Três e meia da tarde quando eu cheguei. Vou pegar a
cadeira para sentar mais perto. Tudo bem? Tudo, tudo bem. As pernas e os braços
finos. Tão pequena, igual a uma criança. Tão cheia de furos de agulhas, soro,
exames. Esse aqui foi para ver como tá a glicose, a enfermeira havia dito para
ela, que disse para mim apontando para o furo mais novo no dedo. Só nós dois
naquele quarto branco e gelado, lá fora estava quente e eu segurava um casaco -
eu sempre ando com um. Bota que tá frio. Rejeitei a ideia com a cabeça, mas me
cobri ao sentar.
Essa colcha, vó, que colcha bonita. Já é antiga, né,
foi tu que costurou tudo, eu me lembro. Nossa, deve ter demorado muito tempo
para fazer. E ela fez uma para cada parte da família naquela época. Eu ganhava
muito material de linha, mas para emaranhar assim com tanta cor...Hoje em dia
não dá mais, o braço não deixa. E sorri de verdade, que é quando se sorri por
coisa boa já feita. Que é quando se sorri respingando um pouco de tristeza
doída porque não vai se repetir. Queria ter um talento assim, vó, mas eu quase
nem sei fazer nada direito, uma colcha dessas, imagina, nem conseguir cozinhar,
eu sei. Já a senhora....Eu nunca a havia chamado de senhora, me estranhei,
então virei o rosto por um momento, procurando um tímido abrigo.
Ela abana a cabeça, os olhos pulando, os olhos
cansados. Não precisa falar mais vó. Descansa, dorme um pouco. E depois vai
comer pra ficar forte e sair logo daqui, né. Nem me fala, filho, nem me fala.
Gosta de me chamar de filho e eu, que fui criado praticamente minha vida toda perto
deles, sempre acatei com maior profundidade. Vamos ficar quietos, tenta dormir,
enquanto eu fico aqui do seu lado. Tira um cochilo. E os olhos fecham.
Os meus abrem mais: consigo agora observar melhor o
seu estado. O corpo que se confunde com o cobertor. Retalhos de peças de linha
das mais variadas cores feitas manualmente ao longo de tanto tempo; uma pessoa
composta por todas essas memórias, uma pessoa toda remendada de novo, indo e
vindo do hospital. Cansada e forte. E eu, disposto e fraco, o mais vulnerável
da história; não consigo compreender como o tempo pode fazer isso com a gente.
O que se pode fazer? Mas a colcha é tão bonita
que eu nem sei mais de nada, e parece formar ondas e camadas diferentes ao se escancarar
toda sobre o seu corpo. Depois de uns dez minutos ela acorda com um sonho.
Quer me contar. Colorido e cheio de vida como essa colcha, deve ser. Acontece
que é simples. Estou em casa, andando, cuidando das coisas, tomando banho por
mim mesma, sem barulho de máquina a noite toda. É igual a vida.
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