Agora à noite o meu vô quase morreu. Meu vô tem 82 anos, 83 anos a serem
completados no dia nove de dezembro. Eu moro no mesmo terreno que o meu vô,
isto é, somos vizinhos há 24 anos. Minha idade. Meu vô parou de trabalhar há
muito tempo, aposentou-se cedo devido ao emprego: era tipógrafo numa época em
que se moldavam as letras ainda com aquelas máquinas grandes, bem antes dos
computadores, e se trabalhava com metal pesado (e perigoso), como o chumbo. Ele
exerceu a função um bom tempo no Correio do Povo. Meu vô aposentado com
quarenta e poucos anos passou a dedicar a sua vida à casa. Cresci, então, com meus
avós por perto, em todas as situações, como um segundo porto seguro.
Estar por perto não é a mesma coisa de intimidade ou
proximidade. Meu vô não é uma das pessoas com quem
fui mais íntimo na minha vida, na verdade, não o conheço muito bem. Raramente
ele me falou do seu passado ou contou histórias e eu, raramente, fui atrás, ou
perguntei para saber mais sobre ele. Entretanto, às vezes, você só precisa
estar lá para ajudar. E meu vô sempre esteve lá por mim.
É difícil vê-lo assim deitado, sem conseguir andar direito,
sem se lembrar das pessoas, de nós. Ou lembrar, e esquecer, confundir, ver
coisas que não há. Ouvir músicas do Carlos Gardel e perguntar da onde vem o
som, quando só ele está ouvindo. Meu vô piorou consideravelmente nas últimas
duas semanas e foi tão abrupto. Numa hora estava dirigindo, andando pela rua,
ou na sacada descascando bergamota e comendo. Agora assim, deitado, sem
conseguir caminhar, sem conseguir lembrar das coisas, sem falar, meu vô, é
quase como um castigo.
E agora à noite meu vô teve uma parada cardíaca. Tudo
aconteceu tão rápido, que escrever sobre parece algo tão simplório perto disso tudo.
Eu estava lá, ajudando meu vô a se vestir, juntamente com a minha tia e o meu pai. A
ambulância do plano de saúde que pagamos estava demorando e acabamos ligando
para a SAMU. O que se demonstrou o certo: eles chegaram rapidamente e a tempo
de salvar a vida do meu vô. Pude ver todo o ato, meu vô atirado no chão, a massagem cardíaca impulsionando o coração a bater de novo. O som angustiante da caixa elétrica, dos aparelhos, as seringas, a adrenalina sendo injetada diretamente, e enfim, o pulso.
O coração do vô
parou por cerca de 4 minutos. E voltou.
Então, eu ajudei a colocá-lo na ambulância, eu
e o meu pai e os paramédicos. Eu, ao contrário dos outros, não chorei muito, vô. Mas não é porque eu não me importo, eu me importo, eu me importo demais. Só que meu choro besta é mais interno e meu corpo dói agora. Mas eu estava lá e quero estar lá por você, vô.