica que há tempo não me tomava. O céu ficou mais escuro e a lua agora banhava o ônibus, como se todos nós fossemos morrer no minuto seguinte.

sábado, 23 de agosto de 2008

Recapitulando Rafael Gloria:

"demais, demais"
"tô brincando, tô brincando"
"ah tri"
"tipo polônia"
"só existe aquilo que ouço"
"acho que vou cortar o cabelo"
"desculpa"
"viver é perigoso"
"é...complicado"
"de se pensar"
*riso tímido*
"não sei..acho que sim
*mexe no cabelo*
"pois é"
"a vida é assim!"
"to indo embora." (na verdade demora mais uma hora para ir)

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

O pescoço

Mostra-me o teu pescoço. Só mais uma vez. Já falei que me apaixonei por ti desse jeito? Sim, sim. O teu pescoço, tão longo, como uma ponte sinuosamente escrita que leva à tua boca. Ao teu rosto. Um pescoço que pede para ser acariciado, tocado, beijado, um pescoço cheio de ritmo e pensamentos. Sim. O teu pescoço foi a primeira coisa que eu notei. Tua altura, o teu modo de andar, o teu cabelo curto, tua cara de pretensão? Não. Nada disso. Apaixonei -me pelo pescoço, e pelo modo como ele te diz. Do jeito que ele te explica. Mesmo sem te conhecer, teu pescoço já é meu íntimo. Ele te define alta, imponente, não explicativa, uma incógnita a ser resolvida. Puro cansaço. Pura boa vontade. Teu pescoço demonstra alta capacidade de se ter ambição em te amar. Teu pescoço é uma pergunta curiosa e não um convite. Tu não dá convites, teu pescoço não é um salão de festas. Só para pessoas altamente qualificadas que consigam passar no teu teste final.
O pescoço dita à música, diz o ritmo, mostra as direções, explica os caminhos, demonstra os objetivos. Quebra algumas respostas. Tudo bem, mas tudo bem, se agora não queres mostrar para mim esse caminho para as perdições, se preferes cobri-lo com um cachecol preto cinza, vá em frente, mas não finja. Por favor, não minta com os seus olhos. Esses seus olhos castanhos claros, castanhos escuros, que quando o pescoço encontra-se uniformizado pelo cachecol, é a peça mais bonita da sua formação Amêndoas, castanhas, nozes que eu queria saborear. Duas esferas redefinidas pelos astros não explorados dos universos estranhos que devem existir à nossa volta. Não é o mesmo modo de sentir, pois são duas razões distintas. Teu pescoço, tua pele branca, teu medo de barata, tua voz rouca na escuridão da noite. Todas as coisas que eu imagino, quando bebo vodka. Tudo isso se junta quando olho para o seu pescoço. E depois quando olho para os seus olhos, e às vezes quando eles se encontram – mesmo que infimamente – eu quase debruço de falência de sugestão. Própria. Nunca sei o que dizer. Sempre acho que não nota, ou que olha para meu lado sem querer. E assim vivo brincando de te esquecer. Pescoço por pescoço, olho por olho.

por Lucas Felt

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Três delírios de livros em um mês de férias

