domingo, 30 de novembro de 2008
Teoria número onze: sobre a aconceitualização da vida
É final de semestre e essa doideira de conceitos acaba mexendo com as pessoas. Nesse ano confesso que dei muito mais atenção ao trabalho do que a faculdade, e não me arrependo. Afinal de contas, aprendi muito mais lidando com os fatos, do que com a mediocridade acadêmica. Enfim, toda essa história acabou me lembrando dos diferentes tipos de conceito e de como a sociedade necessita conceitualizar todas as coisas do mundo. A começar pelos conceitos dados pelos professores, pelas notas. Minha capacidade de reproduzir um texto, de fazer uma entrevista ou de produzir algum trabalho não cabe dentro de um conceito. É algo muito subjetivo de certa forma. Voto a favor da aconceitualização de tudo na vida. Não precisamos de notas, de rótulos, de grupos diferentes. Não quero dizer que não haja diferentes tipos de qualidades, ou de níveis: é óbvio que há. Contudo, isso é notado no cotidiano, na rotina profissional. Um conceito não define uma pessoa, até porque, por definição, uma pessoa é formada por diferentes tipos de conceitos.
escrevinhado por
Rafael Gloria
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às
16:11
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teorias
Obstáculo 11
Mosquitos voam assanhados pelo ar. Batem no vidro da janela, batem no nosso rosto, procuram as peles, produzem barulhos insuportáveis. E mordem. O problema todo é o calor, que permite a proliferação dessa pequena praga. Malditos mosquitos e maldito excesso de temperatura. Ah, como eu odeio o verão escaldante de porto alegre. Só é bom acordar com ele, péssimo escrever, péssimo pensar, péssimo sair com as pessoas para caminhar. O problema é se adaptar aos trópicos, nesse momento nos sentimos mais nordestinos, mais escaldantes.
Ode ao sono (antes que te faça sangrar)
Emília não podia dormir com o barulho que se espalhava pelo quarto. Seu marido, cansado do dia, da semana, ou do mês, roncava como um porco prestes a ser assassinado. Pois saiba leitor que os porcos, sabem quando seu fim está por vir. Nesse caso, Jorge não poderia adivinhar que sua mulher, quando finalmente conseguia dormir por alguns minutos, sonhava com a morte do esposo, cerrando seu pescoço, cortando suas cordas vocais. Ambos, de certa forma, ficariam em paz para sempre. Mas, veja, o problema para Emília era muito mais psicológico: como iria manter sua mente em ordem no dia seguinte sem poder dormir? Como iria cuidar das crianças e da casa? Depois de sessenta minutos de opressão sonora, resolveu levantar e empurrar o companheiro, o que originou apenas resmungos e alguns movimentos falsos. Não agüentando mais a situação, correu a cozinha, pegou a maçã mais vermelha que encontrou do cesto, e voltou ao quarto. Sorrateiramente depositou a fruta na boca de Jorge, a falta de ar o fez acordar abruptamente, além de engasgar por alguns segundos. “Que porra tu tá fazendo? Tá louca mulher?”, cuspiu Jorge junto com a saliva que o afogara . “Tô sim, seu merda, tu não pára de me atrapalhar, vai embora, sai daqui, antes que eu enfie uma faca em ti e te faça sangrar como um maldito porco”. Os olhos de Jorge pularam, não reconheciam a mulher, juntou sua bermuda, seu chinelo e saiu perdido pela porta do quarto. A maçã ainda aguardava na cama, esperando Emília, que se espalhou pelo colchão, dormindo em paz. Sempre em paz.
terça-feira, 25 de novembro de 2008
Quarenta anos na cara
Abri os olhos e encontrei um leão em meu caminho, eu estava no volante, empossado em mim, desvirtuando e coletando cada pensamento do fundo da minha paciência, esmolando sensações, remoendo tudo. Foi quando o vi. Ele dormia, olhos fechados penumbramente, eu já percorria o país há algum tempo, mas nunca havia visto tal criatura, toda majestosa, pêlos alaranjados, batizados pelo sol, encontrava-se sob uma árvore, também, colossal em seu tamanho, com suas folhas pouco presas, todas secas, talvez más sustentadas pela estação. Era uma cena meio poética, meio grosseira, a estrada cortando uma extensão enorme de mar verde, trazendo toda a sujeira da civilização para aquele espaço. O grande animal parecia nem se importar com isso, só dormia quieto e parado, como se pudesse morrer àquela hora mesmo. O outono já chegara, e há dois meses eu começara a viagem. Só eu, os meus pensamentos, o bloco de idéias atirado no porta – luvas, trocados no bolso e, agora, o leão. Quarenta anos na cara e a certeza de que nada é para sempre e de que nada de concreto meu pode ficar para o mundo.
