domingo, 28 de novembro de 2010

Três momentos em Ipanema

Momento 1



“Quando eu morrer eu quero ser atirado nessas pedras, quero que o vento leve as minhas cinzas para que se espalhem pelo oceano de Ipanema. E que lá embaixo, lá no fundo do mar algum desses peixes, peixes grandes, peixes comestíveis, me engulam, que vários peixes me engulam, que me comam, que eu possa servir de energia para esses peixes. E que depois algum pescador capture esses animais, vários deles cheios de mim e que venda para peixarias, para supermercados, para pessoas. E que várias cariocas escolham esses peixes e comam; que me tenham dentro delas, dentro do corpo delas. Vou existir somente no corpo sensual e torneado das cariocas, somente no andar delas, nas pernas morenas. A minha energia toda no corpo das cariocas. As minhas cinzas que forem para os homens, essas não serão mais minhas e sim da natureza. Mas nas cariocas...nessas eu vou viver para sempre”.


Momento 2


“Alô, amor? Tô te ligando aqui para te dizer como é a paisagem que to vendo. Eu não trouxe câmera, e eu não posso tirar foto, e eu queria que você soubesse como era. Tô há quinze minutos sentado aqui, tentando fixar bem na mente para te contar depois, mas achei melhor te ligar só para te falar, para descrever. O Rio de Janeiro é muito bonito , e aqui a praia de Ipanema, ela mexe com a gente. É um mar assim do tipo que eu nunca vi, é certo que não é tão bonito quanto as praias aí do Ceará, mas é diferente, tem algo de diferente no ar. É todo o entorno. São os prédios cercando a paisagem talvez, ou talvez o fato de que gente de todos os lugares caminhe por essa areia. Gente de todos os tipos. Há um parque aqui perto onde a garotada do morro aqui perto vem depois da aula, e muitas vem tomar banho de mar. Eles tão ali tomando banho agora. E bem ao lado deles tem um monte de mulheres altas, brancas tipo papel, dá para ver que elas são européias. Lado ao lado. Se uma praia faz isso com a gente ela tem toda razão de ter sido imortalizada em uma canção..Não sei se consegui descrever direito. Só faltam cinco meses para o trabalho aqui acabar e então poderei voltar (...).”


Momento 3


“Você tinha razão quando disse que eu ia tremer na base e que eu ainda não estava pronto. Sempre tem razão quando se refere a mim, o que é uma droga. Eu não consegui mesmo, e o mais difícil agora será te encarar. Que merda. Olha essa visão, esse sol batendo aqui no mar. Me lembro quando ensaiava os primeiros passos nessa praia, tu me carregando pela mão. E então eu correndo. Cresci por aqui, cresci rápido, a gente cresce rápido demais. Eu sempre volto aqui quando tenho que refletir. Pai, a gente cresce rápido demais. Não me olha daquele jeito não. Eu já me cobro o suficiente, e sim eu sabia que era difícil, mas eu estava confiante dessa vez. Você sabe, não deu certo, mas você sempre soube mesmo...”


*Todas essas fotos foram tiradas por mim na praia de Ipanema no Rio de Janeiro.



terça-feira, 23 de novembro de 2010

Igual a uma pedra

Tinha algo de inofensivo no modo como Renato olhava para mim depois de ter me comido. Era quase como se voltasse a ser um moleque pré-adolescente que se masturbava com revistas de mulher pelada no banheiro, escondido da família. Era inofensivo e um tanto quanto medrosa a expressão dele, como se tivesse feito algo errado, como se o sexo fosse um erro. Mesmo que um ótimo erro. Ele ficava estático ao meu lado, escondendo o seu pau com o lençol branco, olhando para o teto, quase não falava nada. Não era a primeira vez dele, e muito menos a nossa primeira vez. Simplesmente ele entrava em uma espécie de pane, e ficava desse jeito alguns minutos. Eu não tinha muita reação, já estava quase me acostumando a sua falta de tato. Meus namorados anteriores não eram nada parecidos com ele nesse sentido. Normalmente se abraça, se pede algum carinho, se move as mãos para mais prazer. Ele parecia uma pedra, enrustida em seu comando. Por alguns minutos me dava tempo para pensar na vida, pensar em que droga era aquilo...tudo isso enquanto eu fumava um cigarro. Será que ele realmente gozava? Será que ele realmente tinha prazer? Começava a pensar que não, começava a pensar que pedras paradas só criam limo.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Carta 08

Sugestão para escutar lendo: http://www.youtube.com/watch?v=7ZZcZHWw9eM&NR=1&feature=fvwp


Eu to indo embora. Para mim já chega. São sete horas da noite agora, e eu não poderia estar mais feliz. Vou lembrar mais uma vez para esquecer para sempre. Stanley Clarke manuseia o seu comovente contrabaixo em Sweet Baby enquanto eu acabo de preparar tudo.