O trago de ontem à noite me deixou enjoado e machucado, que porra mesmo. Não deveria ter apostado com o Tobias e o Manuel, aqueles viados, quem beberia mais. Não consigo dizer não para um desafio, ainda mais um desses. Começamos a entonar as cachaças, os destilados, as vodkas perto da meia noite. E era duas da manhã quando Manuel, o mais fraco, caíra, primeiro vomitando todo o assoalho da casa de Tobias e depois desabando quieto no chão, distorcendo - se e enfim, acalmando-se gradativamente, ficou ali mesmo, formando uma letra “S”. Tirei os olhos dele e fixei no meu adversário, agora me bastava vencê-lo. Poucos triunfos foram me guardados para essa vida, mas nunca perdi na capacidade de virar o copo. Mais meia hora adentro, os olhos se encarando, cada um tentando revidar. A luz amarela da lâmpada velha da cozinha podre era um pequeno sol que nos fazia derreter a cada dose de tequila. Perto das quatro da manhã, com as pernas já cambaleando, lutando contra a bebida que desejava subir para o cérebro, observei Tobias cair, dançando alguns segundos sozinhos, falando besteiras sem sentido e desmoronando em cima de Manuel, sua cabeça de forma de pêra caindo na bunda branca e flácida do amigo, fedendo juntos, loucos juntos. Eu já quase os acompanhando também, não poderia me dar por vencido, peguei meu casaco, comi um Misto Quente da geladeira, apaguei a luz da casa de Tobias e saí como um grande campeão para a rua, chegando no pátio com grama verde limpa. O cachorro de Tobias fazia um pequeno serviço perto de uma árvore, era um bicho estranho e bizarro, fui tentar brincar com ele e acabei tropeçando em cima do pobre animal: caí adormecido-bêbado-idiota.
Sempre tive dificuldades com você, meu pai, resolvi escrever-lhe esse email com todas as minhas mais repletas angústias e medos, porque meu psicanalista falou que seria bom, já que não tenho muita intimidade com o seu olhar. Acredito que esse seria o nosso primeiro passo para uma relação normal, não sei. O primeiro processo. Será difícil perdoar os anos inoperativos e imperativos do seu reinado sobre a minha pessoa, construindo minha personalidade fragmentada, não respeitando as minhas escolhas, influenciando sobre cada mínima decisão do meu subconsciente, como se eu não pudesse tomar nenhuma resolução de minha autoria. Um juiz de custódia do meu eu. Causador do meu excesso de pronomes possessivos nas frases. Deveria ter escrito uma Carta ao Pai, mas não tive coragem, era algo tão pessoal. Não quero nada disso com você agora, caminhemos primeiramente pela informalidade. Talvez a culpa não seja sua, e sim minha. De repente, eu era uma criança muito fraca para te entender, não perceber a sua capacidade de educação, seus medos que se viraram contra mim, talvez eu devesse ter suportado tudo isso, aguentado quieto no meu canto, e esquecido. Mas dei azar de nascer com esse excesso de sentimento, de sentir por todos os poros da minha pele. E você machucou-me me pai. Por quantas vezes não chorei por ti, não sabendo como agir? Até que esse misto de emoções foi virando desprezo e abandono, e por que isso, pai?
Entrei no ônibus. O Cobrador parecia irritado, já sabia o porquê: era dia de passe livre. Muita gente no veículo, ninguém se respeitando, criança gritando pela boca, pelos poros, pelas mãos e pelas mães, velhos chatos e ranzinzas, reclamando de tudo, o sol escaldante do maldito fevereiro do carnaval e para completar aqueles três malucos lá atrás. Pareciam só querer confusão, fazendo barulho, atrapalhando todos os outros. Que merda, penso eu. E não tiro os olhos do estressado cobrador, parecia um cara bem nervoso, irritado, sangue quente, como se fosse estourar com o próximo que passasse pela roleta. O motivo, claramente, são aqueles três no fundo do ônibus, estragando a sua condução, o seu meio de transporte e de trabalho. Não se deve mexer com o sustento de um homem. Suado ao extremo, o cobrador movia a cabeça para todos os lados, sempre procurando com os olhos os três elementos. A barulheira continuava e só parecia mais forte, o sol também, como se o ônibus fosse ao encontro da grande estrela quente. Então foi em um segundo que tudo aconteceu, o pulo do cobrador sobre as pessoas, como se se jogasse num oceano composto de pele humana e de suor que o separava dos três indivíduos. Navegou pelo emaranhando de corpos e encontrou o grupo, puxou uma arma que trazia escondida e atirou a seco nos três indivíduos, foi cruel e rápido, acho que não teve dor.

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

boa sorte.

Durante essa semana recebi quatro ou cinco boa sortes. Por que tantos? Não haviam motivos, nem nunca acontecera antes, será que o destino, ou alguma outra bobagem nesse sentido estava aprontando alguma porra de problema para mim? Boa sorte. Não preciso de boa sorte, isso só atrai mais adversidades. Acredito que seja o adjetivo Boa. Não se qualifica uma palavra como sorte. O que eu quero é só a sorte. E seja do que for. A sorte dos caminhos descruzados, das verdades ditas na cara, do medo do escuro, da noite suja convidando a pessoa, dos bêbados idiotas e inteligentes. Quero todo o tipo de coisas, não preciso só da boa sorte, anseio pela má também. A experiência é a mãe de todos nós. Desejo pela sorte de todas as coisas do mundo.

Post pequeno: vontade pequena, tempo pequeno. Vida grande.

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

"não tenho afeto para dar"

“Não me mexi na cadeira quando percebi que minha mulher abandonava o seu canto, não ergui os olhos quando vi sua mão apanhar o bloco de rascunho que tenho entre meus papéis. Foi uma caligrafia rápida e nervosa; foi uma frase curta que ela escaeveu, me empurrando o bloco todo, sem destacar a folha, para o foco dos meus olhos: “Vim em busca de amor”, estava escrito, e continuei com os olhos pregados na mesa. Mas logo pude ver sua mão pegar de novo o bloco e quase em seguida me devolvê-lo aos olhos: “Responda” ela tinha escrito mais embaixo numa letra desesperada, era um gemido. Fiquei um tempo sem me mexer, mesmo sabendo que ela sofria, que pedia uma súplica, que mendigava afeto. Tentei arrumar (foi um esforço) sua imagem remota, iluminada; provocadoramente altiva, e que agora expunha a nuca a um golpe de misericórdia. E ali, do outro lado da mesa, minha mulher apertava as mãos, e esperava. Interrompi o rabisco e escrevi sem pressa: “Não tenho afeto para dar”, não cuidando sequer de lhe empurrar o bloco de volta, mas nem foi preciso, sua mão, com a avidez de um bico, se lançou sobre o grão amargo que eu, num desperdício, deixei escapar entre meus dedos. Mantive os olhos baixos, enquanto ela deitava o bloco com calma e zelo surpreendentes, era assim talvez que ela pensava refazer-se do seu ímpeto.”

Excerto do conto "Hoje de Madrugada" de Raduan Nassar.

Nada a declarar, apenas queria que comentassem o que acharam...
Eu ...
achei essencial.