domingo, 23 de novembro de 2008
Perdidos entre as paredes
“Eu vou contigo para onde tu quiser”, ela me diz meio bêbada, entre algumas latas de cerveja, que depois são espalhadas por nós rapidamente pelo assoalho de madeira. A música de mau gosto ainda passeia pelo ar. Assim como os nossos beijos que se misturam sem ordem, sem nexo, confundindo as peles, e contornando a boca, exalando liberdade. “Para onde eu quiser?”, respondo minguadamente, explorando uma futura possibilidade de acabar bem a noite. E ela confirma com a cabeça, em um movimento positivo meio torto, mas ao mesmo tempo tão singelo. Como se fosse verdade, como se ela estivesse apaixonada por mim desde o primeiro segundo que me viu. E nós nos conhecemos há apenas alguns minutos. Dou uma risada sem graça, pego o copo plástico branco, cheirando àquela cerveja barata e largo em sua mão. Nós rimos como duas crianças que não sabem exatamente o que estão fazendo. Lá fora a madrugada cada vez mais vai chamando a manhã e nós permanecemos definitivamente a sós, perdidos entre os tempos e as vontades.
domingo, 16 de novembro de 2008
Das uniões
Não adianta querer escrever por demasiado, ou exagerado em evidência; já é célebre a frase, batida, experiente e madura: “Quanto menos, melhor”. Acontece que alguns seres humanos sempre querem mais, desejam transmitir por grandes frases, amontoadas de pontuações – e palavras em lugares estranhos – para desse modo transmitir um outro tipo de sensação. Contudo, até desse modo é necessário cortar alguma coisa, não necessariamente escrever menos, mas aprender a tirar as partes que antes não se encaixavam, que eram totalmente deslocadas do contexto inicial. Isso é uma arte, uma qualidade que poucos possuem. Aliás, acredito que há dois tipos de cortes – para deixar bem claro, apenas em minha opinião –, o jornalístico e o artístico. O primeiro, é o corte para clarificar, limpar o texto, deixá-lo mais acessível aos leitores. O segundo é diferente, carece de uma sensibilidade que realmente poucas pessoas apresentam. Justamente porque é necessário criar uma nova idéia, novas possibilidades, e ao mesmo tempo deixar na mente do leitor uma inquietude, instigá-lo a imaginar coisas. Acho que o meu desafio como jornalista, como pessoa que gosta de escrever, como pseudo escritor (ou escritor que gostaria de ser) é unir esses dois cortes, esse dois jeitos de se ver uma história. A clareza unida a uma sensibilidade atemporal.
quarta-feira, 12 de novembro de 2008
De volta ao espelho
Gabriela olha para o espelho em frente a sua porta, perto do guarda roupa marrom, arruma-se toda, vestido preto, curto, nada exagerado, nada moderado. Um batom levemente rosado, uma pele morena, a música toca enquanto ela olha para os lados rapidamente. Contudo, ela nunca perde o foco, sempre no espelho, objeto parado, imóvel, dançando com ela, acompanhando seus passos, tremendo junto, o espelho e ela extasiados. A música no fundo, alguma coisa moderninha, a melodia a leva, o espelho junto, as calças não escolhidas atiradas no chão, o barulho líquido da areia transformada em vidro, transformado em espelho. Não dá para se ouvir muita coisa do tropeço que a calça rejeitada proporcionou a seu corpo dançante, nem houve barulho, também pudera: ela simplesmente caiu de volta ao espelho, como se de lá nunca tivesse saído. Nenhum caco foi espalhado.
