sábado, 30 de abril de 2011

Arquivados

Eles tomam café adoidadamente

reclamando que o dinheiro

está curto.


Eles mexem nas suas

grandes, modernas e caras

máquinas de xerox.


Eles esperam outros eles

saírem da cena para fofocar,


para começar a falar mal

de tudo que eles não tem.


Eles fazem cópias cópias

cópias cópias cópias cópias

para deixarem em um arquivo


para sempre.

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Como ser um bom mentiroso

Senta lá, Onofre. Senta lá e pega o seu caderno de anotações. Agora você vai entender como ser um bom mentiroso. Na realidade, meu jovem, é muito simples. Há aquela máxima que para ser um bom mentiroso você precisa acreditar na mentira que está contando. Então apenas ter fé na sua mentira é o suficiente? Não, apenas isso não basta. Também é preciso transmitir a mentira de um modo convincente. E, ao fazê-lo, não seja exagerado, não atue, ok? Você não é a porra de um ator. Apenas tente ser o mais natural possível, faça uma expressão mediana (leia-se de confuso, aborrecido) com o seu rosto, e nunca, mas nunca, abaixe os olhos. Seja firme como a mentira que você está contando.

Com certeza dará certo, Onofre. Veja aonde eu cheguei. Não pode duvidar do poder da mentira. Ou melhor, o poder de uma ideia. Uma mentira também é uma ideia, uma ideia que não pôde acontecer. E por ser algo que não aconteceu, uma mentira não pode ter uma grande história e envolver muitas pessoas. Não. Pense em uma mentira como uma pequena cena. Uma sketch. Pode se contar várias mentiras diferentes, mas nunca uma grande mentira. Essa é regra de ouro. Ok?

Olhe para mim, eu não estaria tão bem assim se não soubesse o que estou dizendo. Está anotando tudo? Anote tudo aí. Ah sim, contato físico: para mim sempre foi o mais difícil, como disse antes, nunca abaixe os olhos, nunca desvie o olhar. Na hora de apertar a mão seja confiante, mas não demonstre demais. Se suar, sorria. Ah sim, sempre sorria. Um sorriso confiante sempre abre as portas, as boas portas da mentira.

O problema da mentira é que ela é viciante. Tome muito cuidado nisso, ok? Muito mesmo. É uma droga para usar nos outros e não em si próprio. É muito importante que os outros acreditem em você, mas você não deve acreditar nas suas mentiras. O bom mentiroso segue esses pequenos códigos, ok? Uma mentira realmente boa, bem planejada, concisa e reta você pode ter certeza que ninguém vai querer estragar com uma verdade qualquer.

Não tenho muito tempo se não poderia te ajudar mais. Ok, Onofre?

sábado, 23 de abril de 2011

Gente vai

Amanhã


Em torno das duas horas.


Vou subir as escadas e chegar até a sua casa.


Abrir a porta, fechar a porta.



Tirar toda a sua roupa de dona de casa.


Depois te esticar levemente na cama.


Com as pernas assim, assim para mim.



Amanhã.


Em torno das duas horas.


A gente vai, a gente vai.


Como se nunca tivesse ido antes.



Amanhã


Amanhã, a gente vai.

domingo, 17 de abril de 2011

A tão falada "bagagem cultural"


Não é novidade para ninguém que aumentou o número de brasileiros viajando para o exterior nos últimos anos. Meu objetivo aqui não é dar dados específicos sobre a quantidade de pessoas que viajam e etc, mas o fato é que a economia melhorou e assim a classe média consegue um financiamento maior para dar aos seus filhos aquela tão sonhada viagem. Pode ser um intercâmbio, uma trip em família, ou apenas alguns dias de diversão na Europa.

É claro que não é um fenômeno novo. É natural do ser humano querer viajar, conhecer novos lugares, novas pessoas, manter novas relações para assim conseguir uma “bagagem cultural”. Alguns também pensam no currículo e acreditam que uma estadia em outro País vai ajudar naquela busca pela língua estrangeira, tão necessária para aquele emprego.

Tudo bem.