"It's you, sweet baby/ Ever always been captured By your smile, sweet baby".

Não quero ninguém chorando depois, quero sim que façam piada, quero sim que me xinguem, e que digam que eu não precisava ir agora, quero sim que me xinguem e que digam que eu fiz a coisa certa. Todos sempre estão enganados mesmo. Eu já vesti o terno, eu já coloquei a gravata que o meu vô me ensinou a dar nó. Espero encontrar com ele. Espero encontrar com ele e com a minha vó.

Vai ser exatamente quando a música chegar no fim, eu deixei tudo planejado. Falta pouco tempo para surtir o tal efeito. Mistura forte, tempo contado. A gente não se lembra de muita coisa a essa hora. Nem quero lembrar, nem, ao menos, quero ver alguma coisa. Quero dormir. Quero dormir na praia branca de minha infância novamente. Quero ser criança para sempre.

Quero para sempre a sensação da primeira vez. Lá está de volta o primeiro beijo em Katiane, eu todo nervoso, ela já mais velha, já era mais experiente. Katiane dois anos mais velha na minha frente. Aquela sensação novamente antes de ir embora. Os lábios molhados frescos dela debaixo do sol no interior de Santa Catarina.

"Lying here alone, I'm dreaming/ My mind keeps wanderin/ My thoughts are only you/Wandering through the/Memories in my mind"

Os pés frescos da noite. Para nunca mais. A primeira leitura visceral que me marcou, as viagens por dentro da terra de Julio verne. Eu querendo ser navegador, eu queria um barco. Eu fazia um barco de papel para balançar dentro da improvisada bacia de mamãe, enquanto ela brigava na sala. Era tudo tão obsceno e cruel. Tão ardente que virei marinheiro. Tão chato que resolvi viajar para nunca mais encontrar

eles.

Pessoas necessariamente não tem porto. Queria mais uma vez o abraço do melhor amigo que há anos não vejo, o entardercer do dia de uma praia qualquer. Queria por última vez, agora que a música acaba, queria ser apenas parte da areia de uma praia que não existe mais. Quero dormir todos os sonhos necessários. Descansar a ferida antes de aportar.

"Oh, it's you, sweet baby/ I will never be free/ From your embrace, sweet baby/ Only hoping it's not/ Too late to try again"

sábado, 20 de novembro de 2010

No encalço

- Posso tirar uma foto dos seus pés?

- O quê?

- Eu perguntei se posso tirar uma foto dos seus pés.

- Dos meus pés? Para quê?

- Apenas uma foto...seus pés são bonitos. Realmente. Há tempos que não vejo um exemplar assim.

- Não, amigo. Desculpa. Nem te conheço, não sei quem você é...nem sei o que você vai fazer com essa foto..

- E ainda mais aqui no metrô. É muito difícil encontrar um bom par de pés femininos assim..por aqui..

- Você não está me escutando não? Não pode tirar foto nenhuma, e vai saindo daqui se não eu dou um escândalo... eu começo a gritar, sei lá.

- É sério. E essa sandália, que beleza! Combina com a cor das suas unhas. Fantástico...vou tirar a foto com o meu celular mesmo...

- Cê não tá me ouvindo, não? Porra!

- Calma, moça, calma. É para o meu blog, na internet. Vou catalogá-lo como “Musa”. Já tenho mais de 2000 fotos. Mas musas são difíceis de achar, e acho que você será a décima oitava. Infelizmente não pago nada. Não fica feliz?

- Cê ta louco. Maníaco, pirado.

- Olha só, é rapidinho e não vai doer nada. Ninguém vai saber que é tu. Eu nem sei teu nome. Nem sei e nem quero saber.

