segunda-feira, 7 de julho de 2008

Tal qual Álvares de Azevedo

Carol suspira. Olha para a porta fechada do quarto, seu próprio aposento, depois vira o pescoço, procurando o guarda-roupa, já meio antigo e inadequado para o volume de seus pertences. Enfim, ela pára os movimentos, e fala para Evandro, ou para quem pudesse estar no recinto:
- O que aconteceria se nós morressemos amanhã?
O rapaz não esperava essa pergunta, meio sem jeito, olha para o chão, procurando alguma resposta, como se todas as coisas da vida estivessem por lá. Reluta um instante, observa os olhos misteriosos – e sempre sensuais de Carol – atrás de algum argumento válido (ou ao menos algo não tão idiota para se dizer) e solta:
- Sabe, Carol, quando eu penso nisso, eu sempre me lembro das pessoas que ficariam por aqui, sabe? Como elas se sentiriam...é tão egocêntrico. Mas talvez, não sei, acho que talvez seja uma daquelas coisas que seguram as pessoas...– Carol não olhava para Evandro, parecia só ter olhos para a parede branca, onde pendia um retrato seu, aos quatro anos de idade – acho que é isso, talvez esse egocentrismo segure nossa vida – continuava o rapaz.
Evandro levanta da cama, ainda está nu, começa a se vestir, primeiro a camiseta com listas verdes e brancas, depois a cueca e aos poucos a calça jeans. Faz menção de abrir a cortina a fim de poder ver a claridade, mas Carol faz cara feia. Desistindo da ação, agora vai a procura de um cigarro, depois o banheiro, era preciso lavar as mãos.
- Por que você sempre vai embora depois, Evandro? Eu não sei porque você faz isso, eu não sei...
Primeiro ele finge não ouvir, talvez o barulho da água da torneira o ajudasse no pequeno teatro, mas quando ela repete pela terceira vez não é possível mais enganar.
- Preciso sair porque é tarde, tenho que trabalhar. Por que não se mexe um pouco? Ninguém vai te fazer andar. Ninguém vai vestir você e tocar a sua vida. Não podemos viver no piloto automático sabia...?
Carol toda tapada pelo lençol branco, escuta, mas nem diz nada. É sempre a mesma resposta. Não fazia sentido para ela trabalhar, para quê? O que ganharia com isso? Tudo que ela precisava estava naquele quarto. Fita os olhos no retrato de criança, quase como se sugasse ele todo. Prende os olhos, sentindo toda a vontade de gritar. Mas acaba só dizendo
- Sem espaço para mim nessa vida.

3 comentários:

Pricilla Farina Soares disse...

que sintonias antagônicas..
'Os opostos se atraem,mas não necessariamente se misturam'
O egocentrismo humano não nos permite tal coisa às vezes, nem na vida, nem na morte.
:*
(pensamento confuso esse meu ;~ ehaueaheai)

Jessica Mello disse...

acho que o Azevedo colocaria um pouco mais de bizarrismo nesta história. a época mais legal dele foi essa.

Rafael Gloria disse...

foi só a pergunta que me inspirou mesmo
x)