E é importante também estudar em qualquer outra Universidade do mundo, porque o ensino aqui é pior, e, vocês sabem, brasileiro não tem educação. Ou porque lá sim é que as pessoas têm cultura. É verdade, já cansei de ouvir esses comentários de brasileiros que pretendem viajar, ou já voltaram de viagem. Como se cultura fosse algo adquirível, ou como se pudéssemos comparar duas culturas. Como se o ensino lá fora sempre fosse melhor.

É essa conduta de eternos seres colonizados que nos fazem falar essas besteiras sem cabimento. Não valorizamos os nossos trabalhos, as nossas descobertas, porque é sempre mais fácil culpar o que seria a “corrupção enraizada na nossa sociedade”. É claro, todo político é corrupto, toda pessoa que mora em favela é ladrão. Adoramos generalizar nosso povo, e esquecemos de como se forma o conceito de nação. E é sempre mais fácil reclamar do que tomar uma atitude. Acabamos enlaçados em uma espécie de preguiça programada. Se é muito difícil, não vamos fazer. Peraí tem algo errado. Não são os outros que são melhores que nós, somos nós que não fazemos nada a respeito.

Ao invés de valorizar a nossa história e a nossa vasta e heterogênea cultura queremos viajar para a Europa a fim de tirar as mesmas fotos em frente à Torrei Eiffel. Desejamos tomar um café em Paris, precisamos ir para a Oktoberfest na Alemanha, assistir a uma tourada em Madrid. Porque, você sabe, a vida não valeria a pena sem essas coisas.

Meu Deus do Céu.

Esquecemos de uma palavra muito importante nessa ideia de “bagagem cultural” que adquiríamos em uma trip pela Europa: envolvimento. Há um texto muito interessante do pesquisador Ulpiano de Meneses que versa exatamente sobre essa ideia de turismo cultural, tão em voga, principalmente pelas Agências de Viagem. Em uma sociedade que trata a cultura como um “segmento”, ao invés de tratá-la como uma qualificação capaz de iluminar todo e qualquer segmento, a lógica da separação também acaba determinando a existência de usos e funções culturais específicos. É aí que entra a diferenciação entre uso cultural do bem cultural.

De um modo simples bem cultural é o que é vendido para a pessoa em um pacote de viagem, por exemplo. Há aquela metáfora clássica do grupo de turistas que em visita a uma Catedral Gótica encontram uma velhinha ajoelhada diante do altar-mor, profundamente imersa em oração. O guia então bate em seu ombro e lhe diz – “Minha senhora, vocês está perturbando a visitação”. Essa metáfora é autoexplicativa: a afirmação do guia vem ao encontro da explicação de bem cultural, onde não há espaço para uma prática da existência corrente, como a oração. A anciã está de fato perturbando o agora padrão dominante em que o edifício se tornou. Um exemplar arquitetônico de “interesse cultural”. O envolvimento dos turistas com a Catedral é quase nulo, nada mais do que um interesse fugaz que pode ser registrado em uma foto. Não me diga que você vai conseguir estabelecer uma vida cultural ficando alguns dias em uma cidade. Só terá condição de aprofundar-se quando atingir o o quadro da habitualidade, o que, necessariamente, demanda tempo. É o caso da velhinha que possui uma fruição profunda, vivenciada na qual sua oração envolve não só uma apropriação afetiva mas, sem dúvida, também estética.

O que quero dizer com isso é que há muitos brasileiros preconceituosos com sua própria história, e que preferem visitar outros países esporadicamente apenas para possuir aquela foto que todo mundo tem em seu álbuns de Facebook. Ao invés de se aprofundar no seu País, ao invés de parar de generalizar e manter a sua percepção de povo colonizado. Tudo isso me parece um pouco hipócrita, covarde e ignorante – no sentido básico da palavra.

sábado, 16 de abril de 2011

Carta 10

Lídia cresce rapidamente, já está alguns centímetros mais alta desde a última carta. É verdade, e mais loira também. Obviamente puxou isso da sua família. De mim, com certeza o nariz. Eu tenho belo nariz, você mesmo dizia. Tivemos que comprar roupas novas na semana passada, já que as aulas dela vão começar daqui alguns dias.