- Mas eu quero saber o teu, para ligar para a polícia, cretino.

- Click!

- Seu filho da puta, volta aqui.

Tarde demais na estação.
Um acumulado de pessoas desembarca.
Ela dá chilique sozinha e ninguém entende nada.
Enquanto isso, ele é só risada.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Tão pouco

Por que a gente se vende tão facilmente?
Escorados agora entre esses portos
descobertos pelas nossas
faltas de capacidades.

Você enrola verdades-mentiras
que comovem todas as suas mãos
a gente se vende tão facilmente
por tão pouco

a gente se desmente tão
facilmente
por tão pouco

Quem é que tem certeza de algo hoje em dia?
Quem é que realmente pode dizer que tem certeza de algo hoje em dia.

domingo, 14 de novembro de 2010

Aqueles braços

Joana tinha um rosto atraente, dançava como se o mundo fosse acabar no próximo movimento e tinha um papo interessante, mas havia uma coisa que incomodava aquele conjunto quase tão bem acabado.

Ela tinha os braços gordos.

Flácidos e brancos, redondos, formando uma pequena barriguinha. Só notei isso depois de já estar envolvido seriamente com ela. A época em que nos conhecemos ajudou a me ocultar esse fato: foi no inverno e é natural que as roupas sejam compridas, largas, escondendo a gordura.

Não quero que você leitor, leitora nutra alguma espécie de raiva contra mim, ou que me acha preconceituoso. Não odeio gordos, não tenho absolutamente nada contra vocês. Gosto sim é da harmonia. Há várias mulheres gordas bonitas, mas elas não têm os braços finos.

Entende?

Eu via um erro na composição, no quadro geral. Algo que saiu mal planejado em sua formação genética. Quando conheci os pais de Joana pude reparar que não havia nenhum problema em sua mãe, a não ser na personalidade extravagante, quase vulgar. Mas tratando de seu físico, era quase que perfeito. O problema, o problema com certeza era seu pai. O que me levou a tese de que se o pai tem braços gordos, a filha, provavelmente, herdará os malditos.

Passei noites sem dormir ao lado de Joana, não tendo coragem suficiente para falar sobre esse “problema”. No começo, tentei levar a situação como uma besteira, que seria uma cisma. Depois passei a tentar me enganar dizendo que na verdade eu estava era com medo de me relacionar. Que o problema era eu e não ela. Acabei acreditando nisso um tempo, mas logo depois caiu a ficha de que se não fosse os braços gordos de Joana, eu, provavelmente, estaria completamente feliz.

Então resolvi abandonar as coisas e simplesmente sumir. Encurralado pela fraqueza de não lhe dizer a verdade. Não conseguia pensar em uma melhor resolução para isso. Acabei deixando uma espécie de bilhete, uma nota na realidade, em cima da mesa. Acho que escrevi algo como “Desculpa, mas não posso mais ficar com você. O problema não é você, mas parte de você”. Acho que escrevi isso mais ou menos.

“Parte de você” foi a melhor escolha de palavras. Depois disso comecei a passar mais tempo em casa, troquei de apartamento, porque queria me afastar dela. Para não machucá-la mais e para fugir daquela sensação de abafamento quando pensava nela e nos seus braços. Foi aí que comecei a reparar nos meus também.

Percebi que cada vez mais observava os espelhos em casa, me olhando, olhando os meus braços. Eles pareciam levemente maiores. Levemente maiores a cada vez que eu olhava.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Linha reta finita

Tenho alguns problemas com o tempo. Não sei mais se ele é circular ou simplesmente dá volta nas esquinas, formando um quadrilátero. Mesmo que o tempo não tenha formato, ele não precisa necessariamente ser redondo. Algumas coisas não retornam. O tempo pode ser uma linha reta com um fim. E ponto. Ou melhor, sem nenhum ponto de intersecção para quebrar. Uma linha com final; e, sendo assim, não infinita, essas coisas que a matemática finge que existe e todo mundo fica feliz. Essas coisas como o tempo que todo mundo finge que existe e fica feliz. Cargas d’agua, mas a gente precisa acreditar em algumas coisas para continuar de pé, né? O tempo então é uma linha reta finita pela qual andamos até acabar esse passeio longo e divertido. Desculpa pelo não sentido, já lhe disse, tenho alguns problemas com o tempo.