domingo, 9 de novembro de 2008
Epifanias - De manhã
Capítulo I
Foi num acidente que tudo começou, tal como muitas coisas nesse mundo, a partir do erro, dos defeitos é que se chega à perfeição. Mas eu nunca havia pensado assim, não até aquele momento. Agora é como se tudo estivesse claro. Minha mãe ligara às sete e pouco da manhã, cedo, eu não tinha trabalho, era uma sexta feira fria e chuvosa, como se vê de vez em quando. Não queria me levantar, mas o barulho do telefone incomodava fortemente, lutei contra a cama, e quando venci os lençóis, o travesseiro me nocauteou pelas costas. Sempre traiçoeiro, o sono brinca com a gente. Enfim, não era bem isso que queria falar, perdoem as minhas palavras incultas, mas meu modo de escrever apenas reflete a minha capacidade de ver o mundo: pelas entrelinhas. Acabei driblando toda a cama, dando um passeio pelo quarto e vagarosamente atendi ao maldito telefone, como um cachorro manso, sim, era como eu me sentia, um cachorro manso. E com frio. Nenhum pedido faria eu me mover de casa, porém eu ainda não sabia que era a minha mãe. “Alô”, respondi minguadamente, com a voz fraca de quem acabara de abrir os olhos. Mais ordenando do que respondendo, ela disse: “Renato olha só poderia vir aqui em casa? Estou precisando de ajuda sua irmã tem que ir para a escola e seu pai viajou ontem à noite a trabalho Renato preciso que você leve – a para escola com o seu carro”. Assim mesmo, disparando tudo, como se fosse uma metralhadora, sempre nervosa, nunca dizia nada pausadamente. Minha mãe era como um desses diretores de colégios, não falava muito, mas quando abria a boca sempre soava como uma ordem. Respondi que sim, estava indo, tinha só que tomar um banho, vestir uma roupa e já iria puxar o carro...Não pude terminar a sonolenta explicação, ela atrapalhou o meu raciocínio falando bravamente: “tomar banho nada, vem pra cá agora você não mora tão longe vista uma roupa qualquer e venha sua irmã não pode se atrasar hoje.” Para não entrar em discussões que não levariam a nada mesmo, pois o carro tinha sido um presente dela e do pai, e o aluguel do meu primeiro apartamento eles ajudavam a pagar, resolvi apenas concordar e vestir a roupa de ontem mesmo, quando chegasse em casa novamente, aí sim tomaria banho, comeria e pensaria no que fazer.
(..prossegue..)
Foi num acidente que tudo começou, tal como muitas coisas nesse mundo, a partir do erro, dos defeitos é que se chega à perfeição. Mas eu nunca havia pensado assim, não até aquele momento. Agora é como se tudo estivesse claro. Minha mãe ligara às sete e pouco da manhã, cedo, eu não tinha trabalho, era uma sexta feira fria e chuvosa, como se vê de vez em quando. Não queria me levantar, mas o barulho do telefone incomodava fortemente, lutei contra a cama, e quando venci os lençóis, o travesseiro me nocauteou pelas costas. Sempre traiçoeiro, o sono brinca com a gente. Enfim, não era bem isso que queria falar, perdoem as minhas palavras incultas, mas meu modo de escrever apenas reflete a minha capacidade de ver o mundo: pelas entrelinhas. Acabei driblando toda a cama, dando um passeio pelo quarto e vagarosamente atendi ao maldito telefone, como um cachorro manso, sim, era como eu me sentia, um cachorro manso. E com frio. Nenhum pedido faria eu me mover de casa, porém eu ainda não sabia que era a minha mãe. “Alô”, respondi minguadamente, com a voz fraca de quem acabara de abrir os olhos. Mais ordenando do que respondendo, ela disse: “Renato olha só poderia vir aqui em casa? Estou precisando de ajuda sua irmã tem que ir para a escola e seu pai viajou ontem à noite a trabalho Renato preciso que você leve – a para escola com o seu carro”. Assim mesmo, disparando tudo, como se fosse uma metralhadora, sempre nervosa, nunca dizia nada pausadamente. Minha mãe era como um desses diretores de colégios, não falava muito, mas quando abria a boca sempre soava como uma ordem. Respondi que sim, estava indo, tinha só que tomar um banho, vestir uma roupa e já iria puxar o carro...Não pude terminar a sonolenta explicação, ela atrapalhou o meu raciocínio falando bravamente: “tomar banho nada, vem pra cá agora você não mora tão longe vista uma roupa qualquer e venha sua irmã não pode se atrasar hoje.” Para não entrar em discussões que não levariam a nada mesmo, pois o carro tinha sido um presente dela e do pai, e o aluguel do meu primeiro apartamento eles ajudavam a pagar, resolvi apenas concordar e vestir a roupa de ontem mesmo, quando chegasse em casa novamente, aí sim tomaria banho, comeria e pensaria no que fazer.
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