Queria que você visse o rosto dela, Arthur. Ela realmente está empolgada, quase não dorme direito. Fala da escola, e de futuros amigos, amigos, amigos. Esse é o problema de crescer sozinha. Acho que, no final das contas, só uma mãe não pode dar conta de tudo, né?

Não falo isso para que você se sinta culpado. Longe disso. Falo isso porque eu preciso falar para alguém. Mesmo que você não vá responder. Falo isso também porque tenho medo, tenho muito medo que as altas expectativas dela não sejam cumpridas.

E se ela não arranjar amigos na escola? E se não gostarem dela por algum motivo banal e excluírem-na?

Você sabe, crianças podem ser tão cruéis. Eu era assim, até. Solitária pra caramba, Arthur, mas a Lídia não, a Lídia quer ter tantos amigos. Não sei como agir o suficiente e sei que você saberia exatamente o que me dizer nessas situações. Tudo iria ficar bem de alguma forma.

Agora já não tenho certeza. Agora que você está longe não dá para ter certeza de nada.

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Junk


"Motor Cars, Handle Bars
Bicycles for Two
Broken Hearted Jubilee

Parachutes, Soldier Boots
Sleeping Bags for Two
Sentimental Jamboree

Buy Buy
Says the Sign in the Shop Window
Why Why
Says the Junk in the Yard

Candlesticks, Building Bricks
Something Old and New
Memories for You and Me

Buy Buy
Says the Sign in the Shop Window
Why Why
Says the Junk in the Yard"

"

segunda-feira, 11 de abril de 2011

- Sabia que você era muito mais interessante solteira?

- Ahn, como assim?

- Sei lá, antes só de te ver dançar na minha frente, eu já passava mal. Parecia louca, mas sabia que não era louca. Era doce e livre. Acho que sinto falta de te ver livre.

- Você não gosta é de me ver com o Tomaz, né.

- Nada a ver. Um cara não pode gostar de apenas assistir a uma mulher dançando?

- Não quando se trata de nós dois...não quando...você sabe, não vou ter essa conversa novamente.

- Não estamos tendo aquela conversa, eu só fiz um comentário. Um simples comentário. Você sempre foi mais interessante solteira. E você sabe disso.

- Não dá para uma garota ser solteira para sempre.

- Eu quase chego a me arrepender...

- Se arrepender?

- É, eu tive a chance, mas eu...eu nunca quis te ver presa. E eu sempre imagino aqueles momentos sem compromisso que nós tivemos, esses momentos que ficaram soltos em algum lugar entre nós. Que não evoluíram somente porque um de nós não quis. Eu. Eu não queria te ver presa, eu não queria te tornar desinteressante. Por isso acho que o que tive com você nunca será igual a qualquer outro relacionamento que eu possa vir a ter.

- .....

- Entenda, não é que eu não goste do seu namorado intelectual...

- ....

- Aposto que ele deve ser o máximo te mostrando todos aqueles filmes antigos.

- ....

- Todas as músicas hypes.

- ....

- Enfim, eu só queria dizer isso.

- ...Ah, Renato...

- .....

- Ah, Renato, algum dia nós vamos tomar jeito?

sexta-feira, 8 de abril de 2011

A quem nada atenua

Gosta de me ver como

se não percebesse.



E interpretar dos meus calos,

os seus descasos.


Jogar na cara:


Sempre, nunca de vez em quando,


tudo que eu mereço.


- E eu mereço?


Depois dorme e acorda;

sem nenhuma problema;

sem nenhum arrependimento.


Enquanto a maioria da gente não consegue pregar o olho à noite.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Só o triste

Logo após agarrá-la pela cintura,

sentir a respiração brutamente no

pescoço, seio, barriga.


Os dedos escorregando suavamente

entre os fios de cabelos que

também escorregavam suavemente

para as costas.


Depois de rolar esboçadamente

pelo carpete no meio de copos,

no meio de pratos.


(que ela havia anteposto, antes, juntamente também

antes com o filme de boxe que assistimos em PB)


Mesmo após o corpo

sobrepor o outro.

Mesmo após completar-nos

sem sentimento.

Ela só sentia o triste.


Era tão visível que só sentia o triste.


Aquele dia durante o banho é certo que ela chorou,

mesmo afirmando que não.