Despertou depois de quase três meses dormindo. Sonhou com
tanta coisa e teve diversas vidas – em uma delas, inclusive, chegando a idade
de oitenta anos, com vários netos; em uma morreu ainda muito jovem: acidente de
carro; outra acabou se casando com a
namorada do colégio e tudo era horrível. Mesmo vivendo tanto em quase três
meses de sonho acordou sem querer, quando caiu em um buraco e sentiu aquela
horrível sensação de perder o degrau da escada. De sucumbir para o infinito, que durou até o momento que conseguiu abrir os olhos e aparecer na
sua cama.
Estava ensopado, o calor de mais de 40 graus acentuava como
os dias mudaram desde que ele simplesmente apagou depois de voltar do trabalho.
O colchão fedia a merda e mijo e o quarto era só mofo escuro, pouca luz entrava
pela cortina semiaberta. Pensava em ver as horas, mas tinha esquecido de como
ver as horas. Só conseguia sentir o cheiro de merda e isso o lembrava dos
porcos que criou quando criança na fazenda de seu tio, mas não sabe se era
realmente sua vida ou um dos sonhos.
Tentou se arrastar para rasgar a cortina e sentir os olhos, mas
os seus membros não respondiam a nada, ficou ainda um bom tempo deitado. Ficou
ainda um tempo tentando se lembrar como era ser ele, como era seu nome e sua identidade.
Os pensamentos ficaram no ar e o ajudaram a levantar, empurrando-o da cama,
jogando-o no chão e forçando a se arrastar pelo carpete cheio de pó até a
cortina. Depois de muito esforço, conseguiu rasgar um pedaço dela e pode ver a
luz invadindo o quarto, pintando a parede com uma cor amarela nauseante.
Começou enfim a enxergar algumas pessoas, sua esposa, seus netos, um cachorro
que tinha adotado, sua irmã andando de bicicleta.
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