O céu estava estrelado lá fora graças a garoa que havia caído no fim-da-tarde. Várias luzinhas piscando por entre nuvens cada vez mais esparsas. Você sabia que há mais estrelas no céu do que grãos de areia na praia? Lembro-me de ter escutado isso de minha irmã há muito tempo. Eu ri da cara dela, como de escárnio, mas acho que agora eu realmente compreendia. Estava estrelado, e quente para burro dentro daquele táxi. Mesmo com todos os vidros abaixados podia-se sentir o bafo que parecia grudar nas poltronas de couro. Se não fosse o céu me distraindo eu poderia estar muito mais irritado. Helena me dava a mão, enquanto eu olhava para o céu. No rádio estranhamente tocava alguma canção do Lou Reed. Já passava da meia-noite. “Você vai ver, vai ficar tudo bem”, ela dizia. O carro a uns 80 km/h varria sua cara de recém acordada. Ela era toda preocupação.
Não houve tempo de se maquiar, ou de colocar alguma roupa melhor. Talvez a gente conheça realmente uma pessoa quando não se há muito tempo para essas coisas. Se for esse o caso, a cara dela era um tapa na minha de “eu não estou nem aí”. E eu não estou nem aí enquanto olho o céu: simplesmente porque há muito tempo não temos contato e no meio da noite o telefone toca. Não sabia como agir, mas quando vi já estava dentro do táxi, a espreita, olhando o céu. Aquelas estrelas. Tentava me lembrar de algo que pudesse valer a pena, e pensar em algo para dizer quando chegasse ao hospital, mas nada, nada aparecia.
Foi quando do céu, também se desenhou uma espécie de lembrança. Algo a ver com a areia, aquela história da minha irmã. Do nada me lembro da praia, e ela com apenas 12 anos. “Mano, você sabe que há mais estrelas no céu do que grãos de areia na praia?”. Ela pega um punhado, e deixa o vento levar. Eu rio, e falo algo como, “não pode ser, há muita areia no planeta todo”. Ela fica meio irritada, mas sorri. Parecia com medo também. “Isso quer dizer que a gente é muito pequeno , que a gente não é nada. Quase nada, talvez um pouco maior do que um grão de areia”. Eu que nunca soube muito o que falar, emudeci. Aquela consciência tão grande para uma criança me deixou meio assustado. Eu, apenas dois anos mais velhos respondi com uma tapa de leve no ar, como se quisesse afastar o assunto.
É quando ela entra na cena e diz, “vai ficar, tudo bem, Mariana”. E aperta a sua filha, a minha irmã, de encontro aos seus braços. O céu também está estrelado como se fossem grãos de areia se remoendo de dor.
“Vai ficar tudo bem?”