segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Dois perdidos em uma noite deserta

A primeira impressão que eu tive ao chegar em seu apartamento é que era tudo tão organizado para aquela bagunça que ela aparentava ser.  Mas desde quando um riso agitado e uma forma de mexer os braços efusivamente significam tragédia organizacional? Sempre tive um problema em julgar pessoas, vai saber. Certo que eu a conheci há apenas algumas horas, ainda na fila daquela festa que, meu deus, estava um saco. Para falar a verdade, eu já não esperava muita coisa por ali, mas, mesmo assim, fui arrastado por uns amigos e pela possibilidade de acabar bem a noite.  E por acabar bem a noite vocês devem saber que algo como sexo sem compromisso, conhecer alguém legal, beber e não vomitar já seriam o suficiente. Não necessariamente nessa ordem, mas ok, talvez nessa ordem de importância.

Era tarde e tinha essa mulher agitada um pouco atrás da fila da festa e que não parava de falar alto sobre uma banda que eu gosto bastante e de como eles são incríveis e de como ela foi a todos os shows que eles fizeram no País...E eu quase já não gostava mais da banda, quando tentando apenas interromper, acabei começando uma conversa que foi andando mais depressa do que todo o resto da fila e deixando de lado as pessoas ao nosso redor, quando vimos já estávamos na festa e rapidamente à frente do seu apartamento.

417.

Tarde da noite e eu ali esperando ela encontrar a chave certa. Tarde da noite, eu com as mãos metidas no bolso, sem graça. Lembrava da última vez que havia feito algo assim, fazia tempo. Não estou me referindo ao sexo, mas ao sexo com outra pessoa que não fosse minha ex-namorada. Confesso, agora, que não sou um homem muito expressivo em conversas, gosto mais de escutar para, depois, tentar esboçar um raciocínio, mas tudo fluiu tão rapidamente que não tinha como não ir para a casa dela, para acabar “bem” a noite, para, então, se tornar algo que eu não esperava que acontecesse e que, desse modo, fosse uma surpresa a qual eu pudesse me gabar no dia seguinte para os mais chegados: “Se lembra daquela guria da fila da festa ontem? Pois é, fui para a casa dela...” Mas no fundo eu sabia que nada disso realmente importava e que as minhas mãos no bolso apenas esclareciam tudo, elas praticamente falavam que se a gente só conversasse já estaria ok e eu ficaria feliz, porque eu queria conversar sobre coisas sérias e não tinha conseguido fazer isso com ninguém ainda. E, com ela, tinha visto uma abertura. Uma pequena brecha nessa eterna fechadura comprimida que é vida.

Meio bêbado a gente pensa em cada coisa.

Quando , enfim, ela conseguiu abrir a porta, pude ver o apartamento organizado milimetricamente. Na estante gigante que encobria toda a parede da sala vários livros de todos os tipos, no qual os de filosofia tomavam a frente. Um pouco bêbada, chegou dançando entre os sofás e ligou o som. Olha a nossa banda favorita aí novamente. É verdade, é verdade, eu sabia que você ia gostar, nossa, esse é melhor álbum deles, não é? Não sei, acho que prefiro o material antigo. Sim, sim, pode ser. No canto, perto do sofá um imenso gato deitava da forma mais confortável do mundo, encarando-me, abrindo e fechando os olhos. Nós acordamos o seu gato, que fatalidade. Qual o nome dele? Dela! Minha única fiel companheira nessa vida, se chama Minerva, a gata. Haha, Minerva como o sabão em pó? Não, Minerva como a deusa romana, sabe? Da sabedoria e das artes...Eu sei, eu sei, estava só brincando contigo. Ah, sim, haha. Mas não brinque muito com ela, ela morde, cuidado. É difícil de ganhar dela em uma briga. Falou isso me mostrando uns arranhões no braço e deixou a sala, disse que ia tomar banho, estava muito cansada e queria tirar aquele cheiro de fila dela, aquele cheiro da festa. Eu concordei e sentei no sofá.

Chuveiro ligado.

Era uma e meia da manhã. E eu só imaginava o modo como a água descia pelo seu corpo. Ao mesmo tempo, a gata Minerva sai do seu cesto-altar e tal como uma deusa, imponente caminha em minha direção. Olhos fixos, ela estanca em minha frente, encostando a cabeça em minha perna. Acaricio-a com um gesto de respeito e afeto, o que ela parece entender. Como é a sua dona, Minerva? Ela te alimenta bem? Pelo jeito sim, né? Pelo jeito sim. Me conta mais sobre ela, me conta. A gata entorta a cabeça, lambe a pata e vira de costas. Atrás de algo mais interessante. Acompanho a caminhada e reparo nas fotos em cima da estante, todas de paisagem, nenhuma de pessoas, nenhuma dela. A música continuava tocando, uma das minhas faixas favoritas.

Chuveiro desligado.

Do banheiro, então, surge pela porta uma nuvem de vapor da água e por meio da neblina improvisada: ela, enrolada de toalha. As pernas morenas e o sorriso aberto. Cabelo molhado escorrendo nas costas, pés sem chinelo, não se importando em sujar o chão, porque ela era assim, ou parecia ser assim, não sei. Disse que ia ao quarto, se vestir, mas que era para eu continuar ali, a esperando. Tá certo, respondi, com as mãos no bolso, olhando ela ir embora.

Tá certo, agora pensei, respirando para imaginar o que poderia acontecer. Estava nervoso como se fosse a primeira vez, a primeira vez de muitas vezes? Não sei. Tá certo, o que eu poderia fazer? Estava destinado a levá-la para o quarto. Agora que eu consegui entrar no apartamento dela, no meio da madrugada, depois daquela festa terrível, eu, enfim, precisava “acabar bem a noite”. Tá certo, a gata Minerva pensava me olhando. Você está pronto? Estou, Minerva. Eu acho. Não sei, Minerva. Eu queria estar pronto? Queria até, eu queria depois que vi a tolha amarrada no corpo dela. Ela disse para eu esperar e eu vou continuar esperando. A gente espera tanta coisa na vida, Minerva. Acho que passou uns 5 minutos, porque tocou duas músicas e o álbum tem músicas curtas,  quando ela saiu do quarto, sonolenta em uma camisola toda acordada, olhando para mim com os olhos cansados e uns olhos assim que eu me lembro de ter visto só algumas vezes em tão poucas pessoas, que eu não sei se era a bebida, a minha confusão, a Minerva me perguntando se eu estava pronto, mas eu resolvi simplesmente pegá-la pela mão e juntos arrastarmos nossos corpos juntos pelo carpete da sala em uma dança juntos quase caindo enquanto um riso improvisado mais alto dela tropeçava em mim. E nem era a minha música favorita.

De repente ficou tudo tão tarde e ficamos tão cansados que ela simplesmente puxou meu braço, levando-me ao quarto, o tão destinado quarto. A tarefa da noite. O álbum já acabara e a gata Minerva dormia. Enrolada na camisola, enrolada na toalha e em mim, ela me puxava. Vem, vamos dormir. Tá tarde. Vem, vamos para a cama. Você vem? Esbarrei na estante e nela e depois na porta e acabei deitando ao seu lado. Os seios encostando em mim, abraçando como se me conhecesse há séculos. Ela, então, virou a cabeça para o lado, deixando os cabelos em meus ombros, como se lá fossem o lugar de origem deles, e dormiu. 

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