domingo, 15 de setembro de 2013

Entre relacionamentos

Casal fotografado por Cartier Bresson

Acho engraçado alguns textos que são replicados por  meus contatos na timeline do facebook. A maioria deles são sobre como os homens deveriam agir com as mulheres, e, obviamente, a maioria desses textos são escritos por homens que se vangloriam (mesmo falando que essa não é a intenção) de ter muita experiência com elas. Por mais que muitas vezes bem camuflados, a maioria desses textos reproduz a ideia de que há uma receita para um relacionamento dar certo, quando não, não há receita ou comportamento que vá garantir seu sucesso com o sexo oposto, ou o sucesso no seu namoro.

Acontece que é muito mais atrativo vender uma ideia pronta. Um caminho. As pessoas, em geral, são preguiçosas para pensar, ou até para questionar as próprias pequenas atitudes do cotidiano. Para nós, o problema sempre é com a outra pessoa.  Afinal, o que eu poderia fazer de errado, não é verdade?  Além disso, parece haver uma pequena implicância com a questão sobre relacionamentos, como se fosse algo típico apenas ao gênero feminino. Exemplificando, podemos com frequência observar isso no cinema, com os filmes de romance. De modo geral, há a tendência de que eles seriam realizados para o gosto feminino, quando o bom filme de romance foca no relacionamento do casal, nos dois, nas dificuldades, nos bons momentos, nos piores momentos, na imensa trajetória de suas vidas. Por isso é tão difícil achar bons filmes desse gênero (e eles existem), e por isso também é muito difícil achar escritores, textos que transmitam algo que vale a pena ser lido sobre relacionamentos.

É que falar sobre relacionamentos não implica em receitas ou em descrever atitudes ou experiências, trata-se de entender uma vida, uma vida compartilhada. E quando me refiro a entender significa ter experimentado ou observado algumas situações, e também ter refletido em cima daquelas vivências. Já que somos seres comunicativos, precisamos de informações e de experiências para criarmos a nossa visão de mundo, e, consequentemente, para criamos a nossa visão de um relacionamento.  Pode parecer clichê, mas um dos meus filmes favoritos do gênero é Annie Hall, do Woody Allen, em que é nos apresentado uma relação contada pelo narrador em off. Desde o começo do filme, sabemos que eles não acabam juntos, mas, mesmo assim, ele vai nos apresentando a história. Como se conheceram, o primeiro beijo, as brigas, etc. É impossível não criar uma afeição pelo casal, por suas histórias – mesmo sabendo que não vai acabar bem. Tudo isso vem regado a sua ótima reflexão final, que deixo aqui com vocês:




E é fato que a maioria dos relacionamentos de sua vida não vai dar certo. Isto é, você não viverá com a pessoa para sempre. Não haverá o momento feliz, depois de duas horas, como um filme. As coisas simplesmente não são assim, mas é aí que reside a graça também. A vida está nas entrelinhas e nos aprendizados quase que diários, em notar as suas evoluções, que você realmente não se importa mais com algo que lhe incomodava até um tempo atrás. Que você amadureceu, nem que seja um pouquinho.  E que um pouquinho dos outros ficou em você também. E que tudo isso vai nos modificando até sermos algo novo, em eterna constância. – ou inconstância. Quanto a fórmulas ou receitas: uma hora, a gente aprende alguns meandros, alguns detalhes que se repetem entre as pessoas, mas isso não é uma regra. Não há regras quando se fala de afeto, não há padrão para o amor.

domingo, 8 de setembro de 2013

Vira mais um copo, meia noite.

Vira mais um copo, meia noite.
Vira e depois ri que ninguém tá vendo.
Esperneia, é duas horas e pouco.
Caminha pela rua das três adiante.

Momentos depois tá ligando,
querendo chegar em casa
mas não sabe como.

Às quatro ela dorme comigo
Vira comigo
Troca pernas comigo
Rola comigo
Beija comigo
Trepa a noite comigo

Seis e dez insiste em ir embora
Mas é cedo e não vai sair assim não

Dorme até o meio dia que eu te dou café
A casa tá vazia, é só nossa
Dorme que mais tarde tem mais

noite para acabar novamente.

sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Ato II - Sonhar

Apagou os olhos.

De repente estava carregando o pai no colo. O nível da água começava a subir cada vez mais, alcançando os joelhos. Ao mesmo tempo, seu pai não parecia seu pai; era ele, mas mirrado, pequeno, frágil. Crescia em seu coração a certeza de que deveria protegê-lo, que deveria continuar levando-o sabe se lá para onde, sabe-se lá com que força. Já era escuro quando o depositou em uma cama branca. A água agora alcançava um pouco abaixo de sua cintura. Visivelmente cansado, sentou no pé da cama e começou a chorar. Não sabia mais o que fazer.

Agora estava com ela novamente. Na cama que dividiram prazeres, carícias e gritos de pesadelo. Deitados no meio da madrugada, ele podia sentir o vento que entrava pelas frestas da janela. Devagar, se insinuando estrategicamente, ela esfregava a as coxas nele. Logo, estavam enlaçados, beijando-se e mordendo-se mutuamente, como se tudo pudesse acabar no dia seguinte.

Via o cachorro de estimação com quem dividiu dezoito dos seus anos. Morrera vítima de um câncer, morrera na sacada de madrugada, sozinho. Se afastando de todo mundo. Mas agora lá estava ele na sua frente, com a língua de fora, os pelos cor de creme, a expressão alegre em vê-lo de novo. Eles ansiavam o toque, mas sempre que chegavam perto um do outro, alguma coisa impedia. Era impossível brincar.

É noite novamente, ele está em movimento. Do lado não há ninguém. Só consegue ver a sombra do motorista. Ele fuma, um cheiro insuportável. Quer falar algo, mas não consegue. Mexe as mãos para alcançá-lo, mas ele sempre desvia. Parece uma brincadeira. Tudo é tão alegre nesse carro em movimento, apesar de só estar os dois. Consegue ver que o homem tem bigode e parece  sempre meio sorridente. É madrugada e toca música, toca música bem alto e ele nunca consegue falar nada.

Aos poucos abre os olhos, um faixo de luz, dia